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1928 I SÉRIE -NÚMERO 59

mente, mal, porque recorre a uma autorização legislativa e, infelizmente, tarde, porque já podia ter feito isto há muito tempo.
Formalmente, tenho dúvidas -embora, não mais do que isso - sobre se esta lei não teria de ser uma lei quadro, a lei quadro prevista no artigo 85.º, n.º l, da Constituição da República, e, como tal, teria de ser aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, sendo indelegável através da via da autorização legislativa. E isto porque o facto de se chamar expropriação àquilo que foi uma verdadeira nacionalização, com todos os matizes de uma verdadeira nacionalização, e até o facto de a expropriação ser uma forma de nacionalização de terras, faz com que isto seja abrangido pela exigência do artigo 85.º que fala na privatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção. Ora, a terra é um meio de produção. Se vier a entender-se isto, a constitucionalidade de todo este processo poderá vir a ser questionada. Não tenho prazer algum que isto venha a acontecer, mas corremos esse risco.
Por outro lado, existe aqui um outro aspecto, já focado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, de duvidosa constitucionalidade. É que a Constituição tem uma filosofia, um espírito e até uma letra. E a letra da Constituição diz que «as terras serão entregues» - não se diz «podem» mas, sim, «serão», o que é um imperativo! - a pequenos agricultores, a cooperativas de pequenos agricultores, ele. Ora, o Governo parece propenso a reduzir tudo isto a arrendatários e concessionários! Não sei se equivalerá à mesma coisa, o Sr. Secretário de Estado o dirá ... Mas se uma coisa não coincide com a outra, há uma desprotecção de gente que a Constituição quis proteger e as garantias proteccionistas previstas na Constituição não são fáceis de arredar por políticas conjunturais dos governos. Portanto, existem aqui estes dois aspectos para cuja constitucionalidade chamo a atenção do Sr. Secretário de Estado, para que o Governo faça uma ponderação sobre estes assuntos, se é que entende que o deve fazer.
Se fosse assim, ou seja, se tivesse de ser uma lei quadro, não só teria de ser elaborada por nós como - estando embora afastada a regra do concurso por natureza das coisas, uma vez que na parte agrícola isso parece estar manifestamente de fora - não estaria excluída a necessidade de o diploma conter normas relativamente ao destino das receitas, o qual teria de ser, evidentemente, idêntico ao produto de todas as privatizações.
Creio que é muito estranho prever aqui uma venda de terras e não haver uma palavra sobre o destino das receitas. O que é isto? Estamos aqui a fazer um orçamento suplementar, a arranjar um «saco sem fundo»? Temos de dizer alguma coisa sobre isto! Peço ao Sr. Secretário de Estado que «meta na cabeça» do Governo que também tem de se preocupar com este aspecto.
Em matéria deste melindre, em que a maioria vai, com certeza, insistir em aprovar a autorização legislativa que lhe é solicitada - seria a primeira vez que o não faria! -, é normal que a Assembleia da República ache exígua a definição dos aspectos essenciais da matéria a focar. Em meu entender, a lei de autorização legislativa está longe de balizar suficientemente a lei cuja autorização se pede a esta Assembleia que dê. Desta vez o Governo fugiu a apensar ao pedido de autorização o anteprojecto - e isso já foi aqui realçado-, o que também foi pena.
É claro que também tenho uma explicação para este facto. É que o Governo deve ter reunido e dito: qual o «número eleitoral» que vamos fazer esta semana? Como não tinha nenhuma outra matéria para agendar em Plenário, resolveu apresentar um pedido de autorização legislativa para a privatização das terras da reforma agrária. Claro que não tinha - e ainda não tem! - nenhuma ideia de qual seria essa lei e, assim, arranjou este pedido de autorização legislativa reduzido a três ou quatro elementaridades, o que explica a escassez de informações sobre a futura lei.
É esta a explicação que tenho! Sc não é esta, Sr. Secretário de Estado, não se melindre porque, como é óbvio, pode ser qualquer outra.
O Governo pede 90 dias. Ora, daqui a 90 dias a Assembleia da República está fechada e, portanto, não irá haver qualquer ratificação mas, sim, um bom show eleitoral de entrega de terras!... Não tenho a menor das dúvidas a esse respeito!
Outro aspecto técnico é este: o Governo não explica o que significa a expressão «venda e entrega de propriedade aos concessionários e arrendatários». O que significa este se»? Quer dizer que a entrega não é a venda? Pode haver uma figura de entrega sem venda? Tudo se reconduz à venda? Qual a diferença entre entrega, que é a expressão constitucional, e venda? Será que o Governo só concebe a venda ou também, em certos casos, a entrega gratuita ou por preço simbólico? O problema é que depois verificamos que o preço é, no fundo, apurado em termos de mercado, daquilo que as coisas valem! É uma transferencia remunerada, em que se diz aos arrendatários e concessionários o que as terras valem em termos de preço de mercado. É, no fundo, o valor correspondente à sua rentabilidade em lermos de mercado. Creio que será isso.
Ora, gostaria que o Governo tomasse em conta que a Constituição pensou nesta entrega, mas não, necessariamente, em termos mercantilistas. É correcto afirmar «quem pode, deve pagar», mas creio que deve haver um limite. E esse limite, Sr. Secretário de Estado, é este: como é óbvio, o Estado não deve cobrar das pessoas a quem vende as terras mais do que aquilo que pagou por elas. Em relação a isto, há, na verdade, uma garantia de uma relativa modicidade, porque se o Governo receber mais daqueles a quem vende as terras do que aquilo que pagou por elas, é o primeiro e o mais responsável dos especuladores. Isto não pode acontecer e espero que o Governo também não se esqueça disso!
Por outro lado, a Constituição não refere apenas «entregar». Diz que se deve entregar a quem é pequeno e médio e que o Estado tem de auxiliar essa gente. Auxiliar como? Cobrando-lhes o preço justo? Isso não é auxílio nenhum! Parece que deveria haver aqui linhas de crédito especiais, não bastando, evidentemente, a recondução do pagamento às 10 anuidades.
Digo isto porque pode acontecer que não se tome em consideração a rentabilidade da terra, como aqui se diz, mas, sim, o agregado familiar do arrendatário ou do concessionário. Este, às tantas, pode dizer «gostava de comprar, mas não tenho dinheiro. Tenho 10 filhos, um deles a estudar, e o dinheiro de que disponho é o suficiente para matar a fome à minha família. Façam-me o favor de dar a terra a um grande agrário, porque eu não tenho a mínima possibilidade de comprá-la».
O que proponho é que se considere um preço social, portanto não apenas contabilístico, que, em alguns casos, possa ir, inclusivamente, ale a um valor simbólico.