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18 DE JUNHO DE 1991 3123

Este um quadro de cautelas que esteve sempre presente nos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito que averiguou os «alegados perdoes fiscais» concedidos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Evitaram-se especulações; não se tiveram em conta indícios não apoiados em provas; fizeram-se todas as indagações requeridas; não se deixou de ouvir alguém cujo depoimento tivesse sido considerado relevante; analisaram-se pareceres de consagrados jurisconsultos sobre a matéria objecto do inquérito; prevaleceu entre todos os seus membros o ambiente de cooperação e de isenção na busca dos factos que pudessem fundamentar o juízo que à Assembleia da República compete no âmbito dos seus poderes de apreciação dos actos do Governo e da Administração.
«Quem faz o que pode, faz o que deve». Fez-se o que se podia para saber a verdade, despida de preconceitos políticos, sobre os critérios da administração fiscal usados no tratamento e liquidação de juros e multas resultantes de impostos por regularizar, como, principalmente, sobre o procedimento da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais no denominado «caso da Cerâmica Campos». Fez-se o que se devia!
No fundo, e em primeiro lugar, surpreenderam-se as dificuldades de transição do antigo sistema fiscal, onde as preocupações de justiça quase cediam perante a fria lógica da arrecadação da receita, concretizada no mecanismo da presunção de rendimentos, para o novo sistema orientado por propósitos de equidade e eficácia.
Apesar das modificações introduzidas, a margem de discricionariedade em matéria de exigibilidade de juros moratórios e compensatórios conseguiu ainda sobreviver e carece de uma disciplina jurídica adequada. O sistema fiscal mudou, mas não completamente todos os seus hábitos.
A disciplina jurídica que fixar o grau de discricionariedade deixado à administração fiscal no domínio da gestão dos elementos não essenciais dos impostos, vinculando o administrador tributário a um conjunto legal de critérios, há-de com certeza conceber, num quadro de justiça distributiva, um sistema que permita resolver o crescimento desmesurado das dívidas e contencioso fiscal, com eficácia para a fazenda nacional, sem prejudicar um adequado quadro de garantia dos direitos dos contribuintes.
Não se pode censurar a administração fiscal por não querer - ou por não ter querido - penalizar o contribuinte quando reconheça ter ela própria cometido exageros na liquidação, ler prestado informações deficientes ou ter demorado a prestá-las. Trata-se de um procedimento que configura um acto de apreciação e revisão dos pressupostos da responsabilidade civil para determinação da exigibilidade de juros ou dos pressupostos da verificação de infracções fiscais para efeitos da graduação das multas. Identifica-se mesmo uma praxe generalizada na administração fiscal, bastante antiga neste domínio.
Não se trata de perdão de juros ou de multas - este previsto nas amnistias fiscais ou no diploma das tréguas fiscais (Decreto-Lei n.º 53/88 - Lei n.º 16/86).
De qualquer modo, a fronteira poderá ser difícil de definição, especialmente quando se estiver em presença de liquidações que tenham por base as «famosas» presunções. É essa definição que julgamos não dever ficar no campo de actuação da administração fiscal.
Daí, a necessidade de aperfeiçoamentos legislativos que vinculem a administração a critérios conhecidos quanto à gestão de impostos em situação de regularização para que o princípio do Estado de direito relativo à «igualdade perante todos os actos dos poderes públicos» seja efectivamente respeitado.
Prosseguir a reforma fiscal com este sentido clarificador dos poderes da administração fiscal e de garantia dos direitos dos contribuintes, em matéria de gestão de pagamento de impostos, não é só completá-la como objectivar e credibilizar o relacionamento dos contribuintes com o fisco.
Passemos agora à outra matéria do inquérito: «o caso da Cerâmica Campos».
O caso parece-me ter sido dominado por duas grandes convicções: uma, exterior à administração fiscal, no sentido de que a empresa Campos teria sido beneficiada por um perdão de juros e multas de elevado montante; outra, do próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no sentido de que a referida empresa Campos não teria obtido o resultado económico que os serviços de fiscalização da Direcção Distrital de Finanças de Aveiro, por presunção, lhe imputavam a partir de Fevereiro de 1984.
Veio a apurar-se que ambas as convicções não estavam certas. Nem o despacho de 21 de Maio de 1990 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é um despacho definitivo e executório, definidor da situação da Cerâmica Campos perante o fisco, porquanto determina a realização de uma segunda fiscalização à empresa, que, com «rigor e objectividade», proceda à revisão da primeira efectuada, na sequência, aliás, de dúvidas sobre os montantes presumidos que aquele membro do Governo sempre havia manifestado; nem se apurou que os rendimentos presumidos da empresa Campos pudessem ter outra proveniência que não fosse a sua actividade económica directa; nem é possível concluir do procedimento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no caso da Cerâmica Campos, outra coisa que não seja a procura de uma fundamentada definição da situação da empresa perante o fisco; como não é possível concluir que o procedimento do Secretário de Estado protegeu a empresa, porquanto foi ele próprio que não deixou caducar o direito à liquidação dos impostos da Cerâmica Campos, relativamente a 1984, e não aceitou a informação dos serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI), no sentido de deferir um segundo requerimento da empresa, e ainda condicionou o seu despacho, de 21 de Maio de 1990, aos resultados de uma segunda fiscalização.
O despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é um despacho condicionado. O próprio director de Finanças de Aveiro o confirmou perante a Comissão Eventual de Inquérito.
Por outro lado, seguramente, decisivo para a formulação de um juízo sobre a eficácia condicionada do mencionado despacho, é o facto de a empresa Campos ter sido notificada de todo o seu conteúdo, como o declarou perante a Comissão o seu presidente, ao tempo, lendo todo o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O resultado da segunda fiscalização tanto poderia ser o de apurar um valor inferior ao dos montantes presumidos, como um valor superior, o que, de facto, veio a acontecer, obrigando à correcção da liquidação. Daqui não podem tirar-se conclusões de intenções de protecção da empresa.
O convencimento dos interessados de que a segunda fiscalização só poderia baixar o valor presumido na primeira fiscalização não é, por si só, prova de que houve um «perdão de juros» acordado ou concedido.
De resto, as averiguações feitas e os depoimentos recolhidos permitem concluir, seguramente, que a realização de uma segunda fiscalização às empresas é um procedimento usual no âmbito da administração fiscal.