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698 I SÉRIE - NÚMERO 21

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, neste debate, está em causa a subsistência da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista e o acesso aos arquivos da PIDE/DGS e de Salazar e de Caetano, quando está em causa a preservação dos processos julgados nos tribunais plenários e nos tribunais militares especiais, toma-se evidente que, a tudo, estão subjacentes 48 anos de fascismo, os quais, embora marcados com uma cruz negra na nossa história, não podem nem devem ser esquecidos, antes bem presentes, como dolorosa trajectória da luta do nosso povo pela liberdade alcançada com o 25 de Abril.
Como disse um poeta da resistência antifascista, José Apolinário, sé preciso avisar toda a gente», e eu próprio acrescentaria que, hoje, é preciso avisar não só aqueles que conhecem, mas, sobretudo, aqueles que se esquecem de algumas das características do que foi o regime fascista no nosso país.
Já aqui foi referido que a PIDE/DGS teve ao seu serviço 3000 agentes. Mas queria acrescentar que, para além destes 3000, milhares de informadores em todo o País, nas repartições, nas escolas, nas empresas, forneciam todos os elementos, de que basta citar um exemplo.
Vejamos o que acontecia a qualquer pessoa que fosse suspeita na PIDE e requeresse um bilhete de identidade: a fotocópia desse requerimento, com todos os elementos de identificação, era imediatamente enviada para a PIDE.
Quanto aos tribunais plenários, por onde passaram tantos e tantos antifascistas, vê-se agora qual era o tratamento noticioso que a censura impunha.
Numa notícia publicada em Segredos da Censura, do jornalista César Príncipe, anota-se o seguinte despacho: «Nos julgamentos do Plenário: só julgamentos do Plenário, em título e, depois, dizer que estão a ser julgados fulanos, nomes e mais NADA. Tenente Teixeira.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não seria preciso referir aqui as dezenas de cidadãos assassinados no campo de concentração do Tarrafal, os que foram assassinados nas instalações da PIDE/DGS, nas ruas ou, até, num consultório, enquanto decorria a consulta, como aconteceu com o Dr. Ferreira Soares.
E os milhares de mortos e de estropiados na guerra colonial?
Bastará referir que, só na cidade do Porto, na subdirectoria da PIDE/DGS, foram encontrados 53 000 processos individuais de cidadãos do Porto.
No que diz respeito à actividade da censura, gostaria de citar alguns dos despachos dos vários censores.
Por exemplo, um deles diz o seguinte: «No Supremo Tribunal de Justiça foi julgado o recurso de um chefe de posto de Angola que bateu num preto e o preto veio a falecer. Foi julgado e condenado - CORTE TOTAL. Coronel Saraiva.»
Outra notícia: «Criança morta em Guimarães. Lançou uma granada à lareira. Não pode sair em título Recordação do Ultramar, como um jornal de Lisboa pretendeu pôr. Dr. Orneias.»
Ainda outra: «Reunião de telefonistas na FNAT. Não dizer que foram centenas e não especificar o que pretendem. Dizer que trataram de assuntos da classe. Coronel Saraiva.»
Mais outra: «É esperado em Portugal o escritor Caldwell. Pode dizer-se que tem vários livros traduzidos, mas é proibido falar na Feira de Deus - livro proibido. Coronel Saraiva.»
Para acabar, eis uma outra notícia exemplificativa dos cortes da censura: «Recondução do pessoal da DGS no ultramar. Mesmo publicada no Diário do Governo, não é de publicar. Capitão Correia de Barros.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, tal como já afirmei, que está subjacente a esta discussão o regime que nos oprimiu durante 48 anos, gostaria de dizer, nesta sede, que para defender a liberdade não basta dar-lhe vivas. É indispensável que não continue a tentar estabelecer-se a anti-memória do regime fascista, sob o manto diáfano de pretensos apaziguamentos que nunca poderão justificar que a nossa história - qualquer história -, tão recente e tão trágica, seja amputada de 48 anos de ditadura fascista.
Todos os projectos que garantam a manutenção da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, que garantam a manutenção do acesso aos arquivos da PIDE/DGS, de Salazar e de Caetano, que garantam o que não me parece menos importante- a preservação dos processos julgados nos tribunais plenários e nos tribunais militares especiais, terão, por isso mesmo, o voto favorável do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca e o meu próprio.

Aplausos do deputado independente João Corregedor da Fonseca e do PCP.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, é para comentar alguns aspectos sobre esta matéria referidos pelo Sr. Deputado Raul Castro, e fá-lo-ia sob a forma de pedido de esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, recordo-lhe que o Partido Socialista já ultrapassou em 12 minutos o seu tempo disponível. No entanto, se for muito breve, dou-lhe a palavra.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, serei brevíssimo.
Sr. Deputado Raul Castro, quero dar o meu apoio às suas considerações.
É que, efectivamente, penso que, através de medidas que me parecem bastante prematuras, não pode pretender-se evitar o conhecimento da história durante o regime fascista.
Quero marcar muito claramente a minha posição de não estar de acordo com a extinção da Comissão do Livro Negro. Parece-me que esta comissão fez um trabalho extremamente meritório e válido, em termos de informação e divulgação do que foi o regime anterior.
Para além de sublinhar esta minha concordância, quero dizer que, de entre todos os presentes, penso ser a pessoa que mais tempo passou na cadeia: ao todo, foram 16 anos.
No entanto, nesta minha intervenção, não sou movido por qualquer espírito de ódio. Posso, até, declarar que, ainda recentemente, recebi um ex-PIDE que, desde o 25 de Abril, procurou apoiar-se em mim como se eu fosse um avalista do seu comportamento. Trata-se de um homem torturado que me procura de vez em quando e cuja tragédia compreendo bem, até porque parece que ele cessou funções na PIDE pouco antes do 25 de Abril.