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27 DE ABRIL DE 1990 2305

Alguns, filosoficamente, encolhem os ombros e sublinham que também a máquina a vapor teve o seu tempo. Este 6 o tempo do Concorde e dos comboios de alia velocidade; assim aconteceria com a petição comparada a uma bicicleta...
Creio, porém, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que não tom razão os que vêem no direito de petição uma relíquia inútil. A verdade é que nenhuma das instituições clássicas da democracia - parlamento, partidos, sufrágio universal - resistiu sem mossas ao galope da história e deixou bem longe esses tempos em que o mundo não era uma aldeia global, nem unha pedido a imortalidade, como gosta de dizer Gorbatchev, nem havia sondagens, lobbies, centrais sindicais e patronais, nem reinavam os meios de comunicação social.
Nesses tempos, os ministros do rei eram mais importantes que os Josés Eduardos Monizes e a D. Maria Elisa seria uma desconhecida ao pé da deputada Edite Estrela, ... melindrosa comparação!

Risos.

Mas, precisamente, a lição dos novos tempos é que os cidadãos querem ser ouvidos, querem ter voz, participar, não se resignam a escolher governantes de quatro em quatro anos e a ficar calados durante o resto do tempo. A opinião pública existe, influi, mandou para casa o Dr. Cadilhe e fez sentar entre nós - hoje não, porque estilo cá poucos! - a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

Risos.

Mas a interrogação subsiste: neste quadro faz algum sentido o direito de petição, ou é preferível ir à rádio local, agarrar na pena e escrever um artigo para sair no jornal ou ir directamente ao tribunal, sem perder mais tempo?
A resposta constitucional é entusiasticamente afirmativa. O direito de petição ocupa um lugar nobre no nosso sistema de direitos fundamentais. Não, porém, na realidade da prática das nossas instituições, forçoso é reconhecê-lo.
Por isso, esta lei pode ser importante. Se formos capazes de evitar o pesadelo que não deixa dormir, pelos vistos, o Dr. Barbosa de Melo, ilustre professor de Direito e personalidade destacada do PSD, que há dias se queixava publicamente de que há uma «tendência esquizóide» que leva a que entre nós se façam «leis cada vez mais pedagógicas que suo depois abandonadas à burocracia» que as estrafega. Justa queixa que, suponho, deixará comovidos quase todos os ministros e seus fiéis burocratas, é claro, como seguramente atesta neste momento, embora não o possa ver daqui, o semblante sensível do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pelo menos.

Risos.

É que o desafio consiste precisamente não em fazer um poema ao direito de petição, nem uma lei trompe l'oeil (que engane o olho!), mas, sim, uma lei de garantia.
Lei de garantia para quem precisa; 115 direitos para quem passa mal e não para quem passe bem (e vai de jacto!...); protecção para quem precisa de ser protegido; protecção para quem não sabe escrever uma petição.
Essa a grande razão de uma lei e é o grande motivo deste debate!
Os corruptos corrompem, não pedem! Os poderosos não fazem petições, mandam!, e tom quem lhes obedeça. Aqueles 16 grandes patrões da indústria portuguesa, que a Dr.ª Maria de Filomena Mónica obrigou a fazer strip-tease num livro excitante, quando têm queixas do Ministro Beleza dizem-lhas ao ouvido no gabinete ou berram-nas nos congressos das centrais do patronato, enquanto o Dr. Dias Loureiro, esse, queixa-se em privado, não faz petições.

Risos do PCP.

Em suma, nao é o direito de petição do Dr. Alberto João Jardim que nos deve preocupar, mas sim o daqueles que lhe sofrem os péssimos tratos de polé. Nem nos angustia, a mim seguramente que não, o direito de petição do angélico Dr. João Bosco Mota Amaral, mas sim o que nós todos podemos fazer para os habitantes do Corvo, das Flores, do Pico, do Faial, de Suo Miguel, de Suo Jorge, da Terceira, de Santa Maria, da Graciosa, de Trás-os-Montes, de Braga, das cinturas de pobreza que rodeiam as nossas grandes cidades, dos emigrantes, poderem fazer petições. É isso que nos deve preocupar.
Não nos chega, eu sei, todos sabemos, a voz dos que estão privados de voz, por não saberem ou não poderem. Sabemos que o direito de petição colectiva dos militares não pode ser exercido, porque está bloqueado, uma vez que não é aqui aprovada a lei que viabilizaria o seu exercício e que também o dos polícias foi restringido. Isto acontece em Portugal, país onde o artigo 52.º da Constituição garante amplamente o direito de petição. Pois isso não impede que não nos chegue a voz dos que têm medo de pedir (c de que se possa saber que pediram), os perseguidos pelas suas opiniões, pela sua luta sindical, os homens e mulheres que, de tão oprimidos, não ousam confessar que o suo. E, evidentemente, Srs. Deputados, as crianças portuguesas, escravas do trabalho infantil, não consta que nos esbrevam petições! Isto, sim, deve preocupar-nos!
Por isso o projecto do PCP põe o acento tónico em medidas de reforma dos serviços públicos, de modernização, de abertura, de formas de apoio que permitam aqueles que não sabem fazer aprender a fazer e que facilitem em vez de dificultarem, que não obstaculizem, mas viabilizem.
A segunda preocupação é esta: devemos ponderar bem a quem se dirigem as nossas medidas. Todos os projectos, incluindo o do PSD, suo sensatos neste ponto: o alvo suo todas as autoridades. O do PCP é ainda mais sensato, porque não esquece as autoridades internacionais, o que, no nosso tempo, é fundamental. É que há petições e petições... Petições à Câmara Municipal, à EDP, à Assembleia da República, aos TLP, ao Primeiro-Ministro, à PSP, à empresa pública... Da freguesia ao Presidente da República todos podem receber petições neste país, e isso é um bom direito constitucional.
Como acaba de descobrir o Sindicato dos Jornalistas (com o recente veto do Sr. Presidente da República à lei da alta autoridade contra a comunicação social), a otite aguda que grassa aqui em Suo Bento, e que foi surda às petições dos jornalistas, não atacou os ouvidos competentes em Belém, por mais que isso incomode esse soberbo otorrino político que é o director do Povo Livre, hoje ausente,... por acaso!

Risos.