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29 DE AGOSTO DE 1990 3661

O Sr. Presidente: - Regimentalmente V. Ex.ª tem direito a responder ao Sr. Deputado Marques Júnior e pode ser que até possa agregar as duas questões.
Desta forma, para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, peço desculpa por ter recorrido a esta figura regimental, mas não vejo outra para poder esclarecer um ponto que considero importante.
O Sr. Ministro disse «não estamos dispostos a ir às cegas» e daí pode deduzir-se, naturalmente, que eu, ad contrario, pretenderia que se avançasse nesse sentido. A questão que coloquei, e admito que a tenha posto de forma talvez demasiado burilada para não ofender susceptibilidades, foi que há dois tipos de participação: uma coisa é a participação no sentido do bloqueio - e, desse ponto de vista, entendo que efectivamente Portugal pode equacionar a sua participação outra coisa é a participação prevendo um outro tipo de escalada para além do bloqueio.
Por isso, se admitirmos que, neste momento, o bloqueio está garantido, não faz sentido enviar forcas, a não ser que admitamos desde já a participação numa escalada militar, ou então mandamos forças admitindo -o que parece difícil de provar que as forças armadas que estão neste momento no Golfo não são suficientes para garantir o bloqueio...
Portanto, o que queria dizer é que não se pode interpretar das minhas palavras que devemos avançar em força para o Golfo, antes pelo contrário!

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, quero apenas dizer que reconheço que a minha resposta, que foi referida, hoje, em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros, porventura, poderia ter induzido em erro quanto à posição do Sr. Deputado, que, em larga medida, coincide com aquelas que o Governo anunciou também.
Gostaria só de explicar e de confirmar que, de facto, como se deduz das minhas palavras, a orientação do Governo é no sentido de garantir o bloqueio e nada mais!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os mapas ilustrativos das grandes correntes do comércio do petróleo exibem duas flechas que sobressaem em relação às outras, uma que vem do Médio Oriente e outra que vem da África do Norte, convergindo em direcção à Europa Ocidental. Atendendo apenas ao volume e não ao preço e valor, os países árabes cobrem, depois de 1982, mais de metade das importações da CEE em petróleo bruto e produtos petrolíferos. O petróleo é um dos poderes funcionais mais importantes no mundo interdependente deste fim de século e o uso desse poder pelos produtores, a partir de 1973, evidenciou definitivamente a potencialidade estratégica das matérias-primas.
Sobretudo depois da eleição de Ronald Reagan (America is back!) pareceu ter-se dado uma mudança qualitativa nas relações Norte-Sul, com imposição das políticas
de «ajustamento estrutural»: o Terceiro Mundo foi frequentemente olhado como uma propriedade hipotecada e os seus países hierarquizados economicamente, uns integrados no processo da industrialização, outros marginalizados na espiral do endividamento.
Esta tranquilidade de gestores foi perturbada, porque a política tem razões que a tecnocracia não entende e os projectos de poder mudaram-lhe os termos de referência, a ponto de Gorbachov ter declarado que estamos perante o primeiro verdadeiro conflito Norte-Sul.
A guerra Irão-Iraque teve em vista fortalecer esse poder funcional e o interesse europeu e ocidental na área é o uso desse poder. A intervenção dos EUA foi determinada e acompanhada por outras potências, porque não é possível admitir que todos os sistemas ocidentais (económicos, financeiros, militares, de qualidade de vida) possam entrar em disfunção ou funcionar sob a ameaça de a disfunção ser provocada.
É uma feliz coincidência que o direito internacional, o qual é um bem comum da Humanidade, esteja a ser intoleravelmente violado, porque assim temos um interesse que também é uma justa causa, o que não acontece sempre. Se o interesse não existisse, a justa causa daria para uma reacção ao nível da que tem amparado o sacrificado povo de Timor.
Quanto a Portugal, estamos no Ocidente sem escolha, pertencemos às instituições europeias por decisão soberana, partilhamos a dependência do poder funcional e os resultados da agressão, empenhamo-nos constitucionalmente na defesa da ordem jurídica ocidental e assumimos os riscos actuais por decisão própria de Estado responsável. Que o Conselho de Segurança tenha sido reanimado, parece-nos de acordo com a necessidade de que as superpotências transformem em actos as promessas feitas para este fim de século.
A reacção foi inicialmente dos EUA, não foi institucional de origem: a ONU, os pactos e, agora, a União da Europa Ocidental são os fóruns institucionais. Temos as nossas obrigações internacionais para com os EUA e o cumprimento delas, nesta data, deveria provocar alguma meditação. É difícil aceitar a afirmação governamental de que nenhum tratado ou obrigação foi invocado e que a decisão foi exclusivamente política.
De qualquer modo, a utilização das bases dos Açores e as facilidades tomadas extensivas ao continente foram formalmente pedidas, o que não aconteceu sempre no passado. Considerando que a NATO, braço armado do Ocidente, não deu mostras de ter alguma coisa a ver com a agressão do Iraque, as circunstâncias demonstram que nos envolvemos no conflito, colocando-nos na linha da frente, à margem das obrigações na NATO e na ONU e seja qual for a ordem dispersa em que avancem os membros da Aliança. Existe uma velha questão, a da neutralidade colaborante, que talvez houvesse vantagem em revisitar, sem o preconceito de que foi uma questão de regime. Foi, sim, uma questão de geopolítica que renasce e o problema, então como agora, é o de saber se o Governo Português pode evitar que o seu próprio poder funcional, o triângulo estratégico, seja apenas um acidente geográfico, sobre cujo destino e utilização pode perder a voz decisiva.
A debilidade a que chegaram as nossas forças navais e aéreas toma-se mais lembrada quando alguns problemas paroquiais e partidários das ilhas levam à utilização de linguagens que é melhor que sejam destemperas do que sintomas.