9 DE MARÇO DE 1990 1787
tivamente, em violação da Constituição, a Igreja Católica, prescrevendo o cativar de um espaço num dos dois novos canais, sem contornos nítidos, embora como parte de um todo, implicando uma outorga de alvará.
Não andou, pois, depressa nem bem o Governo de Cavaco Silva. Pior: ao prometer o que não podia, ao recuar atabalhoadamente, dando o dito por não dito ou o ambiguamente redito pelo que dito fora sem espírito continente, semeia tempestades e dilacerações, bem ostentatórias, na bancada da maioria, de alma dividida entre amores possessivos e rangendo de incomodidade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sabe-se qual a situação presente e qual a solução que flui da Constituição da República, fasquia juridicamente inultrapassável pelo legislador ordinário. Sabe-se também que, para efeitos de proselitismo religioso, em igualdade com as outras confissões, pode a Igreja Católica, obviamente não impedida de participar no concurso público a abrir, ser destinatária de tempos de emissão, conquanto se não vislumbre a lidimidade para neles inserir, eventualmente, blocos de publicidade, que, ademais, representem receitas não despiciendas ...
O reconhecimento da funda respeitabilidade pelo princípio da liberdade de religião e, em harmonia com ela, do peso concreto incomparável da Igreja Católica nos sentimentos das pessoas, bem como do seu papel cultural e sociológico, não coonesta a mínima propensão para o assegurar de privilégios inconstitucionais, com repercussões inaceitáveis a todos os níveis, designadamente quando atentas as vertentes económicas e comerciais que se intersticiam nos benefícios fruídos em função da invocada natureza pastoral das emissões. Entendemos que devem ser retiradas ilações judiciosas, no plano das grelhas programáticas dos operadores públicos e privados, da relevância relativa das igrejas, tal como vem ocorrendo, sem atritividade sensível, desde há longos anos, na RTP. Essa salutar experiência ajudará, por certo, a morigerar ambições que, fazendo tábua rasa do paradigma da igualdade dos concorrentes em quanto se ligue com as condições de acesso aos licenciamentos, não alentam suficientemente no imenso que fica para lá dos seus estritos desígnios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma abordagem de especialidade, que não colhe, em dimensão exaustiva, neste momento, questionará aspectos técnicos, tendências preferenciais de entalhe político, a índole e subsistência de lacunas. Não se afigura ao PCP, ainda assim, impertinente aludir já a umas quantas passagens significativas.
Haverá, antes de mais, que assegurar a isenção e a pluralidade na informação a produzir pelas estações com alvará, a multipolaridade estética e a convivência de géneros, a protecção da produção nacional de acordo com indicadores que se não bastem com a indigência ou a banalidade em voga e a obrigação, na mesma linha, de quotas mínimas de prestação autónoma. Bem certo que a via idónea, em todo este domínio, não será a da imposição de percentagens desequilibradas, impraticáveis, mesmo que nascidas de uma intencionalidade estimável.
O atribulado pretérito da Lei da Música, aprovada unanimemente pela Câmara, desafia ao encontrar de mecanismos que associem rigor e realismo, não pusilanimidade e bom senso. É, por isso, imprescindível considerar, como no projecto de lei do PS, esquemas de sindicação eficaz, impedindo que vingue, entre outros, o entendimento e a prática de que um talk-show intérmino, degradante, preencha o requisito de um contingente dado de produção própria.
Onde se prevê, entretanto, o estímulo à criação de originais e protocolos para a salvaguarda e vitalização da língua comum, sem menosprezo de injunções razoáveis que evitem os fenómenos de colonização e abastardamento do português? O artigo 20.º da proposta de lei, para lá de uma patente debilidade, destituía importantes preocupações manifestadas pelos nossos autores e artistas.
Ao aludir a um imperativo de «50 % de programas de expressão portuguesa», sem mais, facilitará o recurso corrente à aquisição de espécimes oriundos dos países africanos e, sobretudo, do Brasil, a custos atractivos porventura, o que, esteirando-se numa óptica de empresa - em si compreensível -, não satisfaz credivelmente os apelos irrecusáveis da defesa da nossa cultura e, em conexão, dos que por ela se batem. Urge ir bem mais longe e, nesta esfera sensível, erigir a máxima concertação interpartidária em objectivo inquestionável.
Paralelamente, é ocasião de recordar o que afirmámos noutras oportunidades: a discussão em torno da atribuição de dois feixes de tele-emissão privada não esgota nem é a medula de uma exegese séria, nesta época das céleres e incisivas metamorfoses tecnológicas, do audiovisual, da sua mundividência e dos seus reptos. As relações da TV com o homem comum, apontando à premência de uma regionalização tanto como à busca de linguagens inovatórias, os riscos graves de estandardização da mediocridade e fomento de adinamias conservadoras (rastreados por Simone Weil em textos cuja leitura não será propícia ao propagandismo cego) colocam à mesa das nossas ponderações centralíssimas problemáticas.
Reiteramos também uma posição indeclinável em prol do sector público de radiotelevisão. Em mar de disputas de ordem múltipla, a RTP terá de ver-se dotada, para os seus canais, de elevados montantes e providências de modernização, apetrechamento com infra-estruturas que permitam a efectivação dos escopos a que está adstrita - conciliando apetências sem concessões pauperizadoras nem subjugação aos ditames das sondagens de audiências, promovendo uma franca diversificação da oferta cultural, recreativa, de informação imparcial, desenvolvendo perfis interventores de peculiar desinência social.
Duas notas terminais.
O artigo 16.º, n.º 2, da proposta governativa contém um inciso da maior gravidade - para o qual chamo a atenção da bancada do Governo -, pondo nas mãos da Administração Pública (o Conselho de Ministros? O Gabinete do Presidente do Conselho de Ministros? O ministro da tutela? Quem?) a hipótese de impedir ou condicionar o exercício independente e livre, em matéria de programação, das estações licenciadas. Trata-se, é bem de ver, de um instrumento de censura prévia, absolutamente intolerável, prado deleitoso para as perversões autocráticas ou os apetites controlacionistas do poder. A eliminação do pretendido constitui uma reclamação radical, de partida, em torno da qual se não concebe sequer a hesitação ou o intuito negocial.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é dissociável o diploma que o Executivo nos submete do resultado adquirido na Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Consagradas aqui a inuma-