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16 DE JANEIRO DE 1991 1031

crítico, no interesse do País, todas as posições políticas do Presidente da República.
Mas os resultados das eleições permitem extrair ilações que importa valorizar politicamente. De entre elas, salienta--se o elevado índice de abstenção registado. Trata-se do aspecto que alguns têm pretendido desvalorizar, porque o facto é politicamente sintomático e elucidativo.
É verdade que o nível de abstenção foi semelhante ao que se registou nas últimas eleições autárquicas. Mas também o é que a abstenção, nas presidenciais, tem uma leitura política diferente.
Do nosso ponto de vista, o facto em apreço radica menos no argumento de que vencedores antecipados não carecem de apoio activo do que na discordância passiva que mais de três milhões de portugueses evidenciaram relativamente à forma como Mário Soares exerceu o seu primeiro mandato. Se a esse numero de abstencionistas juntarmos o número de votos brancos e nulos -também eles sem precedentes em eleições presidenciais -, concluiremos que Soares teve poucos mais votos do que aqueles que manifestaram alheamento pelas eleições e ou discordância pelos comportamentos assumidos pelo Presidente no exercício do seu primeiro mandato.

O Sr. José Magalhães (Indep.):-Parece o Jardim a falar!

O Orador: - Não podemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desvalorizar o significado da abstenção verificada, nem podemos socorrer-nos do argumento de que a taxa é semelhante às europeias. São argumentos que não colhem na situação portuguesa. O que devemos é contribuir para despeitar no cidadão comum, não o dever de votar, mas o gosto de votar.
Só assim aprofundaremos a democracia política e lograremos desenvolver a democracia representativa de base local. A indiferença e o hiperindividualismo que se instalaram na sociedade portuguesa constituem um fenómeno recente e perfeitamente erradicável se quisermos dar ao voto de cada cidadão um novo sentido e um novo alcance, fazendo com que os cidadãos se sintam agentes e beneficiários do processo de desenvolvimento económico e social.
O Presidente reeleito terá, nesta matéria, um papel importante a desempenhar, competindo-lhe converter-se num aguilhão do aprofundamento do processo de democratização política, económica e social do País.
Mas, para o elevado nível de abstenção registado também terá contribuído, em escala considerável, o fraco nível qualitativo da campanha eleitoral. Para além de uma grande «lavagem de roupa suja» - que, apesar de tudo, não erradicou muitas nódoas que terão caído nos «melhores panos»...-, nem uma ideia nova ou renovada surgiu. Imperaram os lugares-comuns, os tabus, os dogmas e as frases feitas. Claro-e é isto que é preocupante - que a culpa não foi só dos candidatos mas também, e sobretudo, dos partidos que os apoiavam.

Vozes do PRD:-Muito bem!

O Orador:-O «bloco central» alargado que apoiou Soares terá, na melhor das hipóteses, guardado as suas ideias para as legislativas ou, então, o PSD e o PS não quiseram evidenciar que as suas ideias e os seus projectos são. no essencial, iguais.
O Partido Comunista, apesar de poder reclamar um bom resultado eleitoral para o candidato que apoiou, não trouxe, como seria desejável, ideias novas, minimizando a crise que assolou o mundo comunista.
O CDS não soube valorizar a democracia cristã enquanto alternativa credível à social-democracia e ao socialismo democrático, o que obrigou o seu alegado candidato a refugiar-se muitas vezes na apologia de valores que só fazem vencimento na direita ortodoxa.
O discurso da paz e da concórdia nacional de Carlos Marques não foi secundado por projectos de esquerda que pudessem ser atribuíveis à UDP.
A campanha eleitoral foi. pois, uma mera formalidade, vazia de conteúdo e despida de mérito e interesse social. Ela foi um ponto de chegada de ideias feitas e não, como seria desejável, um ponto de partida para novas ideias e ideias novas. Por isso, ela inspirou, necessariamente, larguíssimo número de abstencionistas.
Enterrado o MASP - essa grande união nacional de monárquicos e republicanos, comissários e militares, cientes e descrentes, sérios e oportunistas, lúcidos e lúdicos, diabos e beatos e outras figuras antitéticas-, resta, agora, desenterrar a bipartidarização, oportuna - e, quiçá, oportunisticamente interrompida.
A maioria absoluta é o objectivo almejado pelo PSD e até pelo próprio PS. A confrontação vai ser impiedosa. A arte de prestidigitação voltará a ser o voto útil. E os abstencionistas serão o grande grupo alvo de intervenção.
Seria bom que os Portugueses tomassem, desde já, consciência de que uma nova maioria monocolor seria negativa para o País. As maiorias monocolores democraticamente eleitas podem alhear-se do aprofundamento da democracia e podem gerar efeitos astuciosos redutores ou retardadores da resolução dos grandes problemas do País. Uma maioria absoluta monocolor seria, aliás, extremamente perversa para o presidente reeleito, podendo colocá-lo numa posição difícil para exercer, adequadamente, as suas funções enquanto «presidente de todos os portugueses».
Um presidente que, queira ou não - e queiram ou não os analistas políticos-, será foiçado a modificar, radicalmente, a filosofia, o estilo e os comportamentos assumidos no primeiro mandato; um presidente que terá de ser mais actor que espectador, que terá de ser o expoente da consciência colectiva dos Portugueses no difícil momento de transição para a união política e para a união económica e monetária; um presidente que terá de estimular os ajustamentos e reformas estruturais de que o País tanto carece na educação, na formação profissional, na investigação e desenvolvimento; um presidente que terá de empurrar o processo de regionalização, fomentando os consensos e optimizando as energias necessárias; um presidente que não poderá descurar os problemas ambientais e que deverá promover a reforma do Estado e da Administração Pública; um presidente que terá de ser um gestor de conflitualidades, um pólo das convergências nacionais, e não a personificação de consensos de conveniência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é esta a leitura que fazemos do exercício das funções presidenciais. Não basta assegurar a legalidade e o normal funcionamento das instituições democráticas. É preciso que o País mude.
Esperamos que. no seu segundo mandato, o Presidente da República assuma, claramente, as suas funções constitucionais com a coragem e a tenacidade que se lhe reconhecem.

Aplausos do PRD.