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1 DE JUNHO DE 1990 2677

governo próprio - a Assembleia Regional e o Governo Regional. Não se pense, porém, que a autonomia, como verdadeiro movimento político-social, nasceu, então, como fruto de conjuntura política ou como resultante da implantação da democracia.
Não é demais, nestas ocasiões, lembrar a história, não só porque ela permite compreender melhor os anseios e preocupações que em cada momento as diferentes comunidades revelam, mas, também porque, neste caso, sendo a história das regiões autónomas o é igualmente a história de Portugal.
Permitir-me-ão, pois, que, antes de me debruçar, em concreto, sobre a proposta de lei n.º 134/V, teça algumas considerações de carácter histórico.
Aliás, o n.º 1 do artigo 227.º da Constituição leve o cuidado, o acerto e o realismo de consignar que «o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares».
É, pois, indispensável ter presente na análise da proposta de lei em apreciação os preceitos constitucionais relativos às regiões autónomas e os antecedentes históricos que justificaram o regime de autonomia política e administrativa que a Constituição lhes conferiu.
Não tem cabimento trazer à colação, aqui e agora, as polémicas e opiniões que dividem os historiadores quanto ao momento exacto e circunstâncias em que se dá o «achamento» ou «descoberta» das ilhas que compõem o arquipélago que hoje constitui a «Região Autónoma da Madeira». Parece, no entanto, historicamente assente que já em documentos náuticos do século XIV se assinalam as ilhas do Porto Santo e da Madeira. O certo, porém, é que os historiadores consideram dever-se a (re)descoberta das ilhas aos navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, o Porto Santo em 1419 e a Madeira no ano seguinte, 1420.
Importa registar que o Infante D. Henrique cedo se deu conta de que as ilhas, merco da distância, processo de povoamento e demais condicionalismos, não podiam ser governadas nem administradas da mesma forma que o era o território português da Península. Foi assim que instituiu a Capitania do Porto Santo, de que ficou donatário Bartolomeu Perestrelo, a Capitania de Machico, de que ficou donatário Tristão Vaz Teixeira e a Capitania que abrangia o Funchal e a parte restante da ilha da Madeira, de que ficou donatário João Gonçalves Zarco.
Na linha de tais preocupações as cartas de doação, que instituem as Capitanias, conferem, desde logo, amplíssimos poderes aos donatários. Escreve a este respeito o historiador madeirense padre Fernando Augusto da Silva: «Não é, portanto, de estranhar que ao investir Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo na direcção das três Capitanias em que foi dividido o arquipélago, lhe tivessem outorgado tão amplas faculdades de Governo no regimento a que Gaspar Furtuoso várias vezes se refere e em particular expressas nas cartas de doação aos mesmos donatários.
Com o estabelecimento dessas Capitanias criou-se um sistema de administração que posteriormente se estendeu às ilhas açorianas e às terras do Brasil, havendo perdurado por dilatados anos e produzido resultados apreciáveis, apesar das deficiências e imperfeições que continha.» A este propósito escreveu também o experimentado jurista, Augusto da Silva Branco Camacho: «As carias de doação das ilhas aos capitães donatários concediam-lhes, com efeito, amplos poderes do Governo com jurisdição civil e criminal, reservando à Coroa, apenas o direito de fazer guerra e paz, cunhar moeda e aplicar penas que implicassem talhamento de membro.» Noutro estudo, intitulado «Em defesa da autonomia administrativa das ilhas adjacentes», o mesmo autor, depois de denunciar que constitui erro grosseiro situar o início da autonomia insular no século passado, com Hintze Ribeiro e Vicente de Freitas, escreve: «Temos por assente que os primeiros documentos oficiais outorgados por autoridade competente, como hoje se diria, e constitutivos da mais ampla autonomia insular foram as Cartas de Doação do Infante D. Henrique.»
Não deixou, porém, o desenrolar da história e dos diversos movimentos e tendências que se foram registando em Portugal de influir na maior ou menor amplitude dos poderes políticos e administrativos próprios das ilhas. Assim, a forte tendência centralizadora, que veio a ter em D. João II o expoente da «centralização monárquica», não deixou de se repercutir no governo e administração das ilhas, culminando com a criação dos Governos das Capitanias Gerais em 1776.
No entanto, documentos da época atestam que, apesar da tendência centralizadora que levou à sua criação, os governadores capitães gerais mantiveram, ainda, amplos poderes políticos, administrativos e jurisdicionais.
Porém, foi-se ainda mais longe na centralização ao impor-se uma uniformização administrativa através dos Códigos Liberais. Tais medidas centralizadoras estiveram na base da intensificação, no fim do século passado, do movimento autonomista desencadeado por intelectuais e políticos insulares que ganhou notória repercussão na imprensa e no Parlamento.
É por força deste movimento que se vem a conseguir retomar a descentralização administrativa, em relação às ilhas, designadamente, através do Decreto de 2 de Março de 1895 (Lei Hintze Ribeiro), alterado, posteriormente, por Lei de 12 de Junho de 1901 e aplicada à Madeira por Decreto de 8 de Agosto de 1901, que criou a Junta Geral do Distrito.
O Estado Novo, apesar das suas tendências fortemente centralizadoras, não deixou de manter um regime especial para as ilhas adjacentes, quer através do Decreto n.º 15 035, de 16 de Fevereiro de 1928, quer, posteriormente, pelo Decreto n.º 31 098, que, em execução da Lei n.º 1967, de 3 de Abril de 1966, aprovou o «Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes», mais tarde alterado pelo Decreto n.9 36453, de 4 de Agosto de 1947.
Como é evidente, porém, não há plena autonomia sem democracia, pelo que só com o Movimento do 25 de Abril de 1974 aquela veio a ter expressão política e institucional significativa e merecida consagração constitucional.
Não deixa de ser curiosa a forma prudente como Augusto Branco Camacho se refere, na obra já citada, ao estádio da autonomia e seus antecedentes em período anterior a 1974. Escrevia, então, aquele jurista: «A relativa autonomia de que gozam actualmente os distritos das ilhas adjacentes tem uma tradição tão longínqua que vai encontrar as suas mais profundas raízes no período das descobertas e se prolonga até ao regime liberal, que, com a introdução do tipo uniforme de administração, cerceou aquelas liberdades de acção dos governos locais que não eram concessões de favor ou privilégios, mas antes resultavam de uma experiência feita de longos anos, onde