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3 DE ABRIL DE 1991 1923

(cooperativas e pequenos agricultores) - vão ter acesso, sem excepção, em condições de igualdade, ao novo regime que o Governo diz pretender estabelecer.
A verdade é que o Sr. Secretário de Estado no seu discurso só fala em agricultores, não referindo as cooperativas nem os pequenos agricultores. E são estas expressões, cooperativas e pequenos agricultores, que estão clara e explicitamente inscritas no artigo 97.º da Constituição.
Portanto, também por esta via, o pedido de autorização legislativa, confirmado pelo próprio Sr. Secretário de Estado, viola claramente o texto constitucional.
Mas outras questões se levantam: onde estão os mecanismos de acesso a financiamentos especiais, que, como disse, o Sr. Ministro tinha prometido em Junho do ano passado, para que os actuais rendeiros possam comprar a terra? Mesmo com os valores ou com o critério que o Sr. Secretário de Estado aqui anunciou, a verdade é que o valor do hectare de sequeiro rondará os 200 ou 300 contos; o valor do hectare de regadio rondará os 800 contos; e mais, calculando-se que os 50 000 ha de terra, de que o Governo fala, ascendam a qualquer coisa como cerca de 15 milhões de contos, a pergunta é clara: onde está a cooperativa e o pequeno agricultor com condições financeiras para tão vultoso encargo? É, no fundo, uma nova versão, mal escondida, do que aconteceu com as terras dos conventos, dos mosteiros e das colegiadas expropriados durante a revolução liberal e adquiridas por aqueles que vieram a formar os latifúndios que chegaram até aos nossos dias, sem ter havido, na prática, qualquer alteração da estrutura fundiária.
Seria bem melhor que, de uma vez por todas, o Governo e os senhores do PSD dessem a cara e falassem a verdade. Digam o que lhes vai na alma e o que é que realmente representa esta proposta de lei. Tenham a coragem de dizer que não querem as cooperativas, que não vêem futuro para os pequenos agricultores e que, por isso, querem-nos deitar borda fora reconcentrando toda a terra, como têm vindo a fazer, nas mãos dos grandes terratenentes. Digam que em Portugal a agricultura é só para os grandes e muito grandes, para as companhias de celulose, para os empresários com acesso aos corredores do poder e da banca. Digam, como aliás o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação disse em 1989, que o que seria fundamental para Portugal é criar um núcleo duro de empresas de grande dimensão que sobrevivessem no mercado comum, estando todas as outras -a quase totalidade - condenadas a desaparecer.
Mas tudo isto para quê? Com a política de privatização de toda a terra expropriada e nacionalizada, abriram-se as portas a uma agricultura alentejana e sul ribatejana próspera, moderna e eficaz? Temos hoje explorações agrícolas competitivas, prontas a contribuir para reduzir a dependência alimentar do País e intervir com sucesso no mercado externo? Criou-se uma nova classe de empresários agrícolas? Os pequenos agricultores têm acesso a explorações racionalmente dimensionadas e a mecanismos de financiamento e de mercado? Os trabalhadores agrícolas encontram hoje melhor emprego? Há maior justiça social nos campos?
Como todos sabemos, nada disto aconteceu com o processo de destruição da reforma agrária. Há pouco, aliás, o Sr. Secretário de Estado nem sequer conseguiu rebater nenhum dos números que o meu camarada Rogério Brito avançou na pergunta que lhe colocou.
Na verdade, perdeu-se a dinâmica introduzida pelas transformações operadas na estrutura fundiária; frustraram-se as expectativas de trabalhadores e pequenos agricultores; enfraqueceu-se a ligação do homem à terra.
Nos últimos 10 anos, o valor acrescentado bruto agrícola do Alentejo diminuiu, em termos reais, a uma média de 2 % ao ano; dos 60 000 ha passíveis de serem regados pelos perímetros de rega, estão aproveitados somente 45 %. Esta é a prova de que a política de liquidação da reforma agrária que o Governo tem prosseguido não tem correspondido a nenhuma alternativa de aumento da produção, de criação de emprego e de desenvolvimento das condições de vida.
Quem hoje visita as aldeias do Alentejo verifica que se perderam, em muitos casos, as novas perspectivas e a nova dinâmica rasgada pelas cooperativas. Mas não se perdem- podem estar certos - nem a esperança e a confiança numa sociedade nova, solidária e justa, nem a perspectiva clara de que os responsáveis de tal situação são particularmente o PSD mas também as políticas agrícolas de governos de variados matizes e colorações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é necessário criar no País, em particular no Sul do Ribatejo e no Alentejo, uma estrutura agrícola diversificada, onde haja lugar para trabalhadores e agricultores e para cooperativas e explorações individuais e familiares; uma estrutura agrícola dinâmica que esteja em condições de dotar o País da produção agro-alimentar necessária a garantir um nível razoável de segurança alimentar. Os trabalhadores, os pequenos agricultores e o sector cooperativo da reforma agrária têm de ser necessariamente uma componente dessa estrutura.
Não é este, contudo, o caminho que o Governo e o PSD teimam em trilhar, como o atesta esta proposta de lei e toda a sua política agrícola, uma política de clientelas e de navegação à vista com um ministério à deriva.
Continuamos, aliás, à espera da «proposta de lei de bases do fomento agrário e das estruturas agrícolas» que o Sr. Ministro anunciou que apresentaria até final do ano passado.
Impõe-se, sim, com urgência mudar o rumo do Governo e da sua política agrícola; impõe-se rejeitar este pedido do Governo.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.
Volto, porém, a pedir o favor de utilizarem parcamente a figura regimental das reacções contra a ofensa da honra ou consideração.

O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: -Sr. Presidente, creio que este caso de utilização da referida figura regimental é plenamente justificado.
De facto, já me vou habituando às calúnias que são perpetradas em determinados órgãos da comunicação social, com objectivos e origens bem determinados, mas não deixa de ser lamentável que igualmente, no uso do Estatuto dos Deputados, se veiculem esses ataques absolutamente infundados.
Como deputado eleito pelo círculo de Évora, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem obrigação de conhecer os factos, de conhecer sobejamente a minha família e de saber que não aceitamos lições de honradez da parte de ninguém.