6 DE DEZEMBRO DE 1990 697
Salazar e Caetano, que continuam sujeitos ao regime legal de proibição de acesso até 25 anos após a morte de cada um dos titulares.
Por outro lado, a apresentação do projecto de lei do PSD sobre a extinção do Serviço de Coordenação da ex-PIDE/DGS e LP peide, efectivamente, criar a situação de, por tempo indeterminado, ficar completamente vedado o acesso a estes arquivos, salvo e a título excepcional se se demonstrar interesse pessoal, directo e legítimo nessa consulta.
As alterações ao projecto de lei do PSD, apresentadas pelo Sr. Deputado Silva Marques, das quais tive conhecimento já nesta sessão, permitem atenuar este tipo de preocupações.
É, pois, neste quadro que penso se justifica um estudo global no sentido de se tomarem as medidas que salvaguardem os diversos e legítimos interesses que resultam, quer da extinção do Serviço de Coordenação da Extinção da ex-PIDE/DGS e LP, quer da proibição, nos termos em que é feita, relativamente à consulta dos arquivos de Salazar e Caetano.
Aliás, estas e outras preocupações eram claramente expressas num parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias apresentado em plenário da Assembleia da República em 19 de Abril de 1985, a propósito da proposta de lei n.º 100/DI, que visava, precisamente, extinguir o Serviço de Coordenação de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP e determinava que os arquivos da extinta PIDE/DGS e LP fossem integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, definindo ainda o quadro legal que deveria presidir à futura consulta.
Como é sabido, esta proposta de lei, que foi aprovada na generalidade, não deu origem a qualquer legislação, estando, portanto, por cumprir o disposto no artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, que, a título transitório, confiou à guarda conjunta do Presidente e dos Vice-Presidentes da Assembleia da República os arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e determinou que a fixação do seu destino deveria fazer-se mediante lei a aprovar por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções, o que, naturalmente, continua válido.
É, pois, neste quadro e com este objectivo que pensamos que todos os projectos de lei em análise podem permitir criar o quadro jurídico que dê a resposta adequada, que não só se justifica como se impõe.
Há, todavia, algumas preocupações que nos têm chegado e que são, aliás, do conhecimento público, que, em nosso entender, não estão devidamente salvaguardadas e que, não pondo em causa o objectivo dos vários projectos, necessitam, obviamente, de ser consideradas.
Primeiro, relativamente à transferência dos arquivos da PIDE/DGS e LP para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, esta não deve prejudicar a consulta que investigadores nacionais e estrangeiros vêm fazendo, alguns deles na preparação de trabalhos de licenciatura, teses de mestrado ou dissertação de doutoramento. Neste sentido, a sua transferência para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo deve ser feita, tomando as medidas que salvaguardem a organização e transferência do arquivo, de modo a permitir a consulta pelo menos nos moldes e nos termos em que vem sendo feita.
Relativamente à consulta dos arquivos de Salazar e Caetano, e enquanto não fosse publicada legislação que defina uma política nacional de arquivos, seria importante que se mantivessem os actuais, embora limitados, mecanismos de acesso, de modo a impedir um verdadeiro bloqueamento, durante tempo indeterminado, às investigações em curso sobre dois dos mais importantes arquivos históricos do Estado Novo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje. passados mais de 16 anos sobre a extinção da PIDE/DGS, é já possível, de uma forma desapaixonada, falar destes assuntos, o que prova que a implantação do regime democrático e a sua consolidação é uma realidade do dia-a-dia. Mas, porque isto 6 assim, importa sublinhar o que o Dr. Mário Raposo, então Ministro da Justiça, e a propósito deste mesmo assunto, disse nesta Assembleia: «quando se aborda, de uma forma ou de outra, nos termos como aquele que, neste momento, diz respeito à PIDE/DGS, é sempre bom sublinhar que na memória de um povo não pode esquecer-se ou, por qualquer modo, dar-se como um caso arrumado aquilo que representou, durante longas e sofridas décadas, uma polícia política ao serviço de uma ditadura que ignorava os princípios fundamentais dos direitos do homem e da democracia». E acrescentava, a propósito da necessidade de ser devidamente acautelado, em termos operacionais, o destino dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP: «Na realidade, são demasiado importantes para a história - e a história tem de estar sempre presente, porque é a ressurreição de actos vividos e é através dela que se pode projectar um futuro.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos, sinceramente, que a acção aparentemente conjugada da iniciativa do Sr. Deputado Silva Marques e o anúncio feito pelo Governo da intenção de extinguir a Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista tem a ver com a adequação a uma política de normalidade relativamente à consulta dos documentos, que nos permitam, sem quaisquer traumas, proceder à investigação da nossa história recente, até como forma de nos ajudar a compreender o passado para melhor nos prepararmos para enfrentar o futuro.
O Sr. Silva Marques (PRD): - Muito bem!
O Orador: - Sendo assim, é de admitir que as preocupações manifestadas publicamente, a que, de certo modo, o conjunto das iniciativas presentes procura dar satisfação, venham a ter bom acolhimento na discussão em sede de especialidade, admitindo-se mesmo que se dê início urgente à discussão de uma lei nacional de arquivos - aliás, a intenção de uma tal iniciativa legislativa acabou de ser anunciada pelo Governo -, cujo projecto, preparado pelo Instituto Nacional de Arquivos, há vários meses se encontra parado na Secretaria de Estado da Cultura.
É, pois, este o espírito que está subjacente ao nosso voto favorável aos projectos de lei em análise.
Pensamos que a aprovação das grandes linhas subjacentes aos vários projectos tornam menos agudas, que não menos importantes, as questões que se relacionam com os prazos de proibição de acesso aos respectivos arquivos, que terão de ser, naturalmente, equacionadas em sede de especialidade, em relação aos quais já constatámos a existência de algum consenso na grande generalidade.
Não gostava, no entanto, de terminar sem uma palavra de apreço pelo trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, quer pela Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, quer pelo Serviço de Coordenação de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP, lamentando que, relativamente a este último serviço, o apoio dado não tenha correspondido à importância política e histórica que o mesmo justificava.
Aplausos do PRD, do PSD e do deputado do PS António Barreto.