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9 DE MARÇO DE 1990 1781

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, Sr. Presidente e Srs. Deputados, prometemos não sindicar a autenticidade das profissões de fé destes neófitos. Mais, compreendemos os tiques de zelo ou os complexos destes neoconvertidos. Levamo-los, naturalmente, à conta de um não logrado equilíbrio entre a interiorização dos novos valores e os sacrifícios e rituais com que se vêem compelidos a honrá-los.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para se ganhar a perspectiva necessária ao correcto desenho da lei que temos nas mãos e, ao mesmo tempo, antecipar referências hermenêuticas, úteis para o futuro intérprete e aplicador, nada mais indicado do que uma menção apressada ao significado crescente da própria comunicação, sem mais.
Tudo, com efeito, deixa adivinhar que o mundo que se avizinha será o mundo da comunicação, tanto aos níveis mais imediatos da circulação de mensagens culturais, ideológicas, políticas, comerciais e da criação e preservação dos consensos básicos sobre que assentam, estrutural e funcionalmente, os sistemas sociais, como, e sobretudo, ao nível mais fundo da interpretação filosófica do mundo, do ser e da existência.
Sabe-se como na interpretação da filosofia contemporânea se assiste à chamada «deshelenização» do pensamento, isto é, ao abandono da compreensão do mundo privilegiadamente assente nas categorias substancialistas aristotélico-tomistas ou nos seus sucedâneos de matriz cartesiana ou hegeliana.
Em vez disso, vemos emergir uma compreensão do mundo e da vida polarizada pelas categorias de relação e da intersubjectividade comunicativa do ser com outrém sob a mediação necessária da palavra. Como, entre nós, acentua o ilustre filósofo Baptista Pereira, o caso da metafísica helenista corresponde ao advento «da filosofia da liberdade e da pessoa, em que a transcendência serve a realização da essência humana, sempre futura porque nossa tarefa fundamental, dialógica, porque só com o outro e no mundo somos autenticamente nós mesmos, e estar fora, junto de outrem, não é queda nem alienação, mas sentido e valor».
Resumidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o mundo que se avizinha parece apostado em dar expressão prática à intuição de Heidegger, segundo a qual «são os poetas - os que comunicam e agem através da palavra- que preparam as fundações da casa em que os deuses entram como hóspedes». Nesta acentuação da comunicação, como topos privilegiados de interpretação do mundo, acabam, de resto, por convergir as mais excêntricas correntes de pensamento.
Para além de filósofos existencialistas como Heidegger e de adeptos do pensamento novo, de mais ou menos directa inspiração teológica, os conceitos e os imperativos de acção, mediatizados pela ideia de comunicação, colhem hoje também os favores de pensadores marxistas, como sucede paradigmaticamente com Habermas, que define o universo contrafáctico e ideal, porque há-de aspirar-se e lutar-se, optando não pelas categorias e discurso do mecanicismo economicista, mas antes pela ideia de acção comunicativa ideal, isto é, isenta de coerção.
É à luz do horizonte que procurámos assinalar e das premissas de valoração nele contidas que nos propomos apreciar a proposta de lei n.º 130/V em exame, nos termos compatíveis, com o instituto regimental da discussão na generalidade.
Como início de abordagem, importa ter presente o carácter ambivalente e invencivelmente antinómico do discurso sobre a actividade televisiva, do ponto de vista da comunicação.
Na sua irrenunciável conotação axiológica, a acção comunicativa apela para os valores da liberdade e autenticidade, de criatividade e crítica, reclama, noutros termos, o reforço da autonomia da pessoa no contexto relacional da intersubjectividade.
Ora, e por um lado, as virtualidades da televisão para alargar e generalizar a comunicação são praticamente sem limites.
Na medida em que informa, esclarece e forma, a televisão mediatiza uma compreensão mais radical do mundo e da vida, oferece alternativas, relativiza e dissipa construções assentes na irracionalidade e no tabu.
Na medida em que generaliza uma cultura urbana e secularizada, a televisão dissemina aquele ar da cidade que liberta, abre rupturas na força vinculativa da consciência colectiva, induzindo a heresia e a dissonância.
Por outro lado, e inversamente, não pode desatender-se a tensão da comunicação televisiva para a homogeneização padronizadora, a demiurgia na indiferença da impessoalidade e do monolitismo cultural, o que, do ponto de vista individual, pode representar o primado da heteronomia e da coerção não exposta, e, do ponto de vista colectivo, pode desencadear consequências catastróficas sobre modelos subculturais ou contraculturais de conhecimento, de vivência estética, experiência religiosa ou organização comunitária de inestimável valor antropo-lógico-cultural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, isso confronta o legislador com um desafio a reclamar o melhor do engenho, na procura dos necessários equilíbrios de concordância prática.
Feita esta reserva, e apelando para aquela capacidade de renúncia que nos permita passar, por instantes, por sobre os nossos empenhamentos ideológicos e partidários, não será arriscado acreditar que todos conviremos no aplauso da proposta de lei que, ao ser apresentada a esta Assembleia, nos colocou - e, através de nós, ao País - numa dívida de gratidão que saberemos honrar.

Aplausos do PSD.

Neste sentido joga, desde logo, a sua invulgar qualidade e rigor técnico-jurídico. No plano meramente formal, o texto do Governo passa com folgada vantagem o confronto com o projecto de lei n.º 457/V da responsabilidade do Partido Socialista, já noutra sede discutido e agora retomado.
São, na verdade, permita-se-me a observação, muitas e comprometedoras as debilidades e incorrecções técnico-legislativas que inquinam o projecto de lei do PS, que, a ser convertido em lei, condenaria o futuro intérprete e aplicador a mover-se num invencível labirinto de Ariana. Ele enferma, por exemplo, de uma complexa e confusa enunciação dos fins da actividade televisiva; abunda em preceitos de inconsequente e viciada estrutura normativa; amálgama em teia, por vezes inextrincável, normas de dignidade legal a par de outras de índole regulamentar;