1 DE MARÇO DE 1991 1565
A Sr.ª Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado se inscreveu para pedir esclarecimentos, vou dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Álvaro Dâmaso.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Pelo que vejo. a discussão de uma necessária lei que estruture e organize o sistema de planeamento nacional está a chegar ao fim. Trata-se de uma tarefa que devemos executar, em primeiro lugar, em obediência ao preceito constitucional que comete ao Estado a incumbência prioritária de criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia.
Pormenorizada como é neste domínio a Constituição, depara-se-nos uma tarefa com muitas balizas e a dificuldade de poder ter de repetir, em muitos preceitos, a Constituição. Basta percorrer, com um pouco de atenção, as várias disposições que a lei fundamental dedica à matéria de planeamento, para se ficar a saber quais os princípios, os objectivos, a estrutura, a orgânica, os procedimentos, as regras de controlo por que se hão-de reger os planos depois da II Revisto Constitucional.
Especificação constitucional (ou balizas) que não retiram, com certeza, significado à discussão da presente proposta de lei nem impedem que a iniciativa legislativa tenha ou possa vir a ter um conteúdo inovatório e claramente útil quanto aos desenvolvimentos que se façam dos preceitos constitucionais atinentes.
Estamos, portanto, perante uma lei vinculada para a qual, em nossa opinião, a Constituição define um conteúdo mínimo.
Veja-se que a Constituição elenca, entre as incumbências prioritárias do Estado, um acervo de princípios - o crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões; a plena utilização das forças produtivas; a justa repartição individual e regional do produto nacional; a preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico - assim como fixa, como objectivos, a promoção do crescimento económico, a coordenação da política económica com as políticas sectoriais, designadamente a social, educacional e cultural, a defesa do ambiente e da qualidade de vida. Completa-se o modelo constitucional, com a definição imperativa de uma certa orgânica e estrutura jurídica, espacial e económica para os planos, a vinculação destes ao Programa do Governo, a fixação de procedimentos para a sua elaboração e execução, que terão de ser participados e descentralizados!
Não se pode deixar de ver no conjunto de disposições que, de forma sintética, acabo de referir, um conteúdo mínimo necessário para uma lei genérica sobre o sistema do planeamento.
A II Revisão Constitucional operou um grande número de alterações nos preceitos respeitantes ao planeamento que se traduziram em significativas modificações, com especial incidência quanto à natureza jurídica a alcance dos planos.
Assitimos hoje a uma tentativa de desvalorização da revisão constitucional, possivelmente com o objectivo de que se venha a recuperar, em termos de lei ordinária, algumas disposições que se perderam da Constituição.
De resto, intervenientes na própria Comissão Eventual para a Revisão Constitucional tiveram o cuidado de, logo na discussão, desvalorizar as alterações produzidas e de dizer quais as questões que ficavam em aberto para serem discutidas na lei ordinária. Estamos perante esta atitude programática da oposição para, desvalorizando o conteúdo da revisão constitucional, tentar obter aquilo que não conseguiram na revisão constitucional.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador:- De resto, a I Revisão Constitucional já havia iniciado esse caminho e esbatido o «finalismo socialista originário», consolidando um sistema económico mais aberto, mediante a clara atenuação da directiva constitucional de tomar dominante o sector público socializado e da redução de algumas obrigações constitucionais de intervenção na economia.
A Revisão Constitucional de 1989, neste domínio, foi bastante mais longe na instauração de um sistema de planeamento inserido numa economia de mercado, de preferencia pela concorrência e de liberdade da empresa.
Na Revisão Constitucional de 1989, o Plano perde a sua natureza de «super fonte de direitos e de obrigações», o seu carácter imperativo, o seu sobre-valor de instrumento de disciplina, de orientação da organização económica e social do Pais. de garante absoluto do desenvolvimento, que. em boa verdade, nunca chegou a ser na prática. Perdeu o caracter de disciplinador mas ganhou a mais consentânea, moderna e adequada natureza de instrumento de desenvolvimento e de modernização da nossa sociedade. Dizia o deputado Almeida Santos, aquando da discussão da II Revisão Constitucional, precisamente na parte respeitante ao sistema e orgânica do planeamento, que lhe parecia que o Plano não disciplinava nada e que a sua função era fundamentalmente a de prever, e logo acrescentava que «a ideia de disciplina não desposa numa economia baseada nas leis de mercado». No mesmo momento e no mesmo sentido, o deputado Rui Macheie definia a posição do PSD, sublinhando que a proposta visava dar aos planos as características «de planos de desenvolvimento e não de planos que orientem e disciplinem a actividade total do País», independentemente de estarem ou não ligados a uma ideia de desenvolvimento económico e social. Foi este o sentido da revisão constitucional, em matéria de organização económica e de planeamento económico.
Não pretendo reeditar aqui a discussão ocorrida quando da revisão da Constituição, porque não é disso que se trata neste momento, mas simplesmente fundamentar o alcance da revisão constitucional em matéria de organização económica, para que se possa perceber correctamente o sentido das alterações operadas, que foram várias e não ouvi aqui hoje a oposição referir-se a elas: aboliram-se as expressões ideológicas dos artigos 1.º e 2.º da Constituição, assim como p princípio da irreversibilidade das nacionalizações; eliminou-se o principio de que o plano ou os planos deviam orientar, coordenar e disciplinar a actividade económica e social do País. como também garantir o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, concepções que a realidade não sufraga (o Plano hoje não é a garantia mas o contributo para isto); como se suprimiu o princípio da obrigatoriedade dos planos, que não se coadunava com o funcionamento de uma economia mista e aberta, conceito muito repetido durante os trabalhos da revisão constitucional; como se aboliu o plano de longo prazo que. aliás, nunca foi apresentado e discutido no nosso país; acabaram as regiões-plano, que nunca chegaram a ser uma realidade; acabou o Conselho Nacional do Plano, estrutura pesada e pouco participativa como parece ser a oposição dominante.
Com efeito, reduziu-se o peso a omnipresença da planificação na economia global e, por conseguinte, o poder