O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

9 DE MARÇO DE 1990 1777

Face à acusação que o Partido Socialista fez ao Governo e ao PSD de atrasarem propositadamente o início da televisão privada para depois das eleições de 1991, a única resposta encontrada consistiu - conforme se recordam - na acusação de reconversão apressada dos socialistas às vantagens da televisão privada.
Não é necessário lembrar que cerca de um ano antes de um dirigente político, com responsabilidades do Primeiro-Ministro, dizer, em vésperas de campanha eleitoral, que em matéria de televisão «o PS perfilhava o modelo da Albânia», já o PS propusera, sem apoio do PSD, uma lei de bases do audiovisual, que constituía a primeira tentativa de quebrar o monopólio do Estado no sector.
Importa antes verificar a legitimidade do PSD na matéria. O programa do PSD, em matéria de televisão, é bem claro: o PSD é contra «a liberdade de fundação de empresas capitalistas».
Claro que concordo num facto: só as vicissitudes da vida político-partidária mantêm ainda formalmente em vigor o programa do então Partido Popular Democrático. O programa social-democrata de 1974 não é, naturalmente, já o texto referência do partido.
Procuremos, então, outras referências. O comportamento do PSD na Assembleia Constituinte é, a este respeito, igualmente inequívoco. O Grupo Parlamentar do PPD votou unanimemente, como um bloco, a favor do n.º 6 do artigo 38.º: «A televisão não pode ser objecto de propriedade privada».
Mais tarde, em Dezembro de 1978, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou um «projecto de lei de televisão». Cito o artigo 3.º, de epígrafe «A televisão como serviço público»: «o serviço público de televisão não pode ser objecto de propriedade privada e está sujeito à fiscalização do Estado, nos termos da lei.»
Consequências do espartilho constitucional? É possível!
No entanto, o Programa do VI Governo Constitucional, dirigido pelo Dr. Sá Carneiro, nada diz sobre a televisão privada. Estávamos significativamente perto da revisão constitucional.
Mudemos de página. No projecto de revisão constitucional apresentado em 27 de Abril de 1981, a Aliança Democrática preconiza regimes diversos para a rádio e para a televisão.
Para a primeira, o articulado é claro: «O estabelecimento de estações emissoras de rádio privadas ou cooperativas depende de autorização, nos termos da lei».
Em relação à TV, há muito menos ambição: «A televisão é objecto de propriedade pública, sem prejuízo da possibilidade de concessões de exploração a entidades privadas ou cooperativas.» Timidez do CDS? Ninguém acreditará!
Os programas dos governos posteriores, com participação do PSD, ou não referem qualquer projecto nesta matéria ou limitam essa abertura à Igreja Católica. Em todo o caso, já nessa altura alguma doutrina se inclinava para a possibilidade de compatibilizar o texto constitucional com a abertura à iniciativa privada desde que se mantivesse a propriedade pública das redes de difusão do sinal.
Voltamos ao início desta história: só o PS tentou aproveitar essa nesga. O PSD, esse, opôs-se.
Esta enumeração de alguns factos não representa uma visão maniqueísta do passado nem é uma peça da acusação.
O PSD não tem nada que se envergonhar de, no passado, ter defendido posições que, à luz da evolução do meio televisivo, podem hoje ser consideradas estatistas ou antiliberais.
O PSD não teve no passado razão contra a razão dos outros nem teve razão antes de tempo. Limitou-se a acompanhar a evolução europeia.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Até há cerca de duas décadas, o carácter finito do espectro radioeléctrico, o elevado custo das tecnologias, a herança da guerra mundial, o conformismo da indústria do audiovisual, entre outros motivos, generalizaram no nosso continente a ideia de um exigente serviço público, preferencialmente prosseguido por empresas, institutos ou corporações públicas.
Estes condicionalismos foram sendo progressivamente ultrapassados, mas a evolução europeia não se reflectiu tão rapidamente em Portugal, país periférico, com problemas de desenvolvimento, com um ainda frágil mercado publicitário e, até certa altura, com mais interesse popular por uma maior oferta do que candidatos à exploração de canais privados.
A evolução europeia, a evolução portuguesa, impuseram-se-nos a todos. O PSD convenceu-se primeiro que o PS? É possível, mas nunca quis ou foi capaz de provar isso. E foi repetidamente avisado. Relembro apenas um requerimento que dirigi ao Governo em Janeiro de 1988. Nessa altura, há mais de dois anos, perguntava ao Executivo quando tencionava apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei sobre a televisão privada, quando anunciaria o seu entendimento sobre o futuro do segundo canal da RTP, quantas coberturas nacionais de televisão estavam já tecnicamente disponíveis e o que estava o Governo a fazer para alargar e organizar o mapa de frequência em matéria de televisão.
Nunca recebi qualquer resposta a este requerimento. Mais grave do que isso: o Governo ainda não encetou as negociações internacionais para disponibilizar as quatro coberturas nacionais necessárias.
Voltemos à evolução europeia. Ela aponta para a consolidação do princípio segundo o qual o serviço público deve manter dois canais. Um deles será mais concorrencial face à iniciativa privada, o segundo mais respeitador dos direitos das minorias, mais sensível à difusão da cultura e mais atento aos interesses regionais.
O PS já se pronunciou claramente a favor desta tradição europeia de serviço público e regista que, aparentemente, o Governo não aliena esse património europeu.
A realidade, todavia, é bem diversa: exceptuando algumas boas palavras na exposição de motivos da proposta de lei, o exercício dos direitos de antena e réplica política, a difusão de notas oficiosas, mensagens e comunicados dos órgãos de soberania e a cedência de emissão para a Universidade Aberta, nada distingue as obrigações do serviço público de televisão dos deveres dos operadores privados.
Ao contrário das legislações estrangeiras, que impõem ao serviço público um conjunto de compromissos que justificam a reserva de um espaço televisivo vedado a interesses e objectivos predominantemente comerciais, a proposta do Governo é totalmente omissa nesta matéria.
Neste quadro, para quê, então, um serviço público de televisão? Ninguém poderá contestar uma resposta deste tipo: o Governo entende o serviço público como coutada privada, onde a sua influência não é posta em causa nem limitada por qualquer outro interesse.