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2298 I SÉRIE-NÚMERO 68

Seria também o caso da tipificação, mais uma vez indicativa, de alguns dos efeitos que podem resultar da apreciação de petições e respectivos elementos de instrução. Decerto se me não vai opor, desta vez, a prodigiosa imaginação das autoridades destinatárias!... Nem é prodigiosa, nem, em regra, conviria que o fosse. A justiça do caso concreto não desposa, em regra, exercícios mentais delirantes.
É que convém não esquecer que o direito de petição não é uma novidade que se inventa, mas a retoma de uma figura que atravessou a história da construção do Estado, entre luzes e sombras, sem que verdadeiramente tenha jamais sido assumida pelo comum dos cidadãos como uma verdadeira e própria manifestação de consciência política.
O direito de petição é tão velho como o exercício da justiça pelos tiranos e pelos monarcas. E marcou presença desde a génese da construção do Estado moderno: Bill of Righls (Magna Carta), 1689.
Na Constituição Francesa - para citar apenas alguns momentos dessa evolução - surge como «a liberdade de dirigir às autoridades constituídas petições assinadas individualmente».
Também a Constituição de Weimar o consagra, agora exclusivamente na forma colectiva.
Salto para a Constituição Portuguesa de 1933, onde, apesar da sua feição autoritária e redutora dos direitos dos cidadãos, ele surge registado como o «direito de representação ou de petição, de reclamação ou de queixa perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, em defesa dos seus direitos e do interesse geral» (lá escrever bem Salazar escrevia!).
Decerto o consagrou Salazar por perfilhar o entendimento, até há pouco vulgarizado, de que se trata de um direito «menor», «de escassa importância», uma espécie de «relíquia jurídica», «o mais inofensivo de todos os direitos», no entender de Perez Serrano.
Por isso talvez o consagra sem grandes atribulações a generalidade dos países, democráticos ou não.
Só que, onde ele existe, não raro, o seu uso, dextramente qualificado de abuso, é com frequência punido com a cessação de direitos, a prisão e, nalguns casos, até com a morte.
Por terem dirigido petições aos governantes do último regime, estiveram no Aljube e em Caxias muitos dos patriotas que se não resignaram à menoridade do silêncio. Que o digam os nossos colegas Raúl Rêgo, Cal Brandão, Carlos Brito e tantos outros! Eu próprio, por ler exercido o direito de pedir a abolição do ultrajante «estatuto do indigenato» - que, algum tempo depois, viria a ser abolido pelo então ministro Adriano Moreira, agora, aqui na nossa companhia -, vi contra mim instaurado um processo crime no Tribunal Militar de Moçambique e assim me achei réu de um crime horrível punível com pena maior de 8 a 12 anos e proibido de ir ao estrangeiro por cerca de uma década.
Tal era o direito de petição que Salazar nos reconhecia!... Por essas e por outras é que, em regra no seu tempo só se pedia esmola!...

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora bem, do que se trata é de saber se entramos na procissão dos simuladores do passado ou nos dispomos a construir sem reticências a democracia participativa do futuro.
Por mim, estou disposto a levar a sério a Constituição da República quando qualifica a «participação directa e activa dos cidadãos na vida política» como «condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático».
Por isso o meu grupo parlamentar se deu pressa em elaborar e apresentar um conjunto de projectos de lei que vão nesse preciso e sentido: os relativos à acção popular, ao referendo, ao direito de petição, à administração aberta, às garantias do cidadão contra a informática e outros, bem conhecidos, na área da comunicação social.
O triunfo do direito de petição não depende só do legislador, nem sequer só do grau de solicitude com que as autoridades administrativas venham a encarar, na prática, o seu exercício. Depende também, senão sobretudo, da receptividade que venha a encontrar nos cidadãos.
Mas é a quem exerce prerrogativas de autoridade que cabe a pedagogia do fenómeno. Temos de nos preparar psicologicamente para levar a sério o que na prática nem sempre o merece, para desculpar o atrevimento ou a grosseria, para compreender a humildade e suprir a ignorância, consciencializando amorosamente que, culto ou analfabeto, educado ou grosseiro, é o soberano que se nos dirige e que, ao dirigir-se-nos, exerce direitos a que correspondem deveres, uns e outros expressão da mais genuína democracia.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não é um exercício fácil. Ler o ilegível, tentar entender o ininteligível, desculpar o excesso, saber ouvir e ajudar, quantas vezes como se ajuda o cego a atravessar a rua, eis o que se exige da autoridade e do funcionário. Vai ser uma batalha dura. Vai ser uma experiência amarga. Mas vale a pena esse esforço de fazer política de marcação homem a homem, como se diria em linguagem desportiva, corrigir até onde se revelar possível os deslaçamentos e as desatenções da democracia representativa, aproveitar todas as sugestões, todas as ideias, bem certos de que, como já se disse, «as mais úteis podem esconder-se sob a envoltura mais grosseira»; tentar, enfim, corrigir todos os erros, convertendo cada cidadão em provedor da sua denúncia.
Direito de escassa importância? O mais inofensivo de todos os direitos? Se nós quisermos, será precisamente o contrário disso.
Será o mais temível para os déspotas. O mais reconfortante para os simples. O mais sedutor para os democratas de todas as horas da alma.
Srs. Deputados, sonhemos alto: não está nas estrelas, mas ao nosso alcance, a construção de uma república em que, até certo ponto, todos sejamos, sem contradição, governantes e governados.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

A Sr.º Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Leonardo Ribeiro de Almeida e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, partilho inteiramente com V. Ex.ª da ideia de que o direito de petição é, na reali-