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I SÉRIE -NÚMERO 2 52

(...)é uma questão crucial para a opinião pública, para todos nós e para a população de Macau: é saber se em Macau vão existir ou não verdadeiros tribunais servidos por magistrados capazes de imporem o respeito pela lei, opondo-se, se necessário, aos contrapoderes, quaisquer que sejam, vigorosos na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, eficazes no controlo da administração, suficientemente fortes para evitar que ela se transforme em «superpoder» violador da divisão de poderes e do primado do direito, não transparente, imune à crítica dos cidadãos e à fiscalização institucional. É isto que está hoje em debate, aqui, no preciso momento em que na República Popular da China se desenham os contornos da futura lei básica do território. Temos plena consciência disso e também das nossas responsabilidades legítimas e irrenunciáveis.
Em Maio, a Assembleia da República deliberou dar luz verde à realização pelos órgãos do território de reformas modernizadoras. Não se consagrou apenas uma política de localização legislativa. Foi-se muito mais longe e deu-se às leis locais uma ampla possibilidade de prevalência sobre as leis portuguesas.
É bom de ver que uma má judicatura pode distorcer ate aos limites da aberração um sistema em si mesmo justo e que, neste ponto, foi aprovado por unanimidade.
A nossa responsabilidade e, pois, a de construir velozmente uma ordem jurídica e um aparelho de justiça que obedeçam aos requisitos adequados e assim sejam aptos a sobreviver ao abrigo do parágrafo 4.º da Declaração Conjunta, concebidos em termos tais que legitimem e ajudem a impulsionar no futuro a assistência jurídica do Estado Português à Região Administrativa Especial de Macau e criem até condições para não tomar virtualmente improvável o convite a magistrados portugueses para exercerem funções no aparelho judicial então operativo, como admite a cláusula IV do anexo I à Declaração Conjunta.
Resumido assim o repto, desde logo avulta, Srs. Deputados, a modéstia e a imperfeição da base de trabalho consubstanciada na proposta de lei n.º 16 l/V.

Quanto à metodologia de apreciação parlamentar, proposta por nós -c aprovada por unanimidade, gostaria de sublinhá-lo-, consistiu em promover a mais ampla consulta até hoje realizada junto da comunidade jurídica de Macau. Quisemos ouvir todos e tudo com a máxima atenção para que a Assembleia da República possa ponderar soberanamente em função dos desígnios nacionais e dos nossos compromissos internacionais, decidindo em tempo com realismo, isenção e clareza.
Congratulamo-nos com o facto de o apelo à participação ter sido plenamente correspondido. Os pareceres emitidos pela Assembleia Legislativa, pelos magistrados, pelos advogados do Macau, são fortemente críticos em relação à proposta do Governo, mas -o que quer que se pense sobre eles- têm o valor democraticamente irrecusável do exprimir frontalmente e em letra de forma opiniões, argumentos e alternativas. Isso e tanto mais saudável quanto durante meses a incerteza, o secretismo, a intriga e o boato reinaram, enquanto, em mal identificados gabinetes ocidentais e orientais, se parturejavam sucessivas versões do texto que agora foi publicitado com plena transparência. Curiosamente, o Sr. Ministro da Justiça não aludiu a esses pareceres e a essas vozes, que, todavia, são relevantes!
A consulta agora realizada foi uma medida verdadeiramente estabilizadora, tão essencial para a criação de confiança como essa outra que ontem mesmo foi aprovada pela 3.ª Comissão, quando fixou um calendário e uma metodologia segura e transparente para o processo legislativo em curso: na próxima quarta-feira, audição do Sr. Procurador-Geral da República e do presidente do Tribunal de Contas; quinta-feira, diálogo com a Assembleia Legislativa de Macau; sexta-feira, reunião de trabalho com o Secretário-Adjunto da Justiça de Macau e, posteriormente, com o Sr. Ministro da Justiça, se este assim entender. As votações correspondentes deverão ter início e termo na semana seguinte. O atraso é tanto que só nos é consentido, Srs. Deputados, o tempo estritamente necessário para salvaguarda da prudência e segurança das soluções e para a superação de consideráveis dificuldades.
Digo «consideráveis dificuldades» com a certeza de pecar por defeito, porque são na verdade enormes. É a isto que gostaria agora de aludir.
Em primeiro lugar, sucede que essas dificuldades acabam de ser agravadas pelo Governo. Na verdade, representantes de Portugal, dependentes do Governo, aceitaram recentemente subscrever um protocolo, até hoje secreto, de criação de um grupo misto luso-chinês de acompanhamento permanente até 1999 dos problemas da administração da justiça em Macau.
É um compromisso de enormes implicações. É um compromisso de tão enormes implicações que não pode passar sem reparo: primeiro, que tenha sido assumido como foi; depois, que sobre ele o Governo não tenha dado de imediato explicações à Assembleia da República nem procedido a diligências prévias cautelares junto do Parlamento, através do ministro competente ou, quiçá, até através do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros; mais incompreensível ainda e que se mantenha silêncio hoje sobre a matéria, como se ela não tivesse operado uma alteração significativa do quadro em que a nova organização judiciária vai ser edificada e, logo, do quadro em que a decisão da Assembleia da República e do Presidente da República vão ter de ter lugar.
Por razões de Estado, e apenas por elas, queda-se aqui o reparo, mas não a exigência de clarificação na sede própria, essencial para que este processo não sofra bloqueamentos adiante, que teriam consequências gravíssimas.
Há que sublinhar, em segundo lugar, as difíceis condições que caracterizam o ponto de partida das reformas.
Um aparelho judicial cria-se para servir necessidades e elas não estão inventariadas, como acabou de reconhecer o Sr. Ministro da Justiça. Para funcionar bem, exige reformas de grandes códigos processuais e substantivos - e estas marcam passo por falta de adequados consensos num quadro político, em geral muito instável.
Faltam também os novos protagonistas do futuro sistema, adequadamente formados, bem qualificados, armados contra a corrupção, imunes à dependência económica e política, assim como o adequado ensino jurídico superior e médio, curricularmente adaptado.
Por outro lado, a esmagadora maioria daqueles a quem a justiça se dirige não falam português nem o entendem, falam chinês ou são mesmo cidadãos da República Popular da China. Pouco mais de uma dúzia de magistrados portugueses administram a parcela de jurisdição residual que não está a cargo dos tribunais sediados em Lisboa. Nenhum deles domina a língua chinesa. Não há um único magistrado local, pela origem, pela etnia, pela formação, nela vivência específica. Faltam os juristas bilingues. As traduções para chinês da legislação vigente dão os pri-(...)