3 DE ABRIL DE 1991 1913
circular aqui e nas latitudes que embasbacam certos governantes? Com espólios diversificados, os dos compositores que são uma glória da memória gregária que não traficamos e os dos que, para deleite da humanidade, pertencem a todas as pátrias? O Ballet Gulbenkian já assim opera. Quando o descobrirá o executivo de Cavaco Silva?
Falamos de música. Em múltiplas diligências, alertámos para o que ocorre e se prepara no São Carlos. A luta de instrumentistas e do corpo de bailarinos, inteiramente aplaudível, não deixa de apontar a dedo um ríseo que causa calafrios: a tentativa de transformar esse Teatro Nacional num entreposto financiador de empreendimentos importados da vasta Europa, da América, de onde quer que calhe no mundo desfronteirizado; sem companhias residentes, porém. Ou seja: o reabilitar de uma cultura ornamental, de episódica e elitista representação, com francos vistos de entrada e nenhuns de saída, que fez a gala dos idos da ditadura. Não será, a essa luz, curial recordar que, enquanto, em Paris, desde longa tradição, uma ópera só podia exibir-se desde que o libreto e o canto se exprimissem na fala de Rimbaud ou Baudelaire, Salazar, entre nós, preferiu sempre os fogos-fátuos de apeadeiro e o italiano como veículo de textos a interpretar, mesmo que escritos por autores portugueses.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Abundam, num breve corte transverso como o que executo, as interrogações exigindo explicação tempestiva e fundada. Eis algumas ainda: primeira, que fez o Dr. Santana Lopes do protocolo sobre o Fundo Bibliográfico, assinado, em Novembro do ano derradeiro, com o Ministro moçambicano Luís Bernardo Honwana?
Segunda, quais os resultados garantidos e a activar do esforço monetário para a cooperação cultural com a África lusofalante? Emaranham-se ou não os bloqueamentos administrativos, as contraditórias orientações de despesa dos não exuberantes 140 000 contos afectados?
Terceira, que actuações para a defesa e promoção da língua e literatura portuguesas além fronteiras, designadamente no território europeu e no dos PALOP? Efectivar-se-ão ou não as previstas feiras do livro em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, nas outras capitais africanas, para que haveria de voltar-se a nossa primordial atenção?
Quarta, facto que a administração do São Carlos, à revelia da Lei da Greve, impôs descontos aos músicos, nos arredores da apresentação do Rinaldo, de dias de laboração inequivocamente prestada?
Quinta, que providências serão accionadas -embora com lastimável atraso já- para resolver o contencioso com os bailarinos da CNB, que, com inegável razão, se balem pelo reconhecimento, para todos os efeitos legais, do condicionamento de rápido desgaste das suas carreiras, debilmente remuneradas e subaproveitadas, uma vez que nada se ensejou com vista a um número não diminuível de 100 espectáculos por temporada?
Sexta, é ou não incontestável que o leviano encerramento do Conservatório Nacional de Música deu lugar a uma escola superior formada sobre esteios de incerteza e à custa de professores recrutados à margem de exigências pedagógicas sérias, assim se degradando o ensino e desprevenindo o futuro?
Sétima, como se aceita a imposição irrealista da conclusão do Inventário Nacional dos Bens Imóveis até 1992, quando inexistem quantias de maneio que não sejam de vergonha e um pessoal técnico qualificado? Que se pretende? O holocausto dos bibliotecários, arquivistas e museólogos, com a decorrente paralisia dos organismos a que estão adstritos? O destacamento de professores sem especialização, sob coordenação, por vezes, de técnicos auxiliares, é um dislate. E os 7500 contos, fruto da boa vontade da Fundação Oriente, para tal programação, não prefiguram sequer um bago de uva... Insisto: Que se pretende? Substituir a serenidade e a precisão pelo afogadilho imeritório, num rasgo obsoleto da falaciosa ineficácia?
Oitava, por que martela a Secretaria de Estado o mesmo ignaro prego de obrigar as bibliotecas destinatárias do depósito legal a suportarem os portes, pulverizando as magríssimas disponibilidades com que sobrevivem à pobreza tentacular e hostilizando a unânime opinião de quantos não aterraram na actividade cultural por uma equívoca manhã de nevoeiro?
Nona, diante da quase ausência de estímulo à edição dos jovens, da iniquidade que é o Estatuto dos Benefícios Fiscais para numerosos criadores marginalizados, do apego, no plano do direito de autor, a posturas fossilizadas, que discurso profere o Governo? O discurso do pântano, sem luzes nem credibilidade. Euforiza-se com o mamute de ao pé do Tejo mas deixa à míngua a DGAC (Direcção-geral de Acção Cultural), a cujos préstimos desejam, lidimamente, recorrer os agentes de animação e vitalização do nosso acervo multimódico. Invoca São PRODIATEC, como alguns Santa Bárbara quando troveja, mas cruza os braços ante a utilização dos seus fundos preferencialmente para fomento do turismo. Convida, como se disse, num serôdio sensacionalismo sem lastro fecundante, companhias de renome internacional para meteóricas passagens nas nossas salas, mas faz vista grossa ao estertor que corrói as fortificações das Linhas de Torres, gritando por salvaguarda célere.
Já nem me reportarei, Sr. Presidente, Srs. Deputados, às políticas de nomeações e desnomeações, 15.as escolhas, apostas desconexas, demissões e conflitos. Santana Lopes ocupa, nos ecrãs da televisão e nas colunas da imprensa como nas peças de informação radiofundida, uma posição tristemente célebre.
Associado à polémica infértil e à decisão desconsoladora, falhada, portadora de confrontos sucessivos, merceria, ainda assim, ser guindado, entre os seus, aos mais lustrosos poderes. A tal desconchavo chegou o mexicanismo à PSD... Mereceria, com efeito: executor pertinaz de uma política anticultural, retrógrada e semeadora de feridas que por longo tempo sangrarão. Só que, para geral ganho e melancólico devir dos sonhos decepados da maioria, o meridiano de Outubro aproxima-se. Com ele, está lançado um repto metamorfoseador decisivo a quantos, de maneira consequente, se opõem ao desgoverno de que aqui se delineou um esboço. Impor-se-á mudar radicalmente de métodos, direcções e políticas. Para que a cultura não seja um pasto de incongruências perigosas que a negam, e sim a voz plural, estuante e crítica, do povo, na sua busca da justiça e da harmonia para todos e cada um.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-presidente José Manuel Mala.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes, na lista negra que apresentou resultante da política cultural do Governo, fez uma referência indispensável às fortalezas das Linhas de Torres.