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30 DE MARÇO DE 1990 2051

No que respeita ao legislativo, a estrita legalidade e a pré-definição jurídica afastaram, de direito, as leis secretas que tinham o seu equivalente jurídico-político nas leis mentais e na regra de que o príncipe tinha o poder de dispensar a lei. Mas a Europa voltaria a conhecer as leis secretas no regime nazi e, às vezes, ao menos no domínio fiscal, dá a impressão de que o amontoado de instruções, circulares, despachos e interpretações suo muito o equivalente das leis secretas, porque raros conseguirão guiar-se naquele emaranhado.
No domínio do judicial, o segredo revestiria uma forma acabada e acatada no Ocidente com o nome de segredo de justiça. Regimes totalitários viriam a ressuscitar os processos secretos que frustraram as finalidades do segredo judiciário e as garantias do contraditório e da publicidade do julgamento.
A questão foi sempre mais difícil com o executivo porque, como disse Alexandre Hamilton, «energia no executivo é a característica principal de um bom Governo» e, com esta autoridade, as grandes democracias da frente marítima ocidental não dispensaram os serviços secretos, a clandestinidade do Estado e o segredo de Estado. Nisto coincidiram os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a França, as forças armadas que receberam a lição de Frederico da Prússia e de Bismark e os estadistas que a receberam de Richelieu e de Maria de Medícis.
O Pacto da Sociedade das Nações condenou o secretismo na vida internacional, a Carta da ONU procedeu de igual modo, mas a prática não abrandou, antes se alargou com os problemas do secretismo nas áreas da investigação científica fundamental, da tecnologia e das patentes industriais.
Nem todos os Estados tom razões para se preocuparem com esta última área, mas os centros dominantes precisam de responder a este novo desafio. Todavia, mesmo os Estados dependentes nesta área, obrigados a acolherem-se à organização de grandes espaços ou à invasão das multinacionais, mio escapam a um fenómeno que se intensificou com a crescente internacionalização e dependências mundiais: é o problema das fidelidades múltiplas.
Na vida interna não pode ignorar-se que essa questão existe, levando a conflitos entre as fidelidades ao Estado, ao governo, ao partido, à liderança, à instituição profissional. Mas a gravidade crescente reside nas fidelidades múltiplas relacionadas com a integração internacional e transnacional. A pertença a vários grandes esforços, económicos, políticos, militares, as relações de serviço, a fidelidade a organizações transnacionais políticas ou confessionais, obrigam os Estados a procurarem defender-se com o segredo.
Mas acontece que o saber secreto é, um adicional considerável do poder político, que o controlo da legalidade desaparece ao menos no período útil, que a degenerescência do Estado é uma real ameaça. Os Estados Unidos da América abundam em conflitos desta natureza, umas vezes no percurso dos seus instrumentos de internacionalização da vida privada, outras vezes, o que é mais grave, no exercício das competências públicas.
Com isto mio se encontra conclusão mais tranquilizadora nos autores do que a de dizer que apenas uma sólida moral de responsabilidade dos titulares do poder político é remédio contra o abuso do saber secreto, contra a violação da legalidade, contra a degenerescência do Estado.
Posto isto, sugerimos os seguintes pontos de referência para uma discussão: o regime de segredo de Estado não implica, por si mesmo, qualquer desvio do princípio da estrita legalidade na marcha do Governo e da Administração, pois, limitando o acesso ao conhecimento dos factos e dos processos, condiciona negativamente as intervenções fiscalizadoras e correctoras dos órgãos aos quais compete, legal e politicamente, esta função.
A internacionalização e interdependência crescente dos Estados também implicam que a variável da política internacional se desenvolva, com maior intensidade que anteriormente, no sentido de desenvolver o secretismo da acção do poder político nesse domínio.
O mesmo se verifica no âmbito da defesa, domínio tradicional do secretismo do Estado, quer pela paz ambígua da situação internacional quer em resultado do método da defesa organizada em blocos permanentes que não consentem, por natureza, uma publicidade aberta dos seus objectivos e procedimentos.
Os mesmos fenómenos de internacionalização e interdependência, também evidentes entre as formações políticas e as organizações da sociedade civil, tornaram excepcionalmente relevante, sobretudo nas sociedades industrializadas, afluentes e de consumo, o fenómeno das fidelidades múltiplas, que, frequentemente, afecta a eficácia do executivo nos domínios da defesa e da alta tecnologia.
A experiência das democracias estabilizadas ocidentais, servindo de exemplo os Estados Unidos da América, mostra que, mantendo-se embora a definição formal constitucional, o equilíbrio dos poderes é afectado por aqueles factores e pelo secretismo consequente, permitindo a clandestinidade do Estado e o desvio eventual da legalidade, porque o saber secreto é uma componente importante do poder político.
A degenerescência do poder, esse vício de que Aristóteles não excluía nenhum regime, é favorecida pelo secretismo, e princípios fundamentais, como a estrita legalidade, o equilíbrio dos poderes e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, perigam, eventualmente.
Uma lei que regule o segredo de Estado é necessária, mas nada substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral de responsabilidade dos detentores do poder.
No nosso entendimento, na falta de uma lei que regule o segredo de Estado, o Estado português não tem o poder de usar esse regime, que é uma excepção à regra da Administração e da gestão política abertas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Parece que entre nós está a passar-se exactamente o contrário e que o Estado julga poder reservar qualquer maioria, tomando público apenas aquilo que lhe parece. Por isso, deveria ficar claro, neste debate, que não existe incriminação por violação do segredo de Estado neste país enquanto não houver uma lei que permita ao Estado estabelecer esse regime de excepção.
Quanto a este aspecto, há a notar o seguinte: em primeiro lugar, a simples falta de informação sobre os negócios correntes e que é devida ao eleitorado e aos legais representantes tende para tomar inseguros e não realistas os seus juízos e decisões; em segundo lugar, favorece o aparecimento do poder que resulta do saber secreto, o qual é favorecido pelos gabinetes restritos, pela falta de actas dos órgãos políticos, pela simplificação do