25 DE MAIO DE 1990 2605
ao ano de 1974, em que pairou também a sombra referendaria contra o 25 de Abril e pelas propostas do PSD de sujeitar a referendo a própria entrada em vigor da Constituição de 1976, nesse mesmo ano.
Veremos também (porque é de ver, indispensavelmente) o retraio do esfíngico sorriso do general Soares Carneiro, que nos recorda o ano de 1980 e os projectos de plebiscitar uma ruptura constitucional, bem como a derrota dos projectos da AD na primeira revisão constitucional, aqui invocados com orgulho pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, agora ausente.
Relembraremos, por fim, propostas esbatidas hoje, como a de uma revisão constitucional extraordinária para permitir um referendo sobre o aborto e o próprio debate constitucional de 1982, que instituiu as consultas populares locais, que só hoje serão objecto, por afortunada coincidência, de votação final global, oito anos depois da data em que foram consagradas.
Quis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar tanto do passado porque é ele - e bastante ele - que explica os limites materiais e formais, as garantias, os freios e os contrapesos que caracterizam o regime do referendo consagrado em 1989, na segunda revisão constitucional.
Desde logo, não pode haver referendo sobre a Constituição nem sobre as opções que, por força dela, devam constar de leis ordinárias. A cassette favorita do Dr. Alberto João Jardim, que era pirata, continuou a ser pirata depois da revisão constitucional! Nos termos do artigo 118.º da Constituição, não é possível, em Portugal, um referendo sobre a União Europeia, o Sr. Deputado Duarte Lima está proibido de referendar a ignóbil porcaria de lei eleitoral do PSD, o Dr. Montalvão Machado não pode depositar nas mãos dos eleitores a difícil escolha da fórmula legal para dar à Igreja católica o óbulo do divino canal!... Seriam inconstitucionais, também, referendos tão diversos como os que visassem conceder amnistias, limitar o divórcio, castrar direitos dos trabalhadores, abolir a República, instaurar a pena de morte, limitar os direitos dos jornalistas, estabelecer discriminações - designadamente de sexo ou raça-, mudar a repartição de poderes dos órgãos constitucionais... Nada disto é constitucionalmente possível - e ainda bem que nada disto constitucionalmente possível é!
E é proibido, também, fazer referendos sem prévia fiscalização do Tribunal Constitucional, manipular campanhas, violar competências, proibido até amalgamar ou misturar perguntas. Para tristeza do Sr. Deputado Silva Marques, não é possível dizer «Quem está a favor da diminuição dos salários dos políticos e da governação do Prof. Cavaco Silva ponha uma cruzinha no 'sim'.»
A preocupação que predominou em 1989 foi a de relegar para o museu das coisas mortas tudo o que há de mau nas coisas de que vos falei.
Depende, agora, da Assembleia da República a escolha fundamental: ou enterrar, definitivamente, esse passado negativo (como, aliás, propõe o PS no seu projecto de lei, que é, evidentemente, susceptível de aperfeiçoamento), ou ressuscitar, um a um, os fantasmas mais temidos e mais temíveis.
No ressuscitar desses males, devo dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reside a gravidade das opções fundamentais do projecto de lei do PSD, por vezes dissimuladas na floresta de 247 bojudos artigos.
Alguns minutos de análise diatética bastam, todavia, para reduzir o produto laranja ao esqueleto real: dos 247 artigos, 207 - nada mais, nada menos! - são dedicados à matéria eleitoral; dos 40 restantes, muitos reproduzem normas constitucionais.
A sistemática do projecto de lei, devo dizê-lo, é correcta e está bem dactilografada! Qual é então o problema?
O problema, em síntese, é, como já se pôde ver e até debater, que o PSD quer, verdadeiramente, pôr quatro bombas (não menos do que quatro bombas) na lei do referendo. E importa reflectir porquê!
Em primeiro lugar, como se sabe - e o PSD sabe-o bem porque votou a norma -, a Constituição restringiu aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional a participação em referendos. Isto foi discutido e rediscutido em sede de revisão constitucional e assim foi aprovado! E a memória do PSD, sendo curta embora, não será tão curta que não lhe permita lembrar-se do processo de debate e de votação desta norma crucial.
Por outro lado, o PSD sabe muito bem que um referendo pode ser decidido por um só voto de diferença. Um!... E sabe, até, que a vinculatividade é independente da taxa de participação. Um milhão de abstenções e um voto a favor podem decidir, em teoria, o resultado de um referendo! Assim é - e o PSD não pode ignorar isto.
Por que motivo propõe, então, que no referendo intervenham também, votando por correspondência, aliás - é o kafarnaum! -, os residentes no estrangeiro e até estrangeiros propriamente ditos?!
Creio que o debate que há pouco foi travado e a confissão feita, de forma comovente e com reclamação de prerrogativas histórico-nobiliárquicas, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, revelam que o PSD quer, obviamente e apenas, reabrir um daqueles estéreis debates que servem só para envenenar a lei, preparando, talvez, a terceira revisão constitucional, mas não o cumprimento da Constituição. São manifestações de chicana, associadas à tentativa de abrir as «alamedas da chapelada».
Em segundo lugar, o PSD quer restringir, inconstitucionalmente, os poderes do Presidente da República e do próprio Tribunal Constitucional em matéria referendaria. Desde logo, fixando ao Presidente da República apertadíssimos limites para a sua decisão: prazos curtos, prazos rígidos, processos estritos.
Por outro lado, o PSD quer vedar ao Presidente da República o exercício do seu direito de pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de qualquer diploma correspondente às perguntas submetidas a referendo, como prova a análise do artigo 244.º, n.º 2, do projecto de lei em debate, e quer obrigar o Presidente da República a viabilizar esses diplomas, qualquer que seja o seu conteúdo, assinando de cruz. Eis o que há de mais incompatível com o quadro constitucional sobre a divisão de poderes!
Finalmente, permite-se isentar de fiscalização preventiva, pelo Tribunal Constitucional, como já foi assinalado, os textos que, em segunda leitura, sejam expurgados (ou pseudo-expurgados) de inconstitucionalidades ou de ilegalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional. E isto, Srs. Deputados, é igualmente contrário à Constituição da República!
A terceira bomba que o PSD quer colocar na lei do referendo é, igualmente, espantosa: nos termos do artigo 245.º (é lê-lo, para acreditar), o que um governo ponha num decreto-lei emitido na sequência de referendo torna-se irrevogável - uma verdadeira lei de bronze, de platina ou de estanho! - e é proibida a respectiva fiscalização parlamentar. Eis, confessado, inteiramente confessado, o sonho do PSD de tomar eternas as «leis de