O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

19 DE OUTUBRO DE 1990 47

Independentemente do mérito ou demérito do texto, que iremos analisar agora em Plenário e depois na comissão especializada, é prestado, a nível do Estado Português, um serviço patriótico que não pode deixar de reconhecer-se
Portugal está a preparar a sua retirada honrosa - e Deus queira que assim seja!-do território de Macau, deixando instituições e marcas profundas que podem perdurar para além do exercício da nossa soberania.
A este propósito, é com particular tristeza que digo que as coisas em relação à terra onde eu nasci, Goa, poderiam ter sido diferentes se há alguns anos atrás o Governo de então tivesse tido um comportamento deste género.
Apesar disso, ainda hoje vigora nessa terra o direito português nos seus institutos fundamentais, nomeadamente o direito de família, o direito das sucessões e parte do direito administrativo relativamente às comunidades aldeãs.
De facto, nessa altura não houve qualquer lei que garantisse a perduração e a aplicação do direito português naquele território, perdendo-se assim uma das oportunidades únicas para que nas costas do Índico, assim como agora relativamente às costas do Pacífico, se afirmasse plenamente a vitalidade de um direito moderno que as próprias populações, depois de quase 30 anos no exercício de soberania indiana, não esquecem e que fazem todo o possível -de acordo, aliás, com a própria vontade do Estado Indiano, que nunca quis combater essa vontade- para manter vivo o espírito de muitos dos seus princípios fundamentais.
Ora, isto é relevantíssimo, sabendo-se que a aplicação de um direito moderno é aceite no Oriente como uma manifestação cultural que nada tem a ver com o exercício de soberanias políticas diferentes - e aqui temos um exemplo claro de que a estruturação e a manutenção do direito moderno pode não ser -e não é!- contrário à transferência de soberanias.
Assim sendo, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que esse direito se mantenha e para que a sua aplicação nos honre. Trata-se de um serviço que Portugal deve prestar a Macau, às populações locais e, acima de tudo, ao mundo! E, penso, não estou a ser exageradamente optimista, uma vez que o nosso direito é um dos melhores do mundo!
Sr. Ministro da Justiça, depois de o felicitar pela iniciativa que tomou -e penso que a Câmara também se felicita, pois vamos prestar um dos melhores serviços ao País, a Macau, e dar um exemplo da nossa economicidade do direito- quero colocar-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, gostaria de saber por que razão é que na composição do Conselho Superior de Justiça de Macau não consta nenhum representante da Assembleia da República ou da Assembleia Legislativa de Macau, tudo se esgotando nos órgãos judiciários, nomeadamente num representante do Ministro da Justiça e numa personalidade designada pelo Presidente da República.
Resumindo, a minha pergunta é a seguinte: por que não faz parte desse Conselho Superior de Justiça de Macau um representante da Assembleia da República e um representante da Assembleia Legislativa de Macau?
Em segundo lugar, quero perguntar a V. Ex.ª -e a originalidade não é minha, pois esta é uma das queixas do Ministério Público de Macau- por que razão é que muitos dos preceitos constitucionais, como, por exemplo, a solidez das decisões, a publicidade das audiências, a proibição de constituição de tribunais especiais, a proibição de desaforamento, etc., não foram vertidos nesta lei
de bases, uma vez que, deixando de vigorar em Macau, no termo da nossa soberania, a Constituição Portuguesa poderá haver dúvidas -como já houve em relação à Lei Orgânica- sobre se alguns dos preceitos constitucionais estarão imanentes no espírito desta lei de bases. Não seria melhor vertê-los expressamente nesta lei?
Gostaria, pois, de saber se se tratou de uma opção ou se V. Ex.ª pensou que, sendo os princípios fundamentais basilares, não era preciso fazer isso. Esta é uma crítica do Ministério Público de Macau que me pareceu pertinente, à qual gostaria que o Sr. Ministro me respondesse.

O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Se o Sr. Deputado me permitir, inverterei a ordem das questões que me colocou, porque a resposta à primeira permite também desenvolver um pouco mais, embora rapidamente, a ideia dos grandes princípios que presidiram à elaboração deste diploma.
Como tive ocasião de dizer na exposição anterior, o que se pretende, sobretudo, não é fixar, hoje e definitivamente, o sistema judiciário de Macau, mas, sim, estabelecer um processo que, no fundo, incorporará, se se quiser, três grandes fases.
A primeira, em que se aprovará e publicará a lei de bases do sistema judiciário de Macau, que é, como referi, uma lei aberta e, portanto, capaz de se autoconstruir ao longo do processo de transição; a segunda, que deve seguir-se imediatamente, é a da reconstrução de todo o sistema jurídico de Macau; a terceira, que, em certo sentido, será concomitante com esta na parte final, será a da construção definitiva do sistema judiciário de Macau.
É justamente este balanço de três fases sucessivas que, no fundo, justifica, na perspectiva do Governo, que se tenham tomado as opções que aqui se verificaram, quer, por um lado, o facto da atribuição da maioria das competências aos órgãos do território, por remissão para a legislação da República, quer, nomeadamente neste domínio, a não explicitação clara de alguns princípios tidos por nós, já hoje, como fundamentais e constantes do sistema jurídico que informa a organização judiciária portuguesa.
Isto porque nos pareceu sempre que era fundamental, neste momento, não fixar já, de uma forma clara e definitiva, num diploma próprio da região, um conjunto de princípios que, sendo para nós claramente assentes e assimilados, todavia, poderão ter de passar por uma análise pontual de natureza cultural mais antropológica, que nos permita ver até que ponto algumas nuances devem ser introduzidas, justamente porque se trata da fixação de um sistema que vai ficar na região e que vai perdurar no tempo. Assim o esperamos!
Não se trata, por isso, de uma leitura a contrario sensu como V. Ex.ª sabe hoje já em crise no domínio da metodologia jurídica, que nos permita concluir que o facto de não estar previsto significa que se deixou cair e que, portanto, não é fundamental que assim aconteça. Dar-lhe-ia apenas um exemplo: é para nós hoje claramente inequívoco que não deve ser permitido o desaforamento. É evidente que não passaria, obviamente, pela intenção do Governo propor algum dia para o País o regresso à permissibilidade do desaforamento, mas, por exemplo, em Hong-Kong o desaforamento é possível.
A questão está em saber até que ponto essa possibilidade que se verifica em Hong-Kong tem mais a ver com razões de filosofia-e, nessa altura, avançaremos clara-(...)