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6 DE DEZEMBRO DE 1990 689

Mas 6 esse o debate de hoje. O debate de hoje incide sobre dois temas que me levaram a apresentar uma outra iniciativa legislativa, por um lado, as consequências da anunciada extinção da Comissão de Extinção dos Serviços da ex-PIDE/DGS e, por outro, o destino dos arquivos da ex-PIDE/DGS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo dizer que considero igualmente lamentável a extinção da Comissão do Livro Negro sobre o regime fascista. É uma decisão que, provavelmente, em vez de enterrar fantasmas terá a virtualidade de ser consumada, de deixar insepultos mais uns tantos mortos-vivos que inundam a nossa história recente. Nesse sentido creio que esta Câmara devia ponderar cuidadosamente o que pode e deve fazer para que se evite o silêncio sobre a memória da nossa história recente.
Em segundo lugar, quanto à extinção e quanto a questão do destino do arquivo da ex-PIDE/DGS, tive a ocasião de ser o relator do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 100/V, como o Sr. Deputado João Amaral teve a gentileza de referir, que suscitou várias questões pertinentes sobre esta matéria. Todas essas questões eram pertinentes no passado e continuam a sê-lo no presente.
Devo dizer que nessa matéria ambos os projectos apresentados são insatisfatórios em grau diferente, é preciso reconhecer e sublinhar, e merecem reponderação em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na base de um princípio de largo consenso e de consulta dos interessados.
Gostaria de sublinhar que importa ponderar cuidadosamente as questões relacionadas com a integridade dos arquivos. Como é sublinhado objectivamente, os arquivos só miticamente é que se encontram concentrados, porque, verdadeiramente, estão dispersos e, em parte, provavelmente extraviados.
Esse esforço de reunificação é fundamental e, também, como sublinhou a Comissão de Assuntos Constitucionais - e bem, na minha opinião um esforço de destrinça. É inteiramente ilegítimo que o Estado se aproprie de certos bens, que, tendo, por razões diversas, inclusivamente, de luta clandestina e de acção repressiva da polícia fascista, sido apreendidos, são, todavia, propriedade das entidades a quem foram indevidamente subtraídos. Essa destrinça tem que ser feita, deve ser feita!
Em relação ao acesso, é irrigoroso falar dos arquivos como se tratasse de uma realidade homogénea. Como foi sublinhado, existem nos arquivos documentos de natureza extremamente diversa. Há documentos de carácter estritamente pessoal e seria absolutamente absurdo, aliás, inconstitucional, que se facultassse o acesso imediato, ou mesmo em 25 de Abril de 1994, a documentos de carácter pessoal, designadamente, relacionados com a intimidade da vida privada, a honra, a intimidade da vida familiar e outros bens dignos de protecção jurídica ou constitucional.
Seria absurdo que se facilitasse esse acesso. Seria absurdo também que, em relação a documentos relacionados com as Forças Armadas ou a documentos que devem ser protegidos por segredo de Estado, se facultasse o acesso imediato. Seria absurdo - agora no pólo oposto - que se interditasse o acesso imediato a documentos de carácter impresso que são fontes importantíssimas da nossa história recente. Esses documentos devem ser imediatamente acessíveis, nada têm de secreto, nada os deve proteger, fazem falta ao investigador, fazem falta ao público leitor.
Terceira questão: o processo relativo às questões pendentes nos serviços relacionados com os ex-PIDE propriamente ditos. Sobre esta matéria, o Sr. Procurador--Geral da República teve ocasião de dirigir à Assembleia da República, no ano passado, um ofício pedido pela comissão de revisão constitucional, em que recolheu informação sobre o estado desses processos, ou seja, de 138 processos, a essa data, correndo nos tribunais militares e um processo no serviço de coordenação de extinção da PIDE/DGS e LP. Os processos en tribunal referem-se a decisões não transitadas em julgado por não ter sido possível notificar os réus; o processo afecto a esse serviço diz respeito a factos ocorridos em 25 de Abril, por ocasião do assalto ao edifício da PIDE/DGS. Foi considerado, na revisão constitucional, que subsistia interesse em manter a norma em causa e cabe-nos dar-lhe cumprimento, viabilizando adequadamente as investigações.
Nessa matéria, ambos os projectos pendentes são insatisfatórios e, na minha opinião e modestamente, são insatisfatórios pelo seguinte: por um lado, porque creio que não faz sentido que a instrução desses processos não obedeça ao regime geral decorrente do Código de Processo Penal. É absurdo criar um regime especial. Além do mais, os proponentes não definem os contornos desse regime especial e, portanto, é um regime «pendurado no ar», pura e simplesmente. Essa é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República e, portanto, não é susceptível de regulamentação.
Por outro lado, quanto ao destino dos arquivos, uma vez tomados definitivos, não correntes ou sequer intermédios, aí creio que haveria vantagem, durante um curto período, em depositá-los na Procuradoria-Geral da República e, obviamente, em definitivo, na altura própria e quando quer que seja, na Torre do Tombo, como os demais.
Em relação ao projecto que apresentei, gostaria de dizer apenas duas palavras: ele propõe duas coisas que considero inevitáveis. Podem os Srs. Deputados dar já o consenso para a aprovação de um texto desse tipo, o que seria extremamente positivo, ou não o dar. É perfeitamente razoável e democrática uma solução ou a outra, mas as duas soluções são inevitáveis.
Em primeiro lugar, o projecto defende o abaixamento do limite temporal para o acesso aos arquivos de Salazar e de Caetano, pois não há nenhuma justificação para a manutenção do actual sistema. É um absurdo! Em segundo lugar, na hipótese negra de extinção da Comissão do Livro Negro, defende-se a garantia plena do respectivo acesso dos investigadores, como vem sendo muito justamente reclamado pela comunidade científica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma matéria em que se exige, se justifica e é possível um amplo consenso, em primeiro lugar, para sepultar os mortos que já deveriam estar sepultos há muito tempo e, em segundo lugar, para restituir à história os seus direitos, aos historiadores a possibilidade de livre investigação e aos portugueses uma memória intacta sobre o passado que foi também seu. Exige-se para isso, naturalmente, sentido de Estado e bom senso. Pela nossa parte, se contribuirmos com um grama que seja para a génese desse consenso, daremos, naturalmente, por muito bem empregues os esforços que temos vindo a desenvolver.

Aplausos do PS.