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1778 I SÉRIE - NÚMERO 50

Eu sei que a acusação é grave. Tenciono tentar prová-la com quatro argumentos.
O primeiro tem a ver com a questão do modelo de gestão da empresa pública RTP.
A proposta governamental nada diz sobre a forma de garantir a independência da Radiotelevisão Portuguesa face ao poder político.
Conheço de cor a resposta do PSD: «É matéria para ser analisada em sede de revisão dos estatutos da RTP.»
Permito-me manifestar a minha total discordância.
A Constituição impõe aos órgãos de comunicação social como a RTP uma utilização «de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos e a assegurar a possiblidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião».
Será que o cumprimento deste preceito constitucional, que representa a mais relevante regra que se aplica a dois dos quatro canais nacionais de televisão e a única com a dignidade de figurar na lei fundamental, não deve ser integrada na lei quadro da actividade da radiotelevisão? Matéria como esta que é decisiva para assegurar o direito dos cidadãos a uma informação isenta e pluralista, não é da competência da Assembleia da República?

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O segundo argumento é complementar do primeiro.
A proposta do Governo não tem uma linha sequer sobre os direitos dos jornalistas, designadamente sobre aqueles que deverão ter uma regulamentação específica nos meios audiovisuais, a garantia de independência e o direito de participação na vida do órgão de comunicação social. Continua, visivelmente, a cruzada do Governo contra os conselhos de redacção.
O terceiro tema diz respeito ao direito de réplica política dos partidos da oposição. Ao limitar esse direito apenas àqueles que tenham sido directamente postos em causa pelas declarações políticas do Governo, o Executivo está a restringir uma das mais importantes regras democráticas que fundamentam a garantia da possibilidade de alternância do poder.
O quarto argumento consiste no alargamento da possibilidade de o Governo utilizar o serviço público de televisão para dirigir ao País mensagens e comunicados. Até agora, o Governo poderia utilizar o mecanismo das notas oficiosas, limitadas, no entanto, no seu conteúdo, a circunstâncias cuja gravidade e urgência o impusessem e limitadas, também, na sua dimensão, a um determinado número de palavras.
Segundo esta proposta de lei, deixa de haver qualquer regra que balize a utilização deste mecanismo.
Devo dizer-vos que não sobrevalorizo, evidentemente, o perigo desta alteração para a vida democrática. No entanto, o detalhe da alteração indicia um estilo...
Voltamos, pois, a uma importante limitação na vida democrática portuguesa: a tremenda e grave dependência das empresas públicas audiovisuais perante os governos.
O PS não desistirá de formular outras propostas que entenda adequadas para pôr cobro a esta dependência sem paralelo na Europa comunitária. Elas impõem-se não só para o serviço público de televisão como para o de rádio. A propósito, aliás, da RDP, dirijo uma pergunta ao Governo: considera-se à margem das pressões que têm sido feitas para marginalizar o director de programas desta empresa pública, José Manuel Nunes, um dos mais competentes e sérios profissionais de rádio do nosso país?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou iludir a expectativa criada em torno da posição do PS face à atribuição à Igreja Católica de um canal ou de um período de emissão especial.
Não nos pronunciaremos sobre o cumprimento ou não cumprimento de promessas realizadas no passado. É um tema a que o PS é totalmente alheio. Saber se o Governo ou o PSD são ou não bons pagadores de promessas é uma questão que nos ultrapassa.
Importa antes equacionar a reivindicação da Igreja Católica com serenidade e equilíbrio. A atribuição de canais de televisão, sendo ainda limitadas as possibilidades oferecidas pelo espectro radioeléctrico, é uma questão de vital importância para o regime democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição prevê por isso a atribuição de licenças através de concurso público. Este deve decorrer de forma clara, com rigor de procedimentos e transparência, de forma a colocar todos os concorrentes em situação de igualdade.
A Igreja Católica deverá submeter-se a este concurso. Poderá até usufruir da capacidade e da experiência que se reconhecem à Rádio Renascença. Não cremos que se possa agir de outro modo.
A atribuição de um período de emissão especial que a Igreja Católica pudesse rentabilizar comercialmente, difundindo programação concorrencial com outros operadores, não é uma solução justa nem adequada, nem tem tradição em qualquer país europeu, mesmo naqueles onde a Igreja tem representatividade idêntica à que se lhe reconhece em Portugal.
A única experiência confessional no âmbito da televisão europeia é a holandesa. Os casos não são, todavia, comparáveis. Os chamados «pilares sociais» em que assenta toda a vida democrática daquele país não têm nenhuma equiparação com a pretensão agora em análise.
Entretanto, o espaço atribuído à Igreja Católica deverá confinar-se à programação específica ligada ao seu apostolado. Ela poderá eventualmente ser maior, mas isso deveria ser objecto de um debate entre o próprio serviço público de televisão e a Igreja Católica.
Aliás, não obstante respeitarmos e defendermos o cumprimento rigoroso do princípio constitucional da separação das Igrejas e do Estado, no entender do PS, deveria ser reconhecido à Igreja Católica o direito de tomar parte, através de representantes seus, num dos órgãos sociais da RTP, o conselho geral, a par de outras entidades representativas da sociedade civil, participando na designação dos gestores e na definição das grandes linhas da programação.

Aplausos do PS.

O projecto de lei do PS que aqui votaremos hoje prevê isso expressamente, no seu artigo 58.º

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado Rui Machete e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.