O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2302 I SÉRIE-NÚMERO 68

A essência do direito de petição não se compagina com a defesa algo ingénua da democracia directa; visa, antes do mais, compensar o peso excessivo, quiçá mesmo erros da democracia representativa.
Segundo Jean Moulin, há que evitar a renúncia à participação política por puro desencanto dos cidadãos, podendo o mecanismo do direito de petição cuidar deste desiderato.
Aliás, nas palavras avisadas de Jean Códart, «a democracia não pode hoje funcionar de maneira harmoniosa e duradoura se o povo não tiver a convicção de que pode actuar sobre os governantes de maneira eficaz, tanto nas eleições gerais como no tempo intermédio que as medeia».
Do que se trata é de buscar o equilíbrio entre as formas extremas de participação, a directa e a representativa, já que a participação, como outro conceitos fundamentais da vida democrática, admite diversas vias, perfeitamente compatíveis e adequadas para manter um nível de tensão que possibilite o avanço e o aprofundamento da democracia.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PSD sempre defendeu o direito de petição, o que, aliás, está de acordo com os seus postulados ideológicos. A protecção do cidadão face ao Estado e a faculdade de o indivíduo se dirigir directamente aos seus representantes mais não é do que uma decorrência do humanismo que o Partido Social-Democrata se reclama.
Citando Noberto Bobbio em defesa do direito de petição, diremos: há que prosseguir esta via, porque se o pluralismo é conquista e um expoente dos regimes democráticos mais avançados, a pessoa é o seu pressuposto ético. Aliás, quem não encontra o fundamento do governo no indivíduo como elemento originário e constitutivo da sociedade, já colocou as premissas necessárias para justificar qualquer forma de despotismo em nome de nobres ideais.
A participação democrática tem de ser entendida como um exercício constante, que não pode nem deve ficar limitada à concorrência eleitoral. Neste enfoque, o direito de petição é um dos direitos de participação democrática que deve assumir um papel de essencial e especial relevo no posicionamento do indivíduo face ao Estado e à sociedade em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São diversos os projectos de lei que estão sobre a Mesa.
Deixaremos para a especialidade a sua análise detalhada. Porém, não queríamos deixar de, nesta sede, fazer alguns reparos ao projecto do Partido Socialista.
Em nossa opinião, trata-se de um projecto reducionista, susceptível de causar perigosas distorções ao instituto do direito de petição. Basta ver as normas do projecto do PS acerca do objecto e do conteúdo do direito de petição. Elas prefiguram uma inaceitável rigidificação e limitação do direito, em tudo contrário à natureza, essencialmente informal, da petição como instrumento de participação democrática. Aliás, o próprio relatório da Comissão diz que o Partido Socialista propõe, no seu projecto de lei, diversas normas acerca do objecto e conteúdo do direito de petição, que podem prefigurar uma rigidificação contrária à natureza, essencialmente informal, daquele direito.
De facto, o artigo 9.º do projecto de lei do PS, ao estipular que o conteúdo da petição se deve enquadrar nas alíneas respeitantes ao objecto - e apresenta como recorte de tipificação a defesa da Constituição, a defesa das leis, a defesa do interesse geral ou a defesa de um direito próprio do peticionante -, apresenta uma natureza essencialmente rígida, que é, aliás, reforçada pelos artigos 10.º e 13.º daquele diploma.
Além disso, o artigo 14.º, ao estipular um vasto campo no qual o direito de petição não pode ser exercido, agrava, em nosso entender, esta perspectiva, porque uma coisa é dizer que a petição pode não ter provimento e outra coisa, meus senhores, é rejeitar essa petição ab initio, como faz o Partido Socialista.
Isto mesmo se pode dizer do artigo 16.º do projecto de lei do PS, o qual estipula, no n.º 1, o exercício de um dever cívico do titular do direito de petição, em termos claros, concisos e respeitosos, e, no n.º 2, a possibilidade de o peticionário incorrer em responsabilidade criminal ou disciplinar. Estamos assim a reforçar o direito de petição? Não o cremos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, legislar depressa não é sempre legislar bem! O PS arroga-se em campeão da iniciativa legislativa, mas certamente, por este andar, não fará história. Como pode o PS propor, ao arrepio de toda a doutrina, em sede de direito de petição, como um direito cívico do peticionário, a formulação em termos «claros, concisos e respeitosos», sob a ameaça de o mesmo, incorrer em responsabilidade criminal ou disciplinar? É uma questão que vos deixo.
Quase que apetece perguntar: O PS é a favor do direito de petição? Temos as mais sérias dúvidas!
Tanto mais que encontramos várias semelhanças materiais e formais com uma lei espanhola - em alguns aspectos já revogada pela Constituição de 1960 - que não visava ampliar o direito de petição, bem pelo contrário, visava restringi-lo. É isto que o PS pretende? É bom que o diga claramente!
Será que o PS, na pressa de apresentar trabalho, incorreu num lamentável engano? Ou o PS está, de facto, a favor do direito de petição e quer, em sede de especialidade, rever a iniciativa legislativa apresentada?
Gostaria que o PS esclarecesse este aspecto, para que o Parlamento e o País possam ser informados das reais motivações da sua iniciativa legislativa.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, vou fazê-lo nos três minutos que gentilmente me cedeu o Sr. Deputado Raul Castro. Vejo agora o quanto é perigoso esgotar o próprio tempo, porque pode surgir uma intervenção imprevista. Na verdade, estava longe de mim a previsão de que nesta matéria, o Sr. Deputado José Luís Ramos tentasse dar-nos lições -já não digo a mim, mas ao meu partido.
É evidente que o Sr. Deputado não tem razão e não vou gastar muito tempo a demonstrar que a não tem.
Com efeito, aquilo a que chama perigosas restrições são pragmáticas normas que ajudarão a vingar e a consagrar o direito de petição. A sensatez é um elemento fundamental da actividade legislativa; quem tentar fazer as leis em estilo de quem faz um brilharete, consentindo tudo, sendo o mais liberto, o mais criativo e o mais avançado de todos os legisladores, arrisca-se a «bater com o nariz na porta» e a encontrar não a consagração de um direito mas o seu enterro.
Assim, por um lado, gostaria de afirmar que não há rigidificação alguma no artigo 8.º, mas há, pura e sim-