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12 DE JULHO DE 1990 3465

O cidadão não compreende por que é que precisa de andar tanto para chegar a um tribunal, agora cada vez mais distante com a criação do círculo judicial, seja para propor uma acção, seja para nela intervir, voluntária ou involuntariamente, seja para conseguir resultados concretos.
O cidadão não compreende por que é que, além de andar o que já anda, feito «barata tonta» que não sabe para onde se há-de virar, os processos levam tanto tempo, ao ponto de o resultado útil ser, quantas vezes, praticamente nulo.
O cidadão não compreende por que é que tem de ir tantas vezes ao tribunal ou a entidades públicas cumprir um ritual burocrático, buscando papéis, recolhendo informações, prestando declarações para, no fim, lhe dizerem que, afinal, não é preciso nada, ou que o que lhe foi pedido era outra coisa, que a audiência foi adiada para as calendas gregas e que cie fica notificado para nela comparecer, sob pena de, além do tempo já perdido, ter de pagar uma multa, cujo valor não anda muito longe do valor mínimo de algumas pensões que a segurança social concede.
O cidadão não compreende o cenário absolutamente kafkiano de uma testemunha faltosa ser condenada a pagar multa por ter faltado a uma audiência que foi adiada por falta do juiz, do advogado ou de uma das partes.
O cidadão não compreende, e fica abismado, na santa ignorância do seu bom senso, quando assiste a um julgamento colectivo em que um juiz julga e outros, muito atarefados, fazem os trabalhos de casa.
O cidadão não compreende que, tendo sido provada a inocência do réu em audiência, o Ministério Público insista na sua condenação, em vez de realizar o dever de não exercer acção penal, quando as circunstâncias e os factos não o justificam, com o mesmo escrúpulo com que a deveria exercer, e exerce, quando tal se justifica.
O cidadão não compreende que os templos da deusa «justiça» não passem muitas vezes de pré-fabricados ou de castelos a cair aos bocados, arriscando a vida de quem lá trabalha e de quem teve, um dia, o azar de lá ter de ir, e por cujas pernas passa, não tão de vez em quando quanto se pensa, um animal que, sendo parecido com o afável coelho, prefere antes o papel e os soalhos de madeira.
O cidadão não compreende que a senhora funcionária não possa atendê-lo porque «tem de fazer tricot com os processos». A última moda, justificada, de resto, é a utilização do cada vez mais indispensável berbequim.
O cidadão não compreende que ainda existam juízes que têm de despachar na sala de audiências, à falta de gabinetes, e de juízes que façam os julgamentos nos gabinetes, à falta de salas de audiência.
O cidadão não compreende que 80% dos suspeitos em processos de droga sejam consumidores ou traficantes/consumidores, ou seja que os toxicodependentes sejam, sistematicamente, acusados de tráfico.
O cidadão não compreende como é que é possível que, em apenas 4 anos de 1985 a 1988, cerca de 200 000 cidadãos tenham sido arguidos em processo penal. De duas uma, Sr. Presidente e Srs. Deputados: ou Portugal não é um país seguro, ao contrário do que afirmava o Ministro da Administração Interna, ainda no início desta semana, ou o Estado Português se transformou num Estado polícia.
Com efeito, o cidadão não pode compreender que, em 53 941 arguidos, só em 1988, apenas 20 189, ou sejam 37%, tenham sido condenados.
O cidadão não compreende que dos cerca de 23 000 que não foram condenados, cerca de 7000, ou seja um terço, o não tenham sido por absolvição.
O cidadão não compreende que, dos 9041 reclusos libertados, em 1988, 2242 o tenham sido por absolvição, o que significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que 2242 portugueses foram injustamente acusados e estiveram presos preventivamente. Perguntamos: o que é que eles estiveram a fazer na prisão?
O cidadão não compreende que, depois de ver declarado o seu direito, tenha de pagar as custas do processo para poder proceder à respectiva execução, se é que consegue recuperar a dívida de que era credor ou a indemnização a que tinha direito.
O cidadão não compreende que a média de duração dos processos continue a ser de 18 meses, tendo aumentado de 18 para 20 meses na justiça cível, mantido os 14 meses na justiça penal, aumentado de 13 para 14 meses na justiça tutelar, tendo apenas havido uma melhoria sensível, mas muito insuficiente, de 26 para 22 meses na justiça laboral.
Estes são dados de 1986 a 1988. Não serão os mais recentes, mas o Ministério da Justiça, que agora se diz apostado numa maior informação, e até fez um programa, nomeadamente e, se calhar, só para esse efeito, não nos forneceu mais dados relativos a 1989 «por estarem na tipografia» - disseram-nos -, continuando, portanto, a não abrir mão de uma certa tradição de secretismo que envolveu sempre os dados relativos à justiça.
Os Portugueses não compreendem, e nós também não!...
Ter de recorrer aos tribunais, hoje, é um azar que não se deseja a ninguém, nem mesmo ao pior inimigo. É bem mais eficaz ao credor cobrar a dívida pessoalmente com violência física e psicológica, se for preciso - e, hoje, isso também já foi aqui abordado. Quanto ao devedor, não tem melhores garantias não sendo levado a tribunal.
As exigências do mundo moderno não se compadecem com a demora dos tribunais e o juro não compensa, apesar de, por vezes, chegar a atingir e a exceder o montante da dívida. O dinheiro reproduz-se, se circular, e, circulando, cria riqueza.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os Portugueses precisam, sim, de respostas concretas, de factos, de uma justiça aberta, de uma justiça para todos, e não apenas para alguns. Os Portugueses precisam, sim, de transparência de processos e de lisura nos procedimentos.
Não há, nem pode haver, democracia sem justiça. Não há igualdade se os mais fracos não tem possibilidade de se defender dos abusos dos mais fortes.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Não é admissível, seja com que desculpa for, que não exista uma igualdade real de acesso à justiça para todos, e na justiça, como, aliás, em todas as suas áreas de intervenção, o Governo optou por critérios de estrito economicismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justiça não é algo que possa estar sujeita ao sabor e às oscilações da política financeira e económica de um governo. A justiça assegura direitos e, destes, nem todos tem, necessariamente, uma significação material.
Afirmou o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça que já não temos falta de magistrados.