O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2046 I SÉRIE - NÚMERO 59

A perversão é, aliás, dupla: a Administração intensifica a difusão de versões oficiais, ao mesmo tempo que obstrui o acesso aos documentos esclarecedores de factos controversos, violando assim o direito geral à informação e os direitos especiais dos jornalistas. A supressão do Conselho de Imprensa, que reiteradamente condenou essa obstrução (ocorrida em relação a quase iodos os inquéritos levantados a situações de anormalidade pública, designadamente sobre mortes e motins nas cadeias), vem debilitar seriamente as garantias do combate à Administração secretista.
Falta, por outro lado - é essa segunda perversão -, uma genuína reforma administrativa que ponha cobro aos vícios do chamado modelo napoleónico «decantado», na sua versão lusa, por decénios de ditadura e desgoverno. O chamado «secretariado laranja para a modernização administrativa» não passa de uma pequena central de conselhos piedosos, que oferece às vítimas da burocracia cartazes e folhetos coloridos, onde se desenha um mundo idílico cheio de funcionários com um belo sorriso nos lábios, bem pagos e bem formados, em serviços bem organizados e bem instalados, em bichas - se isso se passa em algum sítio é no paraíso e não em Portugal!
Por outro lado, a realidade o que revela é uma selva burocrática, que a legislação hoje em debate deve contrariar, e que exige também a rápida aparição e aprovação de um código de procedimento administrativo.
Em terceiro lugar, imporia tomar consciência na perigosa extensão que hoje assume esse subcontinente invisível em que se movimentam, aos encontrões, os vários serviços de informações, militares e não militares, públicos e privados e os departamentos das forças de segurança, designadamente PJ e Serviço de Estrangeiros.
Ao défice de enquadramento e disciplina desse mundo pouco conhecido (onde volta e meia rebentam escândalos) soma-se o clamoroso défice de fiscalização democrática.
Por isso mesmo, o PCP acaba de propor ao Sr. Presidente da Assembleia da República a realização urgente de diligências que ponham cobro à comatosa abulia do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações. O segredo malsão, que recobre as suas actividades, não esconde dois factos gravíssimos: primeiro, há sinais evidentes de incumprimento da lei que criou o sistema; segundo, faltam por completo medidas correctivas das disfunções detectadas. É preciso adoptá-las, até porque, depois da revisão Constitucional, só a Assembleia da República pode legislar em matéria de informações - coisa de que o Governo parece não se ter apercebido - e, por outro lado, porque há quem queira, neste momento, semear novas disfunções.
Um projecto de reorganização da Polícia Judiciária, que por aí circula, preconiza a criação, também naquela polícia, de uma nova categoria de agentes - os agentes secretos, de rosto invisível, paga pública e controlo nenhum. John Le Carré, A Casa da Rússia, no Conde Redondo, é demais, Srs. Deputados!
Arrumar a casa significa, em quarto lugar, reavaliar as chamadas «instruções sobre segurança das matérias classificadas», que o Conselho de Ministros tem vindo a aprovar por meras resoluções. Nelas se desenha o mapa de um Portugal oculto, onde reina um plenipotente casal: o Primeiro-Ministro e a Autoridade Nacional de Segurança - sua esposa secreta. Eles controlam as classificações de manuscritos muito secretos, de cartas e notas confidenciais, de relatórios de difusão restrita, de fotos e vídeos secretos, ficheiros confidenciais e ale fitas de máquinas de escrever portadoras de segredos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Entre outras filas!...

O Orador: - Está nas instruções.
Eles comandam a máquina que faz inquéritos de segurança para julgar sem recurso da lealdade, honestidade, hábitos e discrição de cidadãos. Eles advertem (Diário da República, n.º 279, p. 4777) dos perigos de conversas indiscretas, especialmente fora de serviço e com os jornalistas, e tem o registo dos portugueses (funcionários públicos ou privados) merecedores e não merecedores de credenciais de segurança, incluindo os contínuos, porteiros, guardas e empregados de limpeza, que possam ter contacto com materiais classificados e as empresas privadas envolvidas em certas actividades industriais, tecnológicas ou cientificas.
Sendo evidente que razões de segurança interna ou externa podem legitimar constitucionalmente restrições de acesso a certos documentos públicos, impressiona a leitura dessas dezenas de páginas, que investem os governantes e seus comissários de poderes ilimitados para proibir a própria manutenção de arquivos particulares, diários ou notas pessoais sobre matérias que no entender deles devam ser secretas e que permitem devassar, inquirir e punir largamente, sob acusação ou suspeita de violação de segurança.
Impressionam também as indefinições existentes em matéria de segredo de Estado, susceptíveis de permitirem a sua invocação para cobrir actividades de altos responsáveis, contra os interesses do Estado democrático, e de lançar um manto de opacidade sobre factos essenciais para a livre formação da opinião pública. Donde, a oportunidade do projecto de lei do CDS, sobre cujo mérito e limitações nos pronunciámos já no decurso da sua primeira leitura.
Alerto apenas, nestas circunstâncias, Srs. Deputados, para o facto de o quadro que descrevi ler duas características: primeiro, é, em diversos aspectos, inconstitucional; segundo, parece ser leira morta em vários pomos. E, talvez, a esta última luz se possam compreender notícias recentemente vindas a lume sobre a proliferação de escutas ilegais, envolvendo, inclusivamente, membros do Governo.
O n.º 5.12.2 das instruções de segurança, há pouco citadas (cuja leitura, como penitência pascal, aconselho vivamente ao Sr. Ministro Dias Loureiro, aqui representado pelo Sr. Secretário de Estado) é implacável contra as escutas - escutas passivas e escutas activas -, prevê insonorizações, inspecções de tudo, incluindo dos móveis, dos candeeiros, dos tapetes... (Diário da República n.º 279, p. 4781).
Na prática, a imprensa alude ao Estado indefeso perante escutas telefónicas e a ministros que se sentem inseguros, escutados, parece haver à solta serviços públicos e privados, nacionais e estrangeiros... Sabem-se os nomes, as histórias, e o Sr. Primeiro Ministro declara seraficamente ao semanário O Jornal que «não se tem conhecimento oficial neste gabinete da existência de escutas telefónicas».

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): -Procurem no gabinete ao lado!