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27 DE JANEIRO DE 1990 1275

Junto de quem funcionará este Conselho? Qual a sua composição? Julgo que a matéria é susceptível de ser melhorada e abordada mais profundamente na discussão na especialidade.
Mas o Conselho Nacional de Bioética terá de ser uma magistratura científica e moral. Se assim não for, o seu objectivo não é atingido! A sua existência é já hoje indispensável.
Como diria Fausto, embora um pouco às cegas, a biotecnologia de que estamos a falar já está a chegar aos próprios princípios da vida.

Aplausos do PSD, do CDS e do PRD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Ferraz de Abreu e Luísa Amorim.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Correia Afonso, não posso deixar de o felicitar pela intervenção que produziu, porque as preocupações que exprimiu já as tínhamos referido neste hemiciclo e estamos de acordo com elas.
Não deixo de dar relevo à preocupação que o Sr. Deputado manifestou no sentido de que nenhuma medida, nenhuma regulamentação pode pôr entraves à investigação pura. Não podemos voltar aos tempos medievais, em que uma determinada hegemonia impediu o progresso da ciência. Não esqueçamos que se levaram séculos para conhecer o corpo humano e como este funcionava. Aliás, tornou-se mesmo necessário o assalto a cemitérios, quer pelos anatómicos dessa altura, quer pelos seus mandatários, para conseguirem fazer as investigações.
A humanidade beneficia hoje, sem qualquer espécie de dúvida, dos resultados da investigação científica, que se tem acelerado de uma maneira espantosa nos últimos tempos. O Sr. Deputado pôs em relevo, e bem, que a investigação, hoje, no microcosmo é espantosa; eu diria mesmo que os seus resultados, para a Humanidade, suplantarão as investigações a que, neste momento, se procede no espaço.
Porém, para tentarmos impedir qualquer hegemonia, seja ela religiosa ou ideológica, sobre a investigação, gostaria de saber se o Sr. Deputado admite ou não - e pelas suas palavras creio que sim - que este Conselho Nacional de Bioética, que todos defendemos e estamos a propor, deve gozar de uma total isenção, não deve haver a mínima suspeita da sua partidarização ou da sua politização. De facto, seria bom que este Conselho, nas suas deliberações, distinguisse o que é a liberdade de investigação da aplicação prática dos resultados dessa investigação.
Se é verdade que a manipulação genética pode levar a cenários monstruosos, também é certo que a manipulação genética já produz hoje resultados de que está a beneficiar a humanidade. Mais: abre perspectivas extraordinárias para eliminar a existência de doenças que até aqui faziam parte do património genético do homem e eram transmitidas ininterruptamente de geração em geração. Ora, sem a manipulação do embrião essas doenças não poderão ser eliminadas.
Aliás, a manipulação genética está a permitir a produção de substâncias que estão a enriquecer o arsenal terapêutico. Para citar talvez a mais comum e conhecida, lembro a vacina contra a hepatite pelo vírus B, que, de facto, é produzida por uma manipulação genética, visto que se introduz em células hospedeiras o gene que vai comandar e obrigar essas células a produzir determinadas substâncias.
Neste sentido, gostaria que o Sr. Deputado Correia Afonso esclarecesse até que ponto é que o partido de que faz parte está disposto, na comissão especializada, a modificar radicalmente a composição que é proposta pelo Governo, não só em relação à nomeação do seu presidente como até à sua própria composição. De facto, essa composição tem de ser livre, isenta, independente, para garantir que a investigação científica não tenha peias, que ninguém a limite, mas apenas se preocupe com os problemas morais, éticos e jurídicos que podem resultar da aplicação prática dos resultados dessa investigação.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Face à sua intervenção, preocupado que está em que o Conselho Nacional de Bioética seja um espaço de diálogo e tolerância - e também nós temos a preocupação de que ele seja exactamente esse espaço -, pergunto-lhe se considera que com a actual proposta do Governo, em que esta comissão é profundamente governamentalizada, está salvaguardada essa sua preocupação, tanto mais que na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias o partido de V. Ex.ª deu também o seu consentimento a uma outra forma de composição deste Conselho, que nos parece muito mais representativa do tal espaço de diálogo pluralista e de tolerância.
Por outro lado, embora tenha posto a questão sob a forma de interrogação, o que nos parece correcto, justo e modesto na época actual do desenvolvimento da ciência e dos valores culturais ligados ao Homem só pela interrogação é possível começar a discutir este tipo de problemas -, mantenho, no entanto, algumas preocupações, já referidas, aliás, pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu. Tenho, designadamente, a preocupação de que o risco de interpretar a ciência com tal pavor e medo, não conseguindo um justo equilíbrio entre a necessidade de progresso da Humanidade e de uma certa liberdade de investigação e, ao mesmo tempo, o respeito da integridade e dos direitos do ser humano, leve a travar a ciência, como a história da Humanidade já conhece, e ao mesmo tempo não respeite os direitos e a integridade do ser humano, como defendemos.
Pareceu-me, nomeadamente quanto à investigação sobre embriões, que V. Ex.ª poderia estar numa posição que não contribui para os objectivos desejados em relação à realidade presente e muito menos em relação ao futuro.
Pareceu-me igualmente que poderiam estar subjacentes à intervenção de V. Ex.ª, embora sob a forma de interrogações, determinados conceitos culturais e de relação homem/mulher que de algum modo me preocupam e que, aliás, não são novos em termos de discussão nesta Casa, nomeadamente quando coloca a interrogação de saber se basta o consentimento da mulher ou também é necessário o do marido. A questão que lhe coloco é a de saber o que poderá estar subjacente a modelos culturais que não representam a modernidade nem uma efectiva compreen-