2672 I SÉRIE -NÚMERO 80
A comissão eventual competente para a análise do projecto reuniu seis vezes, nos dias 12, 15, 16, 17, 18 e 22 de Janeiro de 1990. Durante os primeiros dois dias discutiu, na generalidade, o diploma, sem que tivesse havido qualquer exposição inicial sobre o projecto do PSD, e nos restantes fez-se o simulacro do debate na especialidade. Durante estes quatro dias, face a 10 artigos em discussão, foram apresentadas 25 propostas de alteração, por parte dos partidos da oposição, tendo todas elas sido militante e sistematicamente recusadas pelo partido maioritário.
No último dia o presidente da comissão informava os deputados que o PSD não estava na disposição de «alterar nem uma vírgula», o que obrigou os deputados da oposição a abandonarem a respectiva comissão, dando à estampa um comunicado justificativo e explicativo desta sua atitude.
A proposta, mantendo integralmente a redacção de origem, subiu a Plenário em 13 de Fevereiro de 1990 e ali é defendida pelo Presidente do Governo Regional e aprovada apenas com os 27 votos do PSD tendo-se abstido os 11 deputados da oposição.
O próprio autor do projecto, o Dr. Alberto João Jardim, justificou o comportamento do PSD em termos que n3o deixam dúvidas, e passo a citar: «A aprovação deste documento é, nos termos da Constituição da República, um problema de maioria simples, tanto na Assembleia da República como nesta Assembleia Legislativa. Está, portanto, consagrado pelo legislador constitucional que este documento resultará da vontade de uma maioria simples. Em nenhuma disposição constitucional vejo escrito que este documento tem de resultar de qualquer consenso.»
Diria, ainda, o Dr. Alberto João Jardim, e oiçam bem, Srs. Deputados: «A preocupação do consenso é, talvez, uma herança quer do sistema da União Nacional quer, por outro lado, de ideias que colheram na Europa no final dos anos 40, 50 e princípio dos anos 60, de que a sociedade deverá ser regida sobre o princípio de um certo unanimismo e em que os políticos não se diferenciavam pelos seus pontos de vista, mas que deveriam constituir-se em vanguardas consensuais iluminadas nas quais, em unanimismo, em unicidade, iriam reger a sociedade. Estas doutrinas estão completamente enterradas! Portanto, esta ideia de consenso não só é retrógrada como é inadaptada ao nosso sistema constitucional, e é uma ideia lesa-democracia».
Esta pequena amostra do «crude filosófico-político» que inundou a Assembleia Regional durante o debate, dá-nos bem a ideia e a imagem do tom e do ambiente em que se verificou o debate da proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o estatuto político-administrativo que hoje aqui debatemos apresenta alguns progressos em relação aos projectos anteriores.
Em 1977, por exemplo, quando o Dr. Mário Soares já «tinha metido o socialismo na gaveta», afirmava o Dr. Alberto João Jardim, ao apresentar o seu primeiro projecto do estatuto político-administrativo, que «nós, sociais-democratas, quando falamos em solução social-democrata para a Madeira, apontamos um sistema que vise a criação de democracia efectiva, política, económica e social, pela construção de um socialismo, repito» - ca expressão «repito» é do autor não é minha! - «de um socialismo de via reformista.» Porém, logo depois, o Partido Social-Democrata considera que, perante a actual alternativa socialismo/capitalismo, ainda que lhe aditando simpaticamente a expressão social, o capitalismo é um estado ultrapassado pela visível evolução dialéctica da sociedade». E conclui, como não podia deixar de ser: «Por isso apoiamos a inserção, no projecto do estatuto, de um artigo que consagra a transição democrática para o socialismo na Região Autónoma da Madeira.» Assim mesmo, sem tirar nem pôr!
Temos, pois, que em 1977 a filosofia autonomista do PSD era conduzir a Madeira para o socialismo pela mão do Dr. Alberto João Jardim.
Em 1980 as coisas tinham mudado um pouco! Quando o mesmo Presidente do Governo Regional dissertava sobre o novo texto do projecto do Estatuto dizia, e estávamos na época da AD: «O sentido que norteou as votações do PSD foi o de discutir pacificamente um texto que vinha trabalhado da comissão em termos de não levantar graves divergências no Plenário. A título de curiosidade, com o seu valor exemplificativo direi que ao faltar a discussão de apenas dois artigos havia já 72 votações por unanimidade, o que caracteriza bem a natureza pacífica de um texto e o elevado espírito de colaboração verificado nos últimos plenários.» Isto é, em 1980 o consenso não era retrógado nem o unanimismo era a União Nacional ou um sinal dos regimes caducos de 1940/1950 e 1960.
Mas já em 1985 o PSD tinha abandonado a trincheira socialista e combatia os seus adversários do capitalismo social. Dizia então o Dr. Crisóstomo de Aguiar o seguinte: «Não quis o PSD espartilhar a democracia madeirense. O estatuto tem de conter, em si mesmo, princípios gerais e não definidores desta ou daquela ideologia político-económica. Não cabem nos. princípios sociais-democratas os princípios socialistas e de todos aqueles que não tenham práticas ditatoriais.»
Assim, a filosofia autonomista do PSD na Madeira andou do socialismo para o consensualismo ou unanimismo da União Nacional e deste para o absolutismo, antes de firmar-se, como agora, na ditadura da maioria parlamentar.
omo disse o meu companheiro Ricardo Vieira na Assembleia Regional, aquando no debate na generalidade, «no ano em que vão desaparecendo, um a um, os líderes que teimam em ser os únicos detentores da verdade, os únicos sabedores da certeza, do destino histórico, só o Dr. Alberto João Jardim e o PSD na Madeira afirmam que só cies sabem o que é bom para a Madeira, que só o PSD é que representa a Região, que só o PSD tem as melhores cabeças para pensarem em melhores soluções autonômicas». O estatuto é, pois, obra e graça do PSD!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto, como bem observa o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da autoria do Deputado Guilherme Silva, recorre ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores como fonte inspiradora da maioria das suas disposições. Isto é, 46 artigos são cópia fiel das disposições daquele diploma e oito são normas transcritas do texto constitucional, significando que são reduzidas as matérias e escassas as disposições com cunho realmente inovatório.
Mas, mesmo nestas poucas matérias, o PSD na Madeira não soube aproveitar em cheio, como queria o CDS e as restantes oposições, a porta aberta pela revisão constitucional. Na competência da Assembleia Legislativa Regional não divisou a possibilidade de ela desenvolver as leis bases, não deu orientação para a adaptação do sistema fiscal nacional h especificidade regional e, no pouco que fez, incorreu em inconstitucionalidade, como de-