1912 I SÉRIE -NÚMERO 59
inflamadas alusões a um diálogo (que não existe além da epiderme de estratégias pseudo-astutas), haja quem ponha de véus por terra a nudez de uma conduta que se pretendeu o traço de ruptura com o passado e a expressão de uma desconhecida vocação de grandes ousadias? A resposta é, no entanto, simples: os critérios de subsidiação do teatro independente - que quase menosprezaram posições unânimes da subcomissão própria que opera nesta Casa - revelam-se claramente desajustados, discriminatórios e até nepotísticos; os magros aumentos de verbas destinados às companhias quedam-se aquém dos mínimos exigíveis, por contraposição às que se gastam em projectos infecundos, ostentatórios, incapazes de se reproduzirem em actividades duráveis; frustram-se os apoios, em termos de instrumentos elementares de trabalho, aos encenadores, actores, dramaturgos e demais agentes do espectáculo teatral; uma opção pela prebenda ocasional e pelos prémios em quadras de conveniência política é antagónica das exigências quotidianas de uma intervenção em que urge viabilizar a livre criatividade. Os aplausos veementes, na cidade de Évora, às acusações dirigidas à SEC foram, na realidade, uma longa pateada dos Portugueses aos procedimentos de uma política sistemática e implacavelmente dirigida contra a cultura, sejam quais sejam as figurações -um tanto risíveis - em que se traveste.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E boa parte dos concidadãos (eleitores ou absentistas) ignora as dimensões da crise: a prática do secretismo por mil modos iníquos principiou antes do ensaio, no hemiciclo, da lei-ostra que o PSD não fará vingar.
Um exemplo de extrema gravidade. O IPPC celebrou, em Janeiro, um acordo com uma empresa de artes gráficas, sem prévio concurso público, que se traduz, basicamente, no seguinte: a entidade comercial privada procederá à divulgação do património mediante publicações sobre a história dos palácios e mosteiros, as quais servirão de roteiro aos nacionais e estrangeiros que os visitam. A tipografia - que deterá os direitos de propriedade das obras - não depara com quaisquer limites de acesso gratuito a gravuras, fotografias, arquivos e documentação sob custódia do Instituto, constituindo-se na obrigação de colocar as edições nos seus postos de venda com a contrapartida de 30 % do preço de capa. Ou seja, Sr. Presidente, Sr. Deputados: funcionando como distribuidora, a rede orgânica do IPPC percebe apenas o correndo desconto de livreiro... Que dirão de tal mostruário de obscurídades e proteccionismos os editores? Como pode, numa administração submetida a regras de legalidade e transparência, lavrar-se pactos leoninos como este sem que ninguém seja cominado com as sanções, de diversa índole, que se justificam? Como replicarão os senhores parlamentares que suportam o Governo ao escândalo, sabendo - tendo obrigação de saber! - que, ao investigador que necessita da reprodução de um espécime, de entre os mencionados, se ergue um calvário de entraves e a espada impenitente de uma taxa?
Não é esta, decerto, a forma escorreita e sensata de o IPPC lutar contra o desmantelamento que o ameaça, se mantém em curso e recobre de erros, intrigas, abandonos e casos quase de polícia. Reduzido à tutela do património edificado, com largo espectro de inércias e desprestígio, e, por enquanto, da arqueologia, esfera assolada por um vendaval de medidas incompreensíveis (como o encerramento das estruturas regionalizadas e descentralizadas), viu-se esvaziado de competências e em prolongada véspera de inanição. Após o fim do Departamento de Etnologia, com a estação de um ente paralelo, após a autonomização dos arquivos e bibliotecas, após a Lei Orgânica que retomou esqueletos funcionais obsoletos e fragmentou os serviços, o IPPC vive a indefinição e a penúria, o desacerto e a experimentação de gestões desastrosas, o silenciamento e o pesadelo. À dinâmica de fundo substitui-se o casuísmo sem norte, à qualificação técnica a impreparação arrogante de comissários em lugares de chefia, à anomia decisória a proliferação de minúsculos mandarins. E tudo isto, claro, na moldura de um orçamento garroteante que gerou absurdos como o de Agosto de 1990: não havia um tostão para o exercício normal das funções, no aparelho central como nas unidades museológicas, mero epifenómeno de uma doença que não poupou nenhuma das dependências da SEC. Os quantitativos consignados para 1991 não inflectiram a marcha da máquina desconjuntada...
Entretanto, surge em cena o Instituto de Museus. Alguém, em bom rigor, se apercebeu do que será ele? Relerá na sua dependência 48 museus, o José de Figueiredo, a Escola Superior de Conservação e Restauro e o Arquivo Nacional de Fotografia.
Afigurar-se-ia uma esperança: é, contudo de temer o sobressalto a curto prazo!... Os palácios, pasme-se!, ficam fora da alçada do Instituto! Interroguemo-nos: quem coordenará as suas actividades, cuidando do recheio e da promoção vivificadora, típicas como são da intervenção museológica? Depois das pugnas que foram inevitáveis para os retirar da abstrusa sujeição ao Ministério das Finanças, aguardam um estatuto correcto, inconfundível com a reposição de velhos conceitos que os cindiam do sopro humanizador de um adequado tratamento voltado para a fruição popular.
Por outro lado, inchando em proporção idêntica à dos dinheiros infundidos no Conjunto Monumental de Belém, pairam dúvidas e inquietações sobre o que levou à anulação da compra do terreno da Ajuda, com fumos de áspera lesão do interesse do Estado. Um dia, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Assembleia da República terá talvez que esclarecer, por drásticos mecanismos regimentais, o que se esconde por detrás do que parece não ser mais do que um diferendo com o anterior presidente do IPPC...
A face dilacerada do real aí está: museus e palácios, num estado calamitoso, greves que merecem total solidariedade por parte dos trabalhadores que reclamam faculdades adquiridas e condignas melhorias do panorama em que se movimentam, e, noutra vertente, o jorro incontrolado de montantes para o Centro Cultural da era laranja, elefante majestático no coração de clamorosas carências, as alardeadas comemorações pomposas dos 250 anos do l.º de Dezembro, em Vila Viçosa, ou as co-produções de lustre não rendíbil, sorvedouro de despesas sem proveitos para o futuro da arte em Portugal.
É pertinente chamar à colação uma amostragem significativa das opções que importa combater com firmeza.
O Rapto do Serralho, de Mozart, será gravado pela Deutshe Gramophone no São Carlos, mediante protocolo em que a participação da Secretaria de Estado da Cultura não é dispicienda. A orquestra é inglesa; ingleses são os cantores... O empório discográfico será, imediata ou enviesadamente, agenciado pela pobre pecúnia lusa... Por que não o inverso disto, Srs. Deputados? Uma orquestra nossa, uma oficina músico-teatral nossa produzindo realizações de qualidade insonegável, registadas e postas a