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19 DE OUTUBRO DE 1990 55

(...)mós conscientes de que legislar para Macau, nesta actual fase transitória do território, não é tarefa fácil. E se tivermos presente, neste momento, que esta proposta de lei se destina a regular a organização judiciária de Macau, teremos ainda maior consciência da dificuldade e do melindre das matérias que têm de ser contempladas neste diploma.
Daí que, naturalmente, o Governo tenha optado por não precipitar a apresentação de uma qualquer proposta de lei feita sobre os joelhos e trazida à Assembleia da República com rapidez, mas sem aprofundamento, sem maturação e reflexão, e tenha, efectivamente, adoptado a posição, que felizmente adoptou, de trazer um diploma muito bem pensado, muito reflectido e com soluções que contemplam as especificidades de Macau.
O Governo tem em vista - porque esse é também um outro aspecto que nesta legislação tem de ser tomado em conta - a circunstância de termos, face à Declaração Conjunta, a possibilidade de esta legislação vigorar para além do período transitório, quando o território de Macau passar para a soberania chinesa e for criada ali uma região administrativa especial com regime próprio.
Alguns Srs. Deputados que me antecederam levantaram alguma reserva e preocupação por esta legislação poder vir a ser mantida, pelo menos nos seus traços gerais, e dever e ser desejo nosso que assim seja, aquando da instauração da região administrativa especial de Macau, integrada na soberania chinesa.
O Sr. Ministro da Justiça disse aqui que esta não era, necessariamente, a lei de bases de organização judiciária do território de Macau intocável, até essa passagem, em 1999, para a administração chinesa.
Naturalmente que a própria aplicação desta lei de bases de organização judiciária e sua posterior regulamentação pelos órgãos de governo próprios do território de Macau dará elementos de reflexão já sobre o terreno, já sobre a sua própria execução, e, a seu tempo, serão introduzidas alterações, aí sim, já com a preocupação definitiva dessa fase que se seguirá à integração do território de Macau na soberania chinesa.
Este diploma surge por imperativo constitucional. O artigo 292.º, n.º 5 da Constituição estabelece que: «O território de Macau dispõe de organização judiciária própria, dotada de autonomia e adaptada às suas especificidades, nos termos da lei, que deverá salvaguardar o princípio da independência dos juizes».
Este diploma surge também por imperativo da Declaração Conjunta, que é, para todos os efeitos, um texto de direito internacional que vincula Portugal. É, pois, também em cumprimento dessa Declaração Conjunta que a proposta de lei de organização judiciária de Macau surge e é apresentada à Assembleia da República.
Mas o diploma surge ainda como imperativo ditado pelo próprio Estatuto Orgânico, que foi revisto na passada sessão legislativa da Assembleia da República e que contém também disposições que prevêem a criação de uma lei de bases de organização judiciária para Macau.
É ainda em cumprimento do Programa do Governo que esta proposta de lei aqui surge, na Assembleia da República. Efectivamente, no Programa do Governo afirma-se que um dos aspectos importantes da política externa que merecerá a sua especial atenção será a execução do acordo luso-chinês sobre Macau, procedendo-se, após ratificação parlamentar, à instauração dos mecanismos previstos no acordo para o período de transição.
É, pois, também em cumprimento deste imperativo do seu próprio Programa que o Governo traz à Assembleia da República a proposta de lei de bases da organização judiciária de Macau.
Foi aqui salientado pelo Sr. Ministro da Justiça - e consta exaustivamente da própria exposição de motivos do diploma - a filosofia, os princípios que o inspiram e as preocupações que veiculam no sentido de ser instaurada uma organização judiciária em Macau que garanta os direitos, liberdades e garantias não apenas neste período de transição mas, também, repito, para além do período em que Portugal manterá a administração do território.
Será, no entanto, interessante salientar alguns desses princípios: a atribuição do poder judicial a tribunais próprios; a localização no território de um tribunal de última instância; a independência dos tribunais e o estabelecimento de imunidades para os juizes; a nomeação dos juizes pelo chefe do executivo, sob proposta de uma comissão independente a integrar por juizes, advogados e personalidades de relevo e com recursos a critérios de qualificação profissional; o estabelecimento de prerrogativas de inamovibilidade; a garantia de que o Ministério Público desempenhará as suas funções com independência e livre de qualquer interferência; o recurso de amparo, que incide particularmente no âmbito dos direitos, liberdades e garantias; a instituição de um tribunal de contas, que garantirá a transparência por parte da Administração numa área tão sensível em qualquer parte, com especial particularidade naquele território.
Contrariamente ao que aqui se referiu, parece-me que o diploma não é, efectivamente, um mau diploma. Aliás, essa foi apenas uma opinião, isolada, do Sr. Deputado José Magalhães, que, com preocupações perfeitamente pertinentes relativas ao futuro do território de Macau e da sua população, extravasou largamente o âmbito deste diploma e levantou um leque de questões, que, obviamente, deverão merecer - e merecem, com certeza! - a atenção do Governo, mas não em sede desta lei de bases de organização judiciária.
A Assembleia da República tem a perfeita consciência da urgência que para o território de Macau este diploma representa e, nesse sentido - como também já aqui foi referido pelo Sr. Deputado José Magalhães - na 3.ª Comissão, onde foi elaborado e aprovado o relatório, da autoria do Sr. Deputado Alberto Martins, portanto ainda antes de o diploma baixar à Comissão para a discussão na especialidade, já foi calendarizada a audiência de várias entidades, designadamente representantes dos órgãos de governo próprios de Macau, membros da Assembleia Legislativa de Macau, o Sr. Secretário-Adjunto para a Justiça, bem como o Sr. Procurador-Geral e o Sr. Presidente do Tribunal de Contas. Isto para que sejam auscultadas as entidades que têm particular ligação a estas matérias e particular conhecimento sobre elas.
Há, portanto, uma conciliação da celeridade, por um lado, com o querer fazer, com a profundidade e a cautela necessária a esta discussão e aprovação na especialidade, numa fase posterior deste diploma, por outro.
Nesta mesma linha de preocupações, a respectiva comissão solicitou pareceres à Associação dos Advogados de Macau, aos Srs. Juizes de Macau, aos Srs. Magistrados do Ministério Público, que tiveram já o ensejo de enviar as suas pertinentes observações e o estudo sobre este diploma, que, naturalmente, a Comissão terá em conta aquando da discussão na especialidade.