10 DE MAIO DE 1991 2463
Mas, Sr. Secretário de Estado, a sua admiração é também a minha, embora tenha para ela uma explicação. De facto, Sr. Secretário de Estado, em relação a esta matéria, já há muitos anos que muita gente tem andado distraída e só a coragem de algumas pessoas, entre as quais se inclui o Sr. Secretário de Estado, conseguiu acordar essa gente. O mesmo fizemos nós hoje aqui, pois muitos dos que nos criticaram, e que hoje já fizeram aqui alguns indignos apartes, andavam também eles distraídos, e só hoje de manhã é que se aperceberam de que esta matéria nunca tinha sido objecto de interpelação na Assembleia da República. Isto é um lacto indispensável, que deve ser tido na devida consideração.
Devo dizer-lhe também que isso me causa alguma apreensão, porque provavelmente o País não vai tirar o devido proveito desta nossa iniciativa. Com efeito, não está aqui em jogo nenhum pseudo- escândalo. não está aqui em jogo o Centro Cultural de Belém ou a propaganda feita pela Câmara Municipal de Lisboa ou qualquer outra coisa do género porque, se estivesse, seguramente que esta matéria já teria sido discutida há mais tempo.
Entendem muitos que isto não é política nem eleitoralmente rentável. Tenho as minhas dúvidas! Mas, Sr. Secretário de Estado, gostaria apenas de deixar esta nota: o ciúme político é mau conselheiro! Outros gostariam de ter tido a imaginação e o alerta que os levasse a tomar a iniciativa que aqui hoje tomámos, mas não o fizeram, e, como já disse, o ciúme é mau conselheiro, sobretudo quando estão em causa os verdadeiros interesses nacionais e o futuro de Portugal no que diz respeito à cooperação de Portugal com os PALOP nas próximas décadas.
Entrando, agora, directamente nas observações que gostaria de fazer à sua intervenção, começo por dizer que, em minha opinião, ela centrou-se mais sobre os aspectos do passado numa avaliação daquilo que tem sido a política do Governo. Evidentemente que isso não lhe fica mal, mas gostaria também que nos tivesse revelado a política futura do Governo relativamente a esta matéria. Ou seja: quais são os instrumentos que o Governo pretende utilizar? O que é que o Governo vai fazer relativamente à cooperação multilateral? O que é que o Governo pensa relativamente a algumas das propostas que nós aqui avançámos?
Na verdade, esta mataria preocupa-nos. O Sr. Secretário de Estado avançou com alguns números, naturalmente fazendo apelo aos gastos com a cooperação, mas gostaria de dizer-lhe que também já fizemos contas e já reflectimos sobre esta matéria e avaliámos o que tem sido a política do Governo relativamente, por exemplo, à utilização dos recursos financeiros e humanos. Chegámos, entretanto, à conclusão de que, não obstante os números que o Sr. Secretário de Estado referiu para este ano, os gastos com a cooperação, em termos reais, são inferiores aos que se verificaram em alguns dos anos anteriores. Por outro lado, em termos de recursos humanos, é muito elucidativo o facto de hoje o número dos nossos cooperantes estar reduzido a 50 % do total que existiu no passado. Isto é um facto real sobre o qual devemos reflectir.
Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, V. Ex.ª também não abordou -penso eu- uma área que, em meu entender, é fundamental e que necessita de algum enquadramento. De facto, no nosso país, temos assistido a algumas iniciativas isoladas de algumas organizações no sentido de obter donativos e contribuições para o ataque à fome que existe em vários países, nomeadamente em Angola. Ora, penso que estas acções têm de ser coordenadas com base na nossa experiência. Não basta arranjar géneros alimentícios ou vestuário, é preciso distribuí-los e sobretudo, é preciso dar o nosso apoio a algo que, provavelmente, só nós é que sabemos como se faz, e que é o comércio interno em países como Angola e Moçambique. Mais ninguém no mundo teve a experiência que tivemos.
Para falar, de facto, em processo de democratização, que traz consigo, naturalmente, a abertura política, a desconcentrarão e uma forma de regionalizar a economia, é necessário que Portugal também leve a experiência, com a sua humildade, partindo da figura do velho cantineiro, para esses países, porque é disso que esses países precisam, em termos de uma organização funcional no sector do comércio. Temos nisso uma grande responsabilidade e temos gente que sabe muito sobre essa matéria. Não basta arranjar alimentos e vestuário, é preciso dar uma contribuição para organizar funcionalmente o comércio.
O Sr. Presidente:-Sr. Secretário de Estado, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - No fim. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, depois de o ouvirmos poderíamos dizer que vivemos num mar de rosas no campo da cooperação. É evidente que V. Ex.ª sabe como todos nós sabemos, que não é assim, basta falar com cooperantes, com os agentes económicos e também com as embaixadas e com os governantes dos PALOP.
O Sr. Secretário de Estado declarou que os resultados positivos assentam em bases sólidas e que existe, efectivamente, uma política de cooperação.
O Sr. Deputado Pedro Roseta vem e diz: «Essa política de cooperação já foi apresentada na Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.» E não é apenas num discurso, Sr. Secretário de Estado, nem apenas numa reunião da Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para tratar de questões específicas, nomeadamente sobre Angola, que é exposta uma política de cooperação.
Ao longo dos anos não tem sido apresentada qualquer política de cooperação, nem pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, nem por V. Ex.ª, e se, por um lado, compreendemos alguma dificuldade por parte de V. Ex.ª em fazê-lo, a verdade é que o Governo, em geral, devia apresentar uma política concreta de cooperação e de pôr preto no branco o que existe de positivo e de negativo nessa matéria.
Sr. Secretário de Estado, sei que há casos pontuais, alguns positivos, e V. Ex.ª pode com isso fazer um brilharete- não sou contra isso -, mas o que, efectivamente, há são alguns casos pontuais e pouco mais, como, aliás, facilmente se verificará. Aliás, o seu discurso carece de uma outra apreciação mais profunda, que estamos dispostos a fazer, caso por caso, ponto por ponto, país por país e por sectores.
V. Ex.ª, a certa altura do seu discurso, disse uma coisa que considero grave: «Ultrapassados os traumas da colonização, e sobretudo da descolonizaçao [...].» Sr. Secretário de Estado, para os países africanos não há traumas da descolonizaçao.
Protestos do PSD.