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3368 I SÉRIE - NÚMERO 98

criminalidade. Este ano, com a mesma calma, omite qualquer alusão a tal matéria. Promessas feitas durante um ano caem durante o outro...
Em síntese, isto, a que se chama relatório, por generosidade e eufemismo, está eivado "de uma concepção policial tacanha, fragmentária e insuficiente, que não compreende que a irradicação dos fenómenos da criminalidade exige muito mais do que a repressão, exige a intervenção de outros departamentos do Estado e da própria comunidade. É um relatório que espelha bem a nossa insegurança interna.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Agora não vai ficar calado, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Já estava inscrito!

O Sr. José Sócrates (PS): - Há dias duros!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos parlamentares pode ter desculpa por ficar calado neste debate e pode ser ainda ser desculpado se nele não vier a intervir se sobre a matéria se revelar pouco habilitado a dizer qualquer coisa que valha a pena.
Quem não pode ter desculpa é o Governo, que, numa matéria fundamental para a vivência do Estado de direito democrático, se ausenta tão significativamente deste debate, tanto no que diz respeito a matéria sobre serviço de informações como sobre toda esta matéria relacionada com segurança interna.
Na verdade, a apreciação do relatório anual sobre a situação do País em matéria de segurança interna e a actividade desenvolvida pelas forcas e serviços de segurança deve constituir um momento privilegiado, de reflexão alargada sobre o funcionamento de todo o sistema de segurança interna - das condições de garantia, da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas, de protecção de pessoas e bens, de prevenção da criminalidade, do, exercicio regular dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
E tudo isso abrange domínios vastos, aonde exercem competências e desempenham funções forças e serviços que dependem dos Ministérios da Administração Interna, da Defesa Nacional, da Justiça e das Finanças.
Mas é precisamente nesta perspectiva, na perspectiva das diversas forças e serviços de segurança e na avaliação das condições em que cada uma deles concorre para, os objectivos comuns da segurança interna, que o relatório peca totalmente por omissão.
Fica-se, assim, sem dados de avaliação, tanto sobre a, experiência de coordenação e cooperação entre forças e serviços de segurança como sobre a avaliação concreta, que cada força ou serviço faz da sua própria actividade.
Julgamos, no entanto, ser este um aspecto fulcral da avaliação, e é sobre; ele que incidiremos o essencial da nossa atenção, para formular uma questão cujo significado cremos ser, a todos os títulos, decisivo na relação entre forças de segurança, instituições e cidadãos.
Do ponto de vista das funções gerais de segurança interna, o que é que verdadeiramente justifica a existência de forças de polícia com natureza orgânica distinta?
Atente-se em que não se questiona a existência de distintas forças de • polícia, cada uma delas preferencialmente vocacionada para área ou áreas específicas de intervenção. O que se pergunta é se áreas específicas de intervenção justificam, no domínio da segurança interna, formações de polícia estruturalmente distintas quanto à natureza da sua organização interna e ao estatuto dos seus agentes. O que se pretende pôr em evidência é a distinta realidade estatutária que, designadamente, caracteriza hoje a PSP em face da GNR e da Guarda Fiscal.
Há um ano -todos nos lembramos disso- assistíamos, entre incrédulos- e preocupados, aos paroxismos de um ministro da Administração Interna e do Primeiro-Ministro, pretendendo que as medidas reformistas então defendidas pelo PS poderiam afectar a eficácia das acções de segurança.
Hoje após um ano de vigência do novo regime de direitos na PSP é o actual Ministro da Administração Interna que reconhece, sem dificuldade, ter melhorado a olhos vistos o ambiente na Polícia de Segurança Pública, ser mais fácil a relação entre os agentes e a hierarquia e ter diminuído sensivelmente o número de queixas dos cidadãos por, maus tratos nas esquadras de polícia. Mas o cidadão comum, porém, pode a todo o momento ser interpelado na cidade pela PSP, na estrada pela Brigada de Trânsito, da GNR, na vila pela patrulha da Guarda ou na fronteira pela Guarda Fiscal. No primeiro caso - o da PSP -, sê-lo-á por agentes de uma força policial armada, obedecendo à hierarquia de comando; nos outros casos, todavia, sê-lo-á por agentes de corpos especiais de tropas. No primeiro caso, por agentes funcionando num quadro estatutário que logrou conciliar direitos e deveres, por forma a garantir a qualidade cívica dos agentes tanto quanto a eficácia da sua acção de segurança; no segundo, por agentes inteiramente subordinados às regras disciplinares das Forças Armadas, com elas se confundindo em - todos os níveis da organização estrutural da corporação a que pertencem.
Daí que se pergunte: são na realidade de natureza distinta, as diferentes, funções específicas de segurança interna que tais forças de segurança são chamadas a desempenhar? Justificam essas eventuais distinções um tão elevado grau de diferenciação estatutária entre forças de segurança que igualmente concorrem para a segurança interna?
Deve o cidadão poder ser normalmente interpelado, em certas situações, por agentes de polícia integrando uma corporação com, preocupações acentuadamente cívicas e, logo de seguida, poder sê-lo por agentes de outra corporação à qual seja vedado um regime estatutário com conformação cívica de direitos?
Eis, Srs. Deputados, questões cujo significado não pode - não deve- ser escamoteado num Estado de direito cuja vivência democrática tem permanentemente que ser aperfeiçoada. Questões -sabemo-lo- que envolvem opções de grande melindre institucional e que por isso carecem de amadurecimento, aprofundamento e avaliação em, todas as suas implicações, mas, em todo o caso, questões que não podem ser escamoteadas ou ser objecto de tabu, porque num Estado de direito não há problemas tabu.