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21 DE JUNHO DE 1991 3295

Portugal de S. S. o Papa João Paulo II, que desta vez .incluiu, também, e com particular e justificado júbilo das suas populações, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, não podiam .deixar de constituir motivo bastante e merecerem ser assinalados com um acto de clemência.
As considerações que se vêm tecendo não impedem, porém, que se reconheça alguma razão a Kant ao afirmar que a amnistia era, de todos os poderes do soberano, o mais escandaloso.
Duas grandes questões se colocam no âmbito das leis da amnistia: por um. lado, o seu peso e a sua medida e, por outro, a clarificação de que se não amnistiam infractores ou agentes em concreto, nem sectores ou grupos, amnistiam-se, sim, infracções. E o mesmo se diga da outra medida de clemência aqui acumulada - o perdão da pena.
É também do preâmbulo do projecto de lei a afirmação de que, «na fixação do âmbito das medidas de clemência propostas, houve a particular preocupação de não ferir os sentimentos colectivos e de não pôr em causa a segurança jurídica social da comunidade». Recusamo-nos a uma amnistia que deixe de ser de infracções para o ser de infractores em concreto.
Quem, apesar de o fazer à margem e com a violação de valores fundamentais e éticos, social e juridicamente tutelados, se bateu por princípios e ideais não poderá deixar de reconhecer que aos demais assiste também o direito, se não a obrigação, de serem fiéis aos seus princípios e aos ideais que enformam as suas convicções. Desde sempre nos inclinámos para uma amnistia de pequenos delitos e nesse âmbito nos fixámos.
É necessário que um acto de «graça» em favor do delinquente não se transforme, ele próprio, numa mera ofensa aos já anteriormente ofendidos.
Como dizia o então Ministro da Justiça, Dr. Mário Raposo, em intervenção nesta Assembleia a propósito da última lei da amnistia e revelando preocupações quanto aos seus limites, «o que poderá resultar de uma amnistia demasiado permissiva será quase um subcrime».

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Desculpas de mau pagador! •

O Orador: - Que os órgãos de soberania dignifiquem a democracia e as suas instituições com integral respeito pelos poderes e competências próprias de cada um, sem mútuas interferências, e que cada um intervenha no momento e lugar próprios, expressando a sua vontade pela forma que a estrutura democrática do Estado permite. Qualquer alteração ou desvio, relativamente a esta postura, colidirão com as esferas próprias de cada órgão de. soberania, o que só se justificaria e teria razão de ser face a um absoluto consenso político e partidário, que não se logrou registar. . ,
Abstenho-me de desenvolver quaisquer considerandos acerca do elenco de infracções abrangidas pela lei da amnistia, bem como sobre a extensão dos perdões de pena e condicionamentos na aplicação de uma e de outra das medidas adoptadas, porquanto tal constitui objecto da intervenção do meu companheiro Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terá uma lei de amnistia natureza meramente instrumental ou apresentar-se-á, antes, como algo que brota de um sentido humanitário e de tolerância que cada uma de nós descobre em si? Para nós, a lei de amnistia não é um instrumento; para nós, não é
um instrumento para satisfação de interesses de clientelas políticas nem instrumento para limpar consciências ou a democracia.
Se assim é, confirmam, como já referi, a exclusão do seu âmbito de aplicação os titulares de cargos políticos, cujo exemplo e ética devem estar acima da tolerância e condescendência admissíveis em relação ao comum dos cidadãos. Embora reconhecendo esse efeito reflexo, recusamo-nos mesmo a aceitar a amnistia como mero instrumento para que se descongestione o acumular de serviço nos tribunais. Momentos altos da vida nacional e um sentido humanitário, para que não se arrisque, por excesso, a perder o sentido ético em que se legitima, justificam os limites da lei de amnistia que subscrevemos e que vamos votar favoravelmente.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Narana Coissoró, para uma intervenção, sugiro à Câmara, uma vez que dentro de alguns minutos se dá por encerrado o debate na generalidade deste diploma - e solicito que pensem sobre o assunto -, que, no sentido de se adiantar os trabalhos, se proceda à votação do bloco respeitante às propostas de resolução ainda antes de interrompermos os nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente,. Srs. Deputados: Está neste momento em debate, na generalidade, unicamente o projecto de lei n.º 779/V - amnistia diversas infracções e concede outras medidas de clemência- e é dele que temos de tratar e não das possíveis emendas, de que os Srs. Deputados já têm conhecimento, mas cuja oportunidade de debate virá mais tarde, aquando da discussão na especialidade. Por isso mesmo, vou cingir-me unicamente ao projecto de lei, de que também fui co-subscritor.
Os especialistas e juristas que se debruçam sobre os problemas da amnistia definem-na como um acto de clemência que, impedindo um procedimento .punitivo, ou extinguindo a pena aplicada, e destruindo os efeitos de infracção, vota ao esquecimento perpétuo certos factos puníveis, genericamente determinados na lei que concede a mercê, e anteriormente cometidos. Trata-se da abolitio criminis dos Romanos, a lei do esquecimento, que era uma prerrogativa do soberano e que só com as revoluções democráticas passaram para o âmbito exclusivo dos respectivos parlamentos.
Mesmo que a lei de amnistia seja, acima de tudo, um acto político, porque é da competência exclusiva do Parlamento, não perde o carácter de ter também a ver directamente com a lei criminal.
No fundo, uma lei de amnistia é o reverso, digamos assim, de uma lei punitiva; ela tem a ver com o jus-puniendi do Estado e só na medida em que este jus puniendi não fica atingido, nem coarctado, nem reduzido, é que se pode falar do acto de clemência, que, através da lei de amnistia, o Parlamento decreta algumas das soluções benéficas para aqueles que sofreram condenações através do jus puniendi.
Por isso mesmo a nossa jurisprudência é extremamente cautelosa em rodear a lei de amnistia de muitos preceitos que a definem.