2630 I SÉRIE -NUMEROSO
cional postura de grupos parlamentares e de comissões, foi levado a cabo um importante trabalho de investigação nesta área, o qual acabou por se verificar de maior alcance e utilidade do que seria de supor inicialmente.
O relatório sobre a droga, elaborado no âmbito da Comissão de Juventude, partindo de uma análise suprapartidária da situação actual com a identificação minuciosa dos estrangulamentos verificados no combate ao tráfico de droga, no sistema legislativo e aos vários níveis de prevenção, apontava 28 recomendações plasmadas, posteriormente, num projecto de resolução aprovado por unanimidade no plenário da Assembleia da República.
É forçoso e de justiça reconhecer, porque se trata de um fenómeno raro em grupos etários mais idosos, o empenho dos jovens deputados da maioria em analisar objectivamente a realidade e a coragem que tiveram para confrontar o Governo com a ineficácia das suas acções perante o crescimento exponencial do flagelo da droga em Portugal.
Importa igualmente referir que dessa pressão, que, felizmente, por esta única vez, não partiu isolada das bancadas da oposição, obrigou o Governo a adoptar algumas medidas de carácter organizativo que se entendiam como fundamentais nas recomendações da Comissão de Juventude.
Temos a certeza de que terão ficado com a consciência tranquila, na altura, os Srs. Deputados jovens da bancada da maioria por terem lido. como é seu dever, a coragem de fiscalizar e afrontar o Governo nesta matéria e não encobrir e proteger o Executivo em questões indefensáveis, como se verifica, em geral, nas atitudes adoptadas por essa bancada face às legítimas preocupações da oposição.
Trata-se, pois, de uma questão nacional que exige respeito, moral e ética política e como tal tem sido tratada pelos jovens na Assembleia da República. Esperávamos, pois, que esta atitude se mantivesse e que a proximidade das eleições não conduzisse à instrumentalização da temática, comprometendo hoje confianças e solidariedades geradas durante quatro anos, as quais podem não necessariamente potenciar politicamente os deputados ou os partidos que representam, mas que se revelam de grande utilidade para os jovens e as famílias que, de uma forma ou de outra, se envolveram directamente nas teias da toxicodependência.
Por outro lado, e uma vez que nos encontramos em época de avaliações, é de justiça afirmar que na luta contra a droga o Governo, e por consequência todos nós, saiu vencido em cada um destes últimos anos. Mas, dir-nos-ão: «Nunca como agora se investiu tanto no combate ao tráfico de droga.» Mas a verdade é que o fenómeno alastrou assustadoramente, desmentindo assim a eficácia das medidas adoptadas e conferindo legitimidade às acusações remetidas à letargia do Executivo e aos atrasos irreparáveis na execução das políticas que eram já indispensáveis há quatro anos atrás.
O Governo diz que este ano - em fins de legislatura - o investimento ascendeu alegadamente a 3 milhões de contos contra os 2 milhões em 1990. No entanto, os números disponíveis indicam que as apreensões de droga feitas pela Polícia Judiciária foram muito superiores às dos anos anteriores, sendo de concluir que não foi invertida a escalada exponencial do tráfico e consumo de droga em Portugal, lendo em conta o alegado investimento.
Na verdade, a costa portuguesa, em virtude do laxismo na aplicação dos programas inúmeras vezes anunciados, tornar-se-á a entrada privilegiada para a introdução da droga em Portugal.
O que o Governo pretende fazer na próxima legislatura já todos o sabemos, porque já tivemos a grata oportunidade de escutar a minuciosa enunciação dos planos, mas o que o Governo não fez nos últimos anos responsabiliza-o pelo crescimento exponencial do tráfico e do consumo de droga no nosso país.
Assumir derrotas nesta temática é, de resto, fundamental à mobilização da sociedade para esta guerra sem tréguas. Ao contrário, a inexistência de humildade e a ocultação da realidade conduz à separação das vontades e à dissipação das forças sociais indispensáveis a todos os governos que se confrontam com este flagelo social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A expansão do consumo de droga nos países tecnologicamente mais desenvolvidos é um fenómeno de raízes sociológicas com factores e consequências de desagregação social.
Na verdade, o consumo de drogas não é recente nem original! Apenas as formas, as proporções e os propósitos que esse consumo atingiu são típicos das sociedades contemporâneas.
Nas sociedades primitivas da América do Norte e do Sul o consumo de drogas constituía-se como parte integrante dos rituais dessas sociedades, normalmente com carácter iniciatório e, portanto, como factor de integração social pela confirmação de lendas e tradições ancestrais. Desta forma, os alucinogénios cimentavam os laços sociais e promoviam a manutenção da estrutura social. No fundo, um pouco como o vinho que bebemos, em comum, à hora das refeições.
Com a chegada dos europeus ao novo continente esta situação alterou-se e os alucinogénios começaram a ser consumidos fora das cerimónias iniciativas e, portanto, como meio de alienação social e não como instrumento de integração. Era a resposta à desagregação rápida das estruturas sociais tradicionais confrontadas com um novo sistema de hierarquização e valores trazidos pelos europeus.
Por outro lado, nas sociedades contemporâneas do Ocidente o consumo de drogas tem igualmente estas características, traduzindo-se pelo rompimento dos laços com a sociedade global, com os seus objectivos e valores, sendo um factor de desagregação e de desintegração social.
Por isso, este fenómeno torna-se tão preocupante, pois revela desafectação aos valores e interesses que a sociedade promove, como sejam, por exemplo, a realização pessoal através do trabalho, da família, da religião, da política ou da intervenção e participação social. Mas, para além disso, as sociedades contemporâneas são demasiadamente exigentes para com os seus jovens, tendo em relação a eles expectativas a que não correspondem os meios e as condições básicas de concretização.
É aqui que o consumo exagerado e conducente à desagregação tem raízes sociais profundas: um sistema de ensino obsoleto, desinteressante, massificado e desadequado da realidade; a insuficiência de vias profissionalizantes; a proliferação de meios sócio-económicos degradados; a desagregação dos núcleos familiares; o desemprego e a instabilidade laborai, e a enorme disponibilidade de tempos não produtivos são factores de redução da auto-estima e da propensão para a alienação de uma realidade que, nua e crua, é profundamente desagradável.
Não há, portanto, que ter ilusões! Sem uma alteração radical na forma como a sociedade encara os seus jovens e sem uma aposta efectiva na criação de condições que conduzam a uma sociedade onde seja agradável viver, o consumo das drogas será incrementado.