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19 DE OUTUBRO DE 1990 51

O Governo teve medo e ficou-se pela enunciação dos princípios gerais, abstendo-se de toda e qualquer pormenorização, fosse ela necessária ou não à exequibilidade dos princípios e à solidez do sistema.
É, aliás, o próprio Governo a reconhecer que «deixa propositadamente em aberto questões organizativas de significativo espectro».
No entanto, o que nos parece preocupante e que não estão em causa apenas questões de índole meramente organizativa.
Na verdade, até ao nível da enunciação de princípios fundamentais, a proposta de lei peca por omissão.
A Assembleia Legislativa e a Procuradoria da República de Macau identificaram um manancial deles: a independência dos tribunais, a inamovibilidade dos juizes, o estatuto e função do Ministério Público, as incompatibilidades dos magistrados, a fundamentação das decisões judiciais, a obrigatoriedade das decisões dos tribunais, da publicidade das audiências, da constituição de tribunais especiais, do desaforamento e da coadjuvação obrigatória de outras entidades.
Por outro lado, o diploma deixa em aberto questões tão essenciais como a do acesso à justiça e o estatuto dos funcionários judiciais, já para não falar das competências dos tribunais.
É certo que a via regulamentar é a indicada para responder a muitas questões, na medida em que se pretende que seja o próprio território a encontrar as soluções mais adequadas; no entanto, esta preocupação não pode ser confundida com outras, como seja a de garantir um quadro fundamental de referencias, e é destas que tratamos.
É, de resto, a este nível que se coloca a questão de saber se não será preferível integrar na lei de bases da organização judiciária de Macau princípios e soluções importantes das leis da República, adaptando-as como se impõe, em vez de se remeter para elas.
A remissão pura e simples, ao invés do que se pretende, pode, de facto. determinar a rigidez do sistema.
Trata-se, no fundo, de definir qual a amplitude da lei de bases e, consequentemente, do grau de autonomia inicial da organização judiciária de Macau.
Por outras palavras, o quadro de referências indispensável ao período de transição e de adaptação é o que está definido na proposta de lei apresentada pelo Governo ou deverá ser mais amplo e mais consistente?
A Assembleia Legislativa de Macau, assim como outras entidades, já lixaram a sua posição: é preciso garantir uma certa flexibilidade, mas não à custa da omissão de questões fundamentais.
Outras entidades deverão ser ouvidas, mas estamos certos de que as suas observações não se desviarão muito das que já foram tornadas públicas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PRD considera esta uma questão de Estado e de interesse nacional e recusa-se a dar a este debate o tom e o pretexto para quaisquer guerrilhas político-partidárias com aproveitamentos eleitoralistas.
Macau significa para Portugal o fim de uma era, mas queremos que signifique também o início de uma outra que privilegie o convívio e a cooperação fraterna com os outros povos.
Acima de tudo, é necessário que Macau fique como exemplo e referencia dos valores humanistas e universalistas neste mundo demasiado conflituoso e receoso das diferenças de culturas e de sistemas.
Mas, para que isso seja possível, é preciso assegurar que o povo de Macau se reveja e se sinta portador desses valores.
Por outras palavras, que ele seja um agente e o verdadeiro destinatário dessas mudanças.
Daí a importância dos contributos dos órgãos de governo próprios de Macau, nomeadamente da Assembleia Legislativa, e de todas as entidades e instituições a que este processo, de uma maneira ou de outra, mais ou menos, diz respeito.
Estamos certos de que a discussão na especialidade permitirá encontrar as soluções mais adequadas.
Num processo como este, não nos podemos permitir experiências nem dar passos em falso. O consenso é necessário, mesmo imprescindível.
Devemos isso a nós mesmos, devemos isso ao mundo e à população do Macau.

Aplausos do PRD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que hoje realizamos sobre o futuro de Macau no tocante à organização judiciária é, sem dúvida, oportuno e reveste-se do mais alto interesse para o nosso país, para o território que administramos e para o relacionamento de Portugal com a República Popular da China.
Três factores essenciais condicionam a nossa discussão: um excelente quadro geral de referência, uma má proposta governamental e uma metodologia inteiramente correcta de debate parlamentar.
O quadro de referência resulta da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, da Constituição da República, na redacção aprovada pela 2.ª revisão constitucional, e das novas disposições do Estatuto Orgânico de Macau. O objectivo último é, todos o sabemos, criar um sistema judiciário próprio, autónomo e adaptado às especificidades locais, investido na plenitude e exclusividade da jurisdição. A sensatez e a solidez das traves mestras e a qualidade, ou falta dela, dos protagonistas ditarão o futuro desse sistema: extinguir-se daqui a nove anos ou perdurar para além do ano chave de 1999, beneficiando, então, da aplicação do princípio «um país, dois sistemas» e das garantias de que a futura região administrativa especial de Macau gozará de «poder judicial independente, incluindo o do julgamento em última instância» e da legitimidade do uso concomitante da língua portuguesa nos tribunais, tudo como se encontra previsto na Declaração Conjunta.
A nova organização judiciária é, pelo menos, tão essencial como a nova ponte, o novo porto ou o futuro aeroporto. Com esta agravante: e que é certo e seguro que essas obras, se erguidas, como é preciso, lá ficarão, mas para construir a que hoje temos entre mãos precisamos de muito mais do que pedras e betão. A argamassa necessária e, fundamentalmente, humana e logo política e cultural. Para que nasça do chão carece de boa sementeira e de muitos cuidados. Não se improvisa, nem medra em climas inquinados.
A nossa discussão não pode, por isso, ser um tema esotérico «para-técnicos - muito-técnicos», nem um regalo de lobbies empenhados - muito empenhados - na defesa dos seus interesses parcelares. O que está em causa (...)