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19 DE OUTUBRO DE 1990 57

(...)produziu este diploma, do que, conjunturalmente, este Governo obter o aplauso da oposição por causa de um diploma que a história recusaria.

Aplausos do PSD.

É justamente por isso que não foi sem alguma perplexidade que ouvi a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. E se faço uma intervenção pessoalizada, é, obviamente, pelo respeito institucional que V. Ex.ª me merece.
Começou por dar, como símbolo do progresso físico da transição, o futuro aeroporto de Macau e eu esperei que o discurso de V. Ex.ª simbolizasse ou a segurança da aterragem ou o golpe de asa do voo acabado de levantar!...

Risos do PSD.

Afinal, vi-o reduzido mais ao oriental jet-foil, caracterizado, normalmente, por muita pressa e muita água, porque aquilo que resulta do discurso de V. Ex.ª é uma prévia definição da margem de partida e uma prévia definição da margem de chegada.
É importante chegar ao lado de lá depressa e dizer que se não votava a lei. Não importava a água do trajecto!
E para fundamentar a conclusão de que não votaria a lei, V. Ex.ª fala de um protocolo secreto, que não existe; fala de um conjunto de articulações, de harmonizações e de incoerências do sistema jurídico de Macau, que eu próprio referi, mas que, evidentemente, não cabe ao Governo da República corrigir. V. Ex.ª mistura causas próximas com causas remotas e com ausência de causas; constitui o percurso a partir desse conjunto - esse, sim, incoerente e desarmónico - de razões e pretende fazer crer que a incapacidade do Governo, não legislando onde não deve, e o secretismo do Governo, não manifestando o que não deve, acabam por ser razões perfeitamente espúrias para justificar a chegada à margem contrária e dizer que o grupo parlamentar que representa não vota a lei.
É pena que assim seja! É pena que o avião, esse sim, que esta proposta de lei consubstancia, ao aterrar em Macau, leve uma inclinação negativa por não transportar no seu bojo, representadamente, todo o povo português.

Vozes do PSD:-Muito bem!

Há, todavia, um aspecto importante: é que se, de facto, a actividade legislativa de Macau é, neste momento, fundamental, mas se não cabe ao Governo da República intervir directamente na sua elaboração, porque a questão é nacional e porque o facto de se tratar de uma questão nacional não significa que devamos ficar no discurso patriótico da afirmação mas na prática concreta da sua realização, o Governo da República está claramente disponível para colaborar com o governo do território nessa tarefa gigantesca de harmonizar, de tornar coerente e actual o sistema jurídico de Macau.
Por isso, essa manifestação é, simultaneamente, a demonstração de que, ao contrário do que foi dito pelo deputado que representou o Grupo Parlamentar do PRD, o Governo não demonstra medo em legislar.
O Governo legislou na perspectiva nacional da transição. O Governo não legislou partindo da ideia de que Macau é um pequeno Estado português mas, isso sim, partindo da ideia de que Macau tem uma estrutura cultural própria, está no processo dinâmico de transição, e é no sentido da história que a legislação pontual deve ser elaborada.
O Governo sentiu e percebeu isso, assumindo claramente que a lei de bases, que hoje apresenta para discussão, é um instrumento fundamental mas susceptível de mudança, portanto colocado no ritmo e na filosofia própria de qualquer processo sério de transição.
Por outro lado, o processo é dinâmico na velocidade que tem de se lhe imprimir, mas é também dinâmico na cultura que lhe subjaz. E se todos estamos claramente de acordo - e aqui espero que estejamos todos!-perante a ideia de que é fundamental que o traço cultural decisivo da cultura portuguesa perdure em Macau, também, porventura, todos estaremos de acordo com a ideia de que não podemos transportar para Macau as nossas soluções numa perspectiva chauvinista que, no fundo, se identifique com qualquer perversão etnocentrista, seja do ponto de vista cultural seja do ponto de vista judiciário.
Queremos um sistema que, culturalmente, arranque de uma raiz, que é nossa, mas que nos não leve a invadir o espaço cultural dos outros, onde o futuro se construirá permanentemente e onde, um dia, teríamos, como imagem de nós próprios, apenas uma tentativa canhestra e mal conseguida de impor, forçadamente, uma cultura que, como é óbvio, não seria aceite por aqueles que continuam a produzir a sua própria cultura, que é deles mesmos, e que têm, evidentemente, o direito democrático e cultural de prosseguir.
O importante era, pois, garantir um trajecto que mostre, sobretudo a Macau, e sobretudo à República Popular da China, que Portugal é um país e um povo sério, que tem uma dimensão ética que arranca de uma história de muitos séculos e que se projecta no tempo sempre em termos de universalidade de intervenção e de partilha de cultura, mas nunca numa, eventualmente considerada deslocada no tempo, tentativa de colonização espúria, no final do século.
Não é isso que está em causa. O que se propõe é que fiquemos abertos, em nome do traço cultural que tivemos o direito de transportar, evidentemente, à evolução cultural do povo chinês que, no fundo, aceitou, também ele, respeitar a dicotomia um Estado/dois sistemas. Para isso, esta lei é clara e inequivocamente uma boa lei.
Porque nós próprios entendemos que o debate tem de ser generalizado e que, não sendo ela uma lei definitiva, é susceptível de ser corrigida, aqui viemos claramente apresentá-la na generalidade e aqui abrimos imediatamente a possibilidade de a enriquecer na sua discussão na especialidade. Assim, gostaria de perceber politicamente, no verdadeiro sentido da dimensão ética da política, por que razão esta lei, nacional e histórica, não é aprovada por unanimidade.

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador: - Não é que nos preocupe que o não seja nem que falte ao Governo legitimidade por não o ser. É que, no fundo, há um traço indelével, que arranca no início da nossa história e se projecta no futuro de sempre e que consiste em saber aquele momento exacto, aquele tal, que por isso mesmo é histórico, em que ou estamos todos do mesmo lado ou o lado das maiorias conseguidas é sempre um lado que permite brandir argumentos políticos de ocasião mas que não deixam no futuro uma imagem credível daquilo que somos enquanto gente.