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2608 I SÉRIE - NÚMERO 78

causa os órgãos de soberania e a separação de poderes nem o estatuto dos partidos políticos. Aliás, é também na esteira destas preocupações que o constituinte reforçou a lei do referendo como lei orgânica no quadro da hierarquia dos actos normativos, o que implica a sua votação obrigatória na especialidade, em Plenário, e cria mecanismos reforçados da fiscalização de constitucionalidade e de legalidade em termos de fiscalização preventiva, a par de um autêntico poder de veto do Presidente da República.
No entanto, somos de opinião de que a aprovação da lei do referendo, atendendo à sua importância e especificidade, deveria necessitar, conforme constava do nosso projecto de revisão constitucional, embora não tenha sido considerado, da aprovação por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, até porque, como se verifica nos projectos de lei em apreciação, existem muitas normas da própria lei eleitoral que podem suscitar legítimas dúvidas, a não serem devidamente clarificadas em sede de especialidade.
É, pois, no sentido de um reforço das cautelas processuais que a lei orgânica do referendo deve desenvolver-se, ato porque nos surgem dúvidas, nomeadamente quanto à lei do referendo apresentada pelo PSD, aliás em questões em que o próprio parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias levanta e que diz respeito, em especial, ao artigo 19.º, sobre «Pronúncia no sentido da inconstitucionalidade e da ilegalidade».
A Constituição exige expressamente:
O Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.
Isto implica que, no caso de uma primeira fiscalização preventiva da constitucionalidade, em que forem detectadas inconstitucionalidades que, nas novas reapreciações, tenham sido expurgadas, o Presidente da República submeta obrigatoriamente, e não facultativamente, como prevê o projecto de lei do PSD, ao Tribunal Constitucional as novas normas, não só porque implicam novas propostas como a reformulação das propostas pode ter originado novas inconstitucionalidades.
Relativamente ao artigo 29.º, que refere que «gozam de direito de participação no referendo os cidadãos portugueses maiores de 18 anos», está manifestamente em desconformidade com o texto constitucional, que refere, de uma forma muito clara, no seu artigo 118.º, n.º l, o seguinte:
Os cidadãos eleitos recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através do referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos lermos previstos na Constituição e na lei.
Relativamente a esta questão, o relatório elaborado no âmbito da 3.º Comissão faz a justificação adequada da desconformidade constitucional desta norma do projecto de lei do PSD, que recoloca a questão da capacidade eleitoral activa. Todos sabemos que o que o PSD deseja e agora, através da lei do referendo e de uma forma inconstitucional e ilegal, na sequência, aliás, do anunciado projecto de lei eleitoral, é conseguir, de uma forma artificial, manter-se no poder a todo o custo, procurando, no caso do referendo, recuperar uma certa ideia plebiscitaria do seu projecto de revisão constitucional, que, aliás, de alguma forma está subjacente até na listagem histórica que faz do seu percurso a favor do referendo e referenciada no preâmbulo do seu diploma.
Não penso, no entanto, que valha a pena tecer muitas mais considerações sobre isto, servindo apenas para assinalar os cuidados que há que ter na utilização do referendo, para não ser utilizado como contrapoder na guerrilha entre os órgãos de soberania ou desviá-lo dos objectivos expressos na Constituição.
Um outro ponto sublinhado no parecer da 3.ª Comissão, que consideramos importante e que também indicia grandes preocupações pela maneira como o PSD vê o referendo, é o que diz respeito ao artigo 244.º do seu projecto de lei, que tem como epígrafe «Inexistência de veto político e por inconstitucionalidade», em que refere o seguinte:
O Presidente da República não pode recusar a ratificação da convenção internacional ou a promulgação do acto legislativo correspondente às perguntas submetidas a referendo.
É evidente que, conforme consta do n.º 4 do artigo 118.º da Constituição, «cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos».
Quer o texto quer a discussão, em sede da revisão constitucional, apontam claramente para a exclusão da figura do referendo legislativo, que aqui pode estar indiciado, e que, aliás, o PRD tinha apresentado no seu projecto de revisão constitucional, mas considerando o melindre de tal instituto, quando a nossa experiência é nula nesse aspecto, abdicou dele, possibilitando, no entanto, que, ao fazer-se a discussão em sede de revisão constitucional, se chegasse à conclusão de que não era de considerar, pelo menos neste momento. Neste sentido, o referendo versa sobre uma só matéria em termos de .«sim» ou «não», devendo depois o sentido da resposta ser vertido em actos legislativos e a estes, naturalmente, não poderão ser negadas as competências do Presidente da República quer relativamente ao veto político quer à fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos dúvidas - que, aliás, os autores dos projectos de lei reconhecem -, nomeadamente, quanto aos efeitos perversos que podem advir da aplicação do referendo se não houver o máximo de cuidado na utilização deste instrumento.
Pensamos que, na discussão na especialidade, terá de haver um grande trabalho no sentido de procurar diminuir ou eliminar os aspectos negativos, procurando potenciar, sempre com algumas reservas salutares, as virtualidades que o referendo, em abstracto, contém.
Aplausos do PRD, do PS, do PC P, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.