3378 I SÉRIE - NÚMERO 98
Trata-se, manifestamente, de uma prepotência do PSD, que assenta raízes na sua atitude antidemocrática de governamentalização da vida pública e das instituições democráticas. Atitude e prática que o PCP combate e repudia, de forma clara e inequívoca.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador: - Pelas limitações de tempo que nos são impostas, circunscreverei a apreciação genérica do PCP a apenas três das propostas em apreciação.
Em primeiro lugar, a proposta de lei n.º 147/V, que visa isentar de imposto de sisa as empresas que procedam a actos de concentração de bens imóveis por fusão ou incorporação de empresas.
O argumento justificativo apresentado pelo Governo é o da criação do mercado único comunitário em 1993, que, conduzindo a condições concorrenciais acrescidas, impõe a reestruturação e redimensionamento das empresas portuguesas. Sobre aquelas consequências do mercado único e sobre a necessidade absoluta de reestruturação da economia portuguesa e de muitas das suas unidades produtivas, não nos restam dúvidas, tal como estamos certos que não existe uma política activa do Governo para preparar a estrutura produtiva nacional para as ondas de choque que a atingirão em 1993, como repetidamente o PCP o tem afirmado, o que contestamos, criticamos e reprovamos, é que sob a capa de um argumento falacioso o Governo se proponha não a preparar a economia mas tão-só a favorecer ainda mais, em matéria fiscal, os grupos económicos.
Aliás, é sintomático que o Governo, no âmbito da proclamada reforma fiscal e racionalização dos benefícios fiscais, tenha acabado com estes mesmos privilégios, em 31 de Dezembro de 1989, e agora, passados seis meses, venha solicitar autorização à Assembleia da República para os repor em vigor. E é sintomático, porque expressa bem a ausência de uma política estratégica do Governo, nesta como noutras matérias, movimentando-se, pura e simplesmente, .ao sabor das exigências deste ou daquele grupo capitalista. Aqui concedendo isenções; em processos ligados à Aveiro Connection, perdoando dívidas fiscais de centenas de milhar de contos, por razões, que a razão desconhece e que nada tem a ver com o interesse público, a transparência, a ética e a justiça.
Acresce, por um lado, que a concessão do benefício fica ao arbítrio casuístico do Ministro das Finanças e, por outro lado, que os benefícios fiscais a conceder, a isenção de sisa, não afectarão as receitas fiscais do Governo que os propõe, antes irão prejudicar, ainda mais, as depauperadas finanças das autarquias locais, sem que para tal estas tenham sido «ouvidas ou achadas». Também aqui a prepotência antidemocrática do Governo e do PSD é evidente e inaceitável.
Em segundo lugar, quero referir-me à proposta de lei n.º 148/V, na parte que estabelece benefícios fiscais para as sociedades gestoras de participações sociais e para as sociedades sujeitas ao regime de tributação pelo lucro consolidado, isto é, que estabelece mais benefícios fiscais para as holdings dos grupos económicos.
De novo, uma das isenções que o Governo se propõe conceder aos grupos económicos é relativa à sisa. Mais uma vez, legislando autoritariamente num imposto cuja receita pertence, em exclusivo, às autarquias locais. Por acréscimo, no caso vertente, nem sequer existe um limite temporário previsto para tal isenção.
A ser aprovada esta proposta de lei, os grupos económicos, cujos interesses o Governo serve, verão indefinidamente derrogada a obrigação de pagamento de sisa por toda e qualquer alienação de imóveis entre as suas empresas. Argumenta o Governo que se trata de empresas de um mesmo grupo e que, por isso, os seus patrimónios constituem uma unidade. A verdade porém, é que há razões económicas e jurídicas que levam os grupos económicos a organizarem-se através de múltiplas empresas, jurídica, económica e patrimonialmente autónomas, e não a constituírem-se numa única empresa com múltiplos departamentos com autonomia de gestão.
Neste caso, nem sequer o Governo pode argumentar com a alegada necessidade de aumento da dimensão, dos grupos. O Governo propõe a isenção para permitir a livre arbitrariedade dos sócios maioritários dos grupos económicos nas transferências de. bens patrimoniais intergrupo, ainda que isso possa prejudicar os interesses patrimoniais dos pequenos accionistas e as garantias dos credores.
É manifesto que a encomenda desta isenção pode ter origem em todos, os grupos económicos existentes. Mas, Srs. Deputados, a exclusão do regime do imposto sobre sucessões e doações por avença, relativa aos dividendos das holdings, igualmente prevista na proposta de lei n.º 148/V, é uma encomenda com endereço individual publicamente reconhecido. Por isso, talvez que, com propriedade, se lhe pode chamar a proposta de lei da SONAE ou de Delmiro de Azevedo.
Na verdade, é público que, desde 30 de Março do ano corrente, a assembleia geral da SONAE - Investimentos, a holding do grupo SONAE, que deveria deliberar sobre a distribuição de dividendos relativos aos resultados do grupo em 1989, foi várias vezes adiada. A razão desses adiamentos sucessivos foi explicitada por Delmiro de Azevedo, como que pretendendo ganhar tempo para «sensibilizar» o Ministério das Finanças a acabar com a tributação, em imposto sucessório por avença, dos dividendos distribuídos às acções nominativas ou equiparadas. Com vista a essa «sensibilização», não se coibiu de enviar um dossier reivindicativo ao Governo. E o resultado aqui está, em letra de forma, na alínea g) da proposta de lei n.º 148/V: Belmiro de Azevedo, mais uma vez (quem não se recorda das OPV das empresas do grupo SONAE, que renderam dezenas de milhões de contos), obteve do Governo o que pretendia. São cerca de 100000 contos de impostos que, no essencial, o líder da SONAE deixa, pessoalmente, de pagar ao fisco. É certo que o défice orçamental do País necessita de ser reduzido. Mas para isso o Governo conta com os impostos que incidem sobre os trabalhadores, sobre os consumidores, sobre os pequenos industriais, comerciantes e agricultores. Não conta, voluntariamente, com os impostos dos líderes dos grupos económicos.
É a «justiça» fiscal deste governo. É mais um exemplo concreto da escandalosa política governamental de benefício imoral das grandes fortunas.
A este respeito, não podemos deixar de registar o facto de o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, elaborado por um deputado do PS, omitir ostensivamente, a própria existência desta alínea g) da referida proposta de lei e, consequentemente, do correspondente significado político.
Finalmente, Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 154/V é o exemplo acabado de uma reforma legislativa distorcida, opaca e legitimadora de suspeições. A discussão do novo Código de Processo Tributário - cuja substituição é indispensável para pôr cobro à vigência do velho Código, herdado de 1963 - deveria ter ocorrido há já muitos