6 DE DEZEMBRO DE 1990 691
e geográfico tão ou mais importantes para a história contemporânea do que documentos de carácter político!
Portanto, aquilo que propomos é que haja uma disciplina e uma regra única para todos os documentos do Estado, que essa regra seja de 30 anos (ou de 25 anos, como outros partidos propõem) e que todos os anos os documentos com mais de 25 ou 26 anos sejam tomados públicos, estejam acessíveis ao público. Não há dificuldade nenhuma nisso.
Poderão dizer-me que não se pode cortar um documento ao meio. Srs. Deputados, poderemos ir ver aos arquivos ingleses, americanos ou franceses como é que documentos que têm continuidade podem ser desvendados gradualmente, e não de uma só vez. Há uma experiência em todos os países ocidentais que permite fazer isso.
Evidentemente que tentámos também ter cuidado com a questão pessoal. A nossa proposta vai no sentido de as fichas pessoais, e fichas pessoais não são documentos que contêm nomes... De facto, um documento analítico, um documento histórico e, se quiserem, até uma informação policial onde há nomes não são fichas pessoais. Isso são factos históricos.
Mas, dizia eu, queremos que as fichas pessoais das vítimas, nomeadamente as que incluem perseguição, vigilância, escutas telefónicas, possam estar abrangidas por uma regra suplementar para lá da morte da pessoa. Apontámos aqui para um período de 50 anos e vários Srs. Deputados, em conversas informais, consideraram esse período excessivo e apontaram para 25 anos. Também é perfeitamente discutível e podemos analisar essa questão serenamente. Não a encaramos com preocupação.
No entanto, parece-nos eventualmente errado que os documentos de carácter estritamente privado, nomeadamente os impressos, tenham as mesmas regras de todos os documentos do Estado. O Sr. Deputado José Magalhães mencionou, por exemplo, que há documentos que foram apreendidos, desde livros, cartas, papéis pessoais e até panfletos, manifestos e brochuras e que esses documentos estão hoje em poder do Estado, o que é indevido. Consideramos que esses não são documentos do Estado: não foi o Estado que os produziu nem foram os cidadãos que os produziram dirigindo-se ao Estado. Esses documentos deveriam ter um acesso completamente aberto, com regras bibliotecárias. Não é a regra do arquivo dos documentos do Estado que se aplicaria a este caso.
De passagem, devemos acrescentar - isto não é um problema legislativo, mas, sim, prático e político - que o Estado Português, ao adoptar estas novas regras para os arquivos, também deveria adoptar algumas medidas que permitissem aos países de língua portuguesa, nomeadamente às ex-colónias, ter acesso a certos documentos (quantas vezes de carácter social, cultural, geográfico, etc.) relativamente aos quais têm, muitas vezes, uma enorme dificuldade em ter acesso a eles, ou não lhes têm mesmo acesso, e que poderiam ser úteis.
Ainda há pouco tempo os 12 países da CEE adoptaram um documento pelo qual é dado um estímulo a todos os países que tiveram colónias sob a sua administração, ou seja, estimula-os a tornar acessível a esses países (neste caso de língua portuguesa) alguma da documentação, dados, estudos, etc., que ainda hoje estão reservados. Devo dizer que ainda há seis ou sete anos vi, num departamento militar, centenas e centenas de volumes, que me pareceram de muito boa qualidade científica, e que eram estudos sobre as ex-colónias, desde antropológicos, a étnicos, até geográficos, todos eles elaborados há mais de 40 ou 50 anos. Contudo, todos eles tinham uma «chapola» vermelha, que dizia: «Segredo de Estado, reservado, classificado»! Isto é absurdo! Absurdo para nós e absurdo também para os países de língua portuguesa.
O artigo 3.º do projecto apresentado pelo PSD merece uma observação rápida porque, com esta espécie de «extingomania» que assolou o Sr. Deputado Silva Marques, e não tendo grandes administrações do Estado para extinguir e fazer gáudio à sua veia liberal, vai extinguir esta comissão. Devo dizer que estamos de acordo em que se extinga a Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS - vamos extinguir a extinção! Mas não transforme isso num acto de modernidade e de liberalismo, porque lhe faltam outras extinções para fazer! E talvez houvesse muito que fazer...
Aquilo que V. Ex.ª pretende fazer, com essa sua proposta de 1999, é manter reservados documentos durante 70 anos! Durante os próximos nove anos, os documentos de 1929 não serão acessíveis ao público - é isto o que V. Ex.ª irá conseguir! Com a sua oração de abertura, de generosidade, de eliminação total dos fantasmas, V. Ex.ª veio fortalecer e «dar cimento armado» ao «sótão dos fantasmas», pelo menos por mais nove anos.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira, que é um pouco mais moderno do que o Sr. Deputado Silva Marques, reduz isso para 1994, mas não é esse o ponto! O ponto é que haja uma regra universal para os documentos do Estado português, que todos os dias 1 de Janeiro liberte os documentos com 26 anos. Só assim, com toda a documentação da ex-PIDE e também com os arquivos ditos de Salazar e de Caetano, os da Legião e os da Mocidade Portuguesa, etc., integrados nos arquivos do Estado, para que história seja feita, para que não haja vergonha, nem exclusive, nem privilégios - só assim, a meu ver, se poderá fazer história. Quanto ao projecto do PCP, em relação a este aspecto de 1994, não altera no essencial aquilo que o PSD propôs, porque o problema não é a data, mas sim o princípio.
De todos os projectos, só o nosso, do PS, e o do Deputado José Magalhães fizeram um «pacote» de todos estes arquivos, incluindo, uma vez mais, os dos presidentes do Conselho de Ministros, da PIDE, da Legião, etc., e só isso faz sentido. E, Srs. Deputados, aqueles que julgam ou pensam que só o arquivo da PIDE é que foi delapidado e deu azo a operações menos agradáveis e mesmo vergonhosas, devo dizer que o próprio arquivo de Salazar, bem como o de Caetano, foram delapidados! Há hoje faltas nos arquivos de Salazar e Caetano, faltas graves, motivadas por intuitos, não sei se políticos comerciais ou académicos, no mau sentido da palavra.
Volto a insistir que aquilo que distingue qualitativamente o nosso projecto dos restantes projectos que estão na Mesa é a ausência de vontade de criar um particularismo, a ilusão de estar a destruir fantasmas quando não estão a destruir fantasma nenhum. Não vale a pena falar em voz alta nem falar de olhos nos olhos dos deputados, porque VV. Ex.ªs não estão a destruir tão rápida, eficaz e serenamente como nós os tais fantasmas. Só tomando iguais todos os arquivos do Estado Português é que VV. Ex.ªs acabam com os fantasmas.
Aplausos do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Jorge Lemos e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia, Pacheco Pereira, Alexandre Manuel e Carlos Brito. Estão