O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

30 DE MARÇO DE 1990 2047

O Orador: - Perguntam-lhe, então, concretamente se dispõe no gabinete de meios de neutralização de hipotéticas escutas e se já suspeitou de ser escutado indevidamente.
Responde enigmaticamente que a lei prevê a existência do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Militares, com funções de contra-informação e segurança. Espantosa coisa!
Lembra aquele filósofo distraído a quem alguém perguntava se estava a chover, e que respondia «no bengaleiro há gabardinas e guarda-chuvas»! Ninguém encontra conexão entre a pergunta concreta e a resposta. É o caso.
Em nosso entender, Sr. Presidente, esta incrível conversa de surdos tem de acabar! O PCP considera essencial que a subcomissão instituída nesta Câmara para a questão das escutas seja activada. Proporemos, designadamente, que por ela sejam ouvidos os membros do Governo e outras personalidades que, segundo públicas notícias, terão sido atingidos por escutas, para adopção das correspondentes medidas. Deverá apurar também se, como concluiu um recente inquérito jornalístico, «o Estado Português está indefeso face às inovações tecnológicas no domínio da espionagem» ou, se não, em que termos.
O silêncio dos poderes públicos após esta extraordinária imputação mina a credibilidade do Estado de direito democrático e desprestigia as instituições.
A proposta do PCP, Srs. Deputados, é que a Assembleia da República quebre esse silêncio e, se necessário, legisle em conformidade, como fará hoje em relação a Administração aberta.
Quanto a esta, apenas sete curtíssimas observações, complementares do longo estudo que antecede o projecto de lei do PCP e do parecer de que, em nome da 3.º Comissão, fui relator.
Primeira observação: a consagração constitucional do novo direito fundamental de acesso aos documentos administrativos teve opositores. Importa, no entanto, que esses opositores reconheçam que perderam. O segredo tem de ser excepcional, nos termos da redacção actual da Constituição, pois trata-se de um direito fundamental que não pode ser objecto de restrição do conteúdo essencial; nos termos do artigo 18.º, a transparência é a regra de ouro.
Segunda observação: a abertura deve abranger a administração central, regional, local e empresarial, sem ambiguidades. Nesse ponto, aliás, os eleitos da CDU já vão adiante, tendo-se comprometido a aplicar nas suas autarquias a carta das garantias dos cidadãos perante a administração local, que também aqui está presente nesta Câmara para discussão e aprovação.
Terceira observação: deve garantir-se o acesso ao grosso dos documentos não nominativos, com excepções bem precisas, definidas sem recurso a cláusulas indeterminadas, que permitiriam a Administração recusar o acesso a documentos e longas guerras incitadoras de desistência.
Quarta observação: tem de ser a Assembleia da República a definir essas regras, dentro dos limites do artigo 18.º da Constituição, uma vez que se trata de direitos, liberdades e garantias.
Quinta observação: a lei geral sobre acesso não deve excluir leis especiais aplicáveis a certas áreas como a saúde, a justiça, os consumidores e o ambiente. Por isso, é meritório o projecto apresentado pelo partido Os Verdes.
Em sexto lugar, não devem instituir-se obrigações de fundamentação nem laxas moderadoras que esvaziem, na prática, a possibilidade de acesso, e o processo para a obtenção dos documentos deve ser, além de expedito, fiscalizado por uma entidade independente.
Em sétimo lugar, não deve esquecer-se a dimensão europeia do problema. Tanto na óptica da construção do mercado único, como no domínio das transformações em curso na Europa, no desejável rumo de um espaço comum em matéria de direitos fundamentais, exige-se não só a abertura das administrações nacionais como a garantia do acesso dos cidadãos aos arquivos das estruturas não nacionais, desde logo as das Comunidades Europeias. De pouco valeria que tivéssemos aberto os arquivos nacionais se nos ficassem vedados os relativos aos cada vez mais importantes actos das Comunidades Europeias.
Dizer isto sublinha bem como a lula pelo arquivo aberto toma continuamente novas dimensões, exige pertinácia, perspectiva larga e decisões audaciosas.
Durante anos só existiu nesta Casa um projecto sobre a Administração aberta - o do PCP. Hoje está acompanhado - e, diria, bem acompanhado - por quatro iniciativas de outros partidos, representando as principais forças do arco constitucional. Juntos, esses projectos, formam a base de trabalho necessária para uma boa lei da República. Seria bem significativo que pudéssemos aprovar essa lei até ao 25 de Abril, matriz dessa grande abertura que nos cabe prolongar, não por palavras, mas por actos.
É essa a nossa proposta e é também esse o nosso voto final.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Raposo e Alberto Martins. Há, porém, uma pequena dificuldade que presumo que será resolvida entre os grupos parlamentares: o PCP dispõe apenas de 1,1 minutos...
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, com a sua imaginação e o seu verbo fervilhante, acabou por transformar um problema relativamente simples e simplificável numa tragédia cósmica. Inclusivamente, invocando questões que nada tem que ver com as informações que são prestadas aos utentes deste arquivo aberto. Designadamente, invocou o John Le Carré e A Casa da Rússia, embora, certamente, de uma Rússia já branqueada, o que nada tem que ver com este problema.
Na realidade, não estão aqui em causa problemas de serviços de informações ou de escutas telefónicas, mas de, comezinhamente, abrir a Administração ao cidadão comum; de dar rosto à Administração, criando uma relação personalizada entre a Administração e o utente dos serviços que ela lhe deve prestar.
Tudo o mais. Sr. Deputado José Magalhães, para além de boas e inteligentes palavras, são meros efeitos, os quais, ainda que, como é evidente, ajudem a dar um sal e pimenta a esta sessão, não contribuem, por certo - depois do trabalho meritório que o Sr. Deputado José Magalhães tem efectuado nesta matéria -, para ir muito além disso.