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3464 I SÉRIE - NÚMERO 99

trolável, mas isso virá depois. Hoje, infelizmente, já é incontrolável o défice externo e o défice do Orçamento do Estado também não foi sustido.
Crise social, já que as desigualdades sociais se acentuam, o produto/interno distribui-se cada vez mais desigualmente entre os que trabalham e o capital...O fosso acentua-se. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres... A classe média, essa, já desistiu, ou, pelo menos, é mais cautelosa nos seus projectos, legítimos, de resto, de ascensão social, preocupando-se cada vez mais, e com razão, com não perder aquilo que conquistou e que exigiu tanto sacrifício para conquistar. Não é certo que o consiga, como não o conseguiu, de resto, noutras épocas históricas de Portugal. Os pobres, esses, resignam-se; sempre o foram, e os tempos que vão e os que hão-de vir não são de modo a novas e dolorosas ilusões.
Crise cultural, ainda, porque nas questões da identidade cultural todos os problemas desembocam. Tirar significado de 850 anos de história, tradições e costumes é sempre frustrante em tempos de crise. A única opção, o único refúgio, o cíclico, o sempre latente e pronto a instalar-se nas almas portuguesas, é, continua a ser, o fatalismo a sina de sermos quem somos, e a saudade de termos sido ou podermos ler sido e não fomos, nem voltámos a ser.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porquê, então, unia interpelação sobre a justiça e não sobre a situação económica, ou a situação social, ou ainda a situação cultural do nosso país?
Por uma razão muito simples: porque a justiça é o, barómetro das venturas e das crises de um povo; porque a justiça é o valor que, nos maus momentos, mais do que' nos bons, atesta a capacidade de autocontrole e de regulação dos conflitos sociais existentes numa sociedade, enfim, de existirmos e sobrevivermos como nação soberania; porque quando a justiça intervém é porque existem crises, crises pequenas em relação ao todo, mas que sendo muitas demonstram ou despoletam uma crise social e uma crise de identidade cultural, em suma, uma crise de valores e princípios que um povo erigiu para si próprio.
A justiça intervém quando não são respeitadas as regras. Não é por acaso que nos anos de maior crise, como. os recentes e ainda bem presentes na memória 1984 c' 1985, os processos entrados nos tribunais se avolumaram assustadoramente; não é por acaso que ,nos anos seguintes, em que imperou um melhor condicionalismo económico, o número de processos diminuiu.
Porquê a justiça? Porque, se se admite; por fatalismo ou convicção, que existem ricos e pobres, já, não é admissível e é severamente criticável que, num Estado de direito democrático, as desigualdades sociais e económicas se reflictam, positiva ou negativamente, no acesso ao direito e à justiça.
Se não é possível, ou desejável, assegurar a igualdade' social, nem é, ainda, fácil garantiria igualdade de oportunidades, tem, no entanto, que ser possível - é uma imposição ética e moral - a igualdade total na defesa dos direitos, liberdades e interesses legítimos de cada um. Sem esta igualdade é que, seguramente, nunca alcançaremos aquelas.
Se não existir igualdade real de acesso ao direito e à justiça, então não poderemos falar sequer que vivemos num Estado de direito democrático e numa sociedade civilizada.
Poderemos admitir como incontroláveis e até, de alguma forma, naturais as crises económicas, sociais, políticas e culturais; porém, uma crise na justiça e nas instituições da justiça nunca; caso contrário, estaremos a pôr em causa os próprios, fundamentos da nossa organização como Estado e como nação soberana. Está, pois, explicada a razão desta interpelação. Àqueles que não a consideraram oportuna só temos a dizer que critérios de conjuntura política nunca nos farão recuar na afirmação e na defesa de um dos direitos fundamentais o direito aos direitos.
Chegou a dizer-se que não fazia sentido uma interpelação sobre a justiça, para mais quando o Ministro da tutela só recentemente assumiu funções. Lembro àqueles que o afirmaram a interpelação sobre a política do ambiente, no início deste ano.
A justiça tem a ver com tudo e não apenas com o Ministério da Justiça. Mal estaríamos se assim não fosse! A justiça é uma política interdepartamental e não algo que só ao Ministério da Justiça diga respeito.
Esta é, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma interpelação- ao Governo sobre justiça. Ao Ministério da Justiça,- sim, más lambem ao Ministério da Defesa, que tem sob a sua alçada a justiça militar; ao Ministério da Administração Interna, porque tem sob a sua alçada as polícias; aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social, da Educação e da Saúde, porque os comportamentos desviantes e a sua correcção precisam de ser equacionados, também, a essa luz; ao Ministério das Finanças, porque as infracções fiscais e os direitos e defesa dos contribuintes estão cada vez mais postos em causa; aos responsáveis do Governo pela defesa dos consumidores, dos recursos naturais e do património cultural, porque se exige, hoje, uma defesa capaz dos direitos e interesses difusos.
Tudo desemboca, nomeadamente quando as coisas correm mal, na acção do Ministério da Justiça e nos tribunais - também esse será um fatalismo!...
É irrelevante que o actual Ministro da Justiça só recentemente' tenha entrado em funções, porque, quando aceitou o cargo, o Sr. Ministro sabia no que se metia, da mesma forma que o anterior titular sabia do que se livrava. Se o actual Ministro discorda da acção do Ministério desde que o actual Governo tomou posse, que o assuma! Não o fará, no entanto, porque assumiu de livre vontade a responsabilidade de defender o Programa do Governo e a acção de legislatura do mesmo. Já o fez, de resto!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PRD intervém neste debate com a vantagem, que não deixa de ser importante, de nenhum dos seus deputados ser jurista de formação. Estamos, pois, particularmente à vontade neste debate para dizer, de forma clara, o que sentem os Portugueses e para demonstrar a ansiedade e a angústia por parte daqueles que, num dia infeliz, se viram a contas, com a justiça portuguesa, mesmo sem terem contas aprestar, fosse a que título fosse.
Felizes aqueles que nunca se defrontaram com um labirinto tão impenetrável, insondável e intransponível.
Por mais brilhantes que sejam as filosofias e as políticas dos governos e dos ministros da Justiça, por maior que seja o rasgo de imaginação e a sua fundamentação, por muitos e criativos programas «O Cidadão e a Justiça», que existam, o simples cidadão deste país não compreende, e nós também não!