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27 DE ABRIL DE 1990 2297

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, é para dizer que fui informado de que estão a terminar os trabalhos da Comissão, pelo que solicito que seja feita uma breve pausa a fim de dar tempo aos Srs. Deputados de chegarem aqui ao Plenário.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado Almeida Santos, que acaba de dar entrada na Sala. Assim, julgo que estão criadas as condições para darmos início ao debate. Além disso, o relatório da Comissão já está a ser distribuído.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por exercer avant la lettre o meu direito de petição, pedindo a todos os Srs. Deputados que se empenhem tão a fundo e a sério na viabilização do exercício do direito de petição quanto nisso visivelmente se empenharam os respectivos grupos parlamentares.
Dispomos de nada menos do que de cinco projectos de lei. Mais completos uns, mais lacónicos outros, mas todos eles representando um contributo positivo para que daqui saia uma boa lei. E a primeira nota de conforto, para quem nisso se empenhe, há-de consistir na constatação de uma margem de consenso, sobre o essencial, que não é de fácil verificação. Que essa margem de consenso se tenha estabelecido a partir do projecto do grupo parlamentar do meu partido, é para nós motivo de enorme satisfação.
Quem conhece as disputas travadas noutros países sobre o número mínimo de assinaturas justificativas da particular relevância parlamentar reconhecida às petições colectivas sente-se confortado com o facto de os autores dos cinco projectos de lei mencionados não lerem caído na tentação da originalidade e da divergência, todos sem excepção convergindo na razoabilidade da exigência das 1000 assinaturas constante do projecto inicial. Isto apesar da natureza naturalmente convencional deste limite.
Outro exemplo de consenso generalizado onde talvez não fosse de presumir é o da exclusão dos tribunais de entre os órgãos de soberania e as autoridades destinatárias do exercício do direito de petição. Dada a menção irrestrita do texto constitucional, bem podiam o empenhamento em propor diferente ou a imprudência de uma interpretação à letra ler conduzido a recusar cobertura constitucional àquela justa restrição.
Bem ao contrário, prevaleceu o bom senso. A independência dos tribunais e a sua exclusiva sujeição à lei salvaguardou-os contra o exercício do direito de petição como eventual forma de pressão ou de produção de prova.
Não sendo difícil de prognosticar a aprovação na generalidade de todos os projectos de lei, digamos que extrair deles uma boa lei será, para a comissão competente, uma tarefa fácil.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas tornar-se-ia difícil se encarássemos essa tarefa, não com a consciência de que queremos e estamos a compartilhar com o cidadão o exercício do poder, mas com as reservas de quem se deixa a contragosto levar nessa pesca de arrasto que tem sido, e continua a ser, a lavra lenta dos direitos do homem.
Temos nos projectos matéria-prima quanto basta. Resta saber se teremos, traduzido em intenções de voto, o estado de espírito necessário para ir além da fronteira do simples cumprimento de uma formalidade constitucional.
Queremos que os cidadãos participem politicamente e assumam o dever cívico de fazê-lo ou limitamo-nos a não resistir a que o façam, felicitando-nos por dentro se o não fizerem?
Eis a questão. É conhecida a luta que, sobretudo no século XIX, travaram parlamentos e governos quanto ao significado e à extensão do direito de petição. Aqueles a tentar dilatá-lo, estes a restringi-lo.
Não figura o projecto do grupo parlamentar que apoia o Governo entre os mais exaltamos. Mas, autocaracterizado pela sobriedade e pela economia normativa, não chega a ser bloqueador. Pelo contrário: conhecido o desprazer com que o actual Primeiro-Ministro suporta o diálogo, o Grupo Parlamentar do PSD prega-lhe uma boa partida, contribuindo para que o ponhamos a dialogar politicamente com a generalidade dos portugueses!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No pólo oposto, numa atitude de quase luxúria normativa, situa-se o projecto do Grupo Parlamentar do PCP. Leva o direito de petição a invadir áreas que dificilmente se encaixam no normativo constitucional que o consagra, cai em excessos regulamentares e é potencialmente gerador de perversões burocratizantes. Mas nem por isso deixa de ser um projecto de muito mérito, cuidadosamente elaborado e recheado de sugestões que podem e devem contribuir para a qualidade do produto final.
O caso é este: quanto mais burocratizarmos as obrigações da Administração perante o exercício do direito de petição, quanto mais sobrecarregarmos o peticionante de privilégios e o destinatário de obrigações, quanto mais facilitarmos e generalizarmos o dever de discussão e publicação das petições, quanto mais abrirmos a entidades supranacionais o leque dos sujeitos passivos do exercício de um direito manifestamente concebido para o espaço nacional, quanto mais forçarmos a extensão do exercício de um direito político para idades inferiores à do início da titularidade desse exercício e quanto mais tentarmos misturar a dimensão política do direito - aparentemente a única contemplada no artigo 52.º da Constituição - com a sua dimensão meramente cívica, nomeadamente para precisar que nesta cabem os estrangeiros, o que é óbvio, mas correndo o risco da mistura das águas, mais despertaremos reservas de concepção e boicotes de execução, que reduziram a água chilra as tentativas históricas de vulgarização do direito de que se trata.
Encarar as leis como algo onde se mete tudo quanto desejaríamos que acontecesse é uma atitude ideal a que nem sempre corresponde a mais pragmática das atitudes normativas.
Não obstante, também no projecto do meu grupo parlamentar puderam ser encontradas precisões desnecessárias. Seria o caso da menção do conteúdo exemplificativo do direito de petição constante dos artigos 10.ª a 13.º Mas tencionamos empenhar-nos na manutenção desse conteúdo. É que consideramos da maior utilidade que os potenciais peticionantes encontrem na lei exemplos indicativos da sua concreta intervenção: de valores que podem defender, de direitos que podem alegar, de erros que podem tentar corrigir, de injustiças que podem denunciar. Podem eles e a vida ser mais imaginativos? Claro que sim. Mas em que é que as indicações fornecidas embotam a sua imaginação?!