O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

19 DE DEZEMBRO DE 1992 897

mocrática da separação dos poderes, contra a exigência indeclinável da inexistência de poderes não fiscalizados, contra o florescimento do espírito crítico, contra o clientelismo e o medo. Contra a inversão e a perversão do espírito do sistema e da exigências do seu equilíbrio institucional e legal.
Aí, o Primeiro-Ministro e o seu partido não confiam nem um bocadinho nos poderes da auto-regulação espontânea. Aí, a mão invisível é fácil de ver. É a mão pesada do Primeiro-Ministro.
É hoje evidente o risco de totalização prática de sistemas que se presumem liberais. Tocqueville advertiu-nos oportunamente disso. E, tuna vez mais, Carl Popper advertiu-nos contra «a. tendências auto-ameaçadoras resultantes da totalização dos ideais liberais» e não menos do risco de podermos «ser escravizados, não apenas por um ditador... mas pelo próprio Estado, por uma burocracia anónima».
As afirmações, as atitudes e as políticas do actual Primeiro-Ministro vão, lamento dizê-lo, nesse sentido. Não é ainda o ponto de chegada. Mãe a premonições só são úteis antes de consumado o que se previne.
O primeiro bode expiatório foi o próprio partido maioritário. Fez-se mister discipliná-lo com mão de ferro até à total submissão. Um bem planeado culto ala personalidade do seu líder encarregou-se dessa tarefa. É, hoje, uma criatura dócil e o mais possível cooperante.
O segundo foi o próprio Governo, enquanto órgão colegial. Não é segredo para ninguém que tudo no seu âmbito se passa como se o Primeiro-Ministro fosse o ministro de tcx1m as pastas.
A vontade do Governo é «samba de uma nota só».
O terceiro bule expiatório foi o Parlamento. Fez-se mister impopularizá-lo, primeiro, e disfrutar eleitoralmente a sua impopularidade, depois. Na fase da maioria relativa, foi mimoseado com toda a sorte de imputações de culpas. Ainda agora, episodicamente, o é. Mas, conseguida a maioria absoluta- que era o objectivo! -, mais moderado passou a ser o libelo acusatório. Nulo, porém, o poder de deliberação autónomo, de intervenção e de fiscalização política.
Não há caricatura na afirmação de que o Parlamento deixou de representar e de exprimir a vontade de todos os portugueses - como lhe cumpre - para, na prática, passar a representar e a exprimir a vontade de um apenas.
Atingido este grau de afinação, ficavam, incómodos ainda outros órgãos de fiscalização da legalidade democrática, logo, da acção do Governo: o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, o provedor de Justiça. Mas o Primeiro-Ministro acaba de se preocupar com isso. A Procuradoria-Geral da República já foi objecto de lei limitativa dos seus poderes. E os restantes órgãos de um «safanão (verbal) a tempo».
O Primeiro-Ministro confia em que bate para que se deixem de veleidades. Se não ... sai lei.
Há, nesses órgãos, militantes do seu partido. Dir-se-ia que o Primeiro-Ministro espera que militem! Inaceitável é esse aparato de «forças de bloqueio» á acção modernizadora do Executivo.
O próprio Presidente da República teria acabado, no dizer do Primeiro-Ministro, por alinhar com as forças do
bloqueio e do mal. Pois não é que se atreveu a «bloquear»,
devolvendo-a á procedência, a relevantíssima «medida de modernização do País», consistente na mobilização dos dias feriados?

Última peça do libelo: as autarquias- incluindo as gerida por titulares do seu próprio partido- vêm-se queixando de que é cada vez menor a percentagem, em relação ao PIB, das receitas que gerem. Alegam que são caudatárias das homólogas percentagens europeia, que a maioria aprovou uma lei de finanças locais e que o Governo, com a complacência dela, lhe vem maquiando os meios a que, segundo essa lei, teriam direito.
Pois queixa-se o Primeiro-Ministro das queixosas! São gastadoras, perdulárias, devotas da opulência. Nunca tiveram tão suculentos meios. Estes baixaram de facto, mas em 1983 e 1984 - a eterna comparação entre os meios de um Governo a fugir da bancarrota e de um Governo em cujo nabal chovem, caídos da Comunidade Europeia e das privatizações, cerca de 2 milhões de contos por dia.
Mas acho que o Primeiro-Ministro tem razão. Pois pode-se lá governar com a Procuradoria-Geral da República a levar a sério a defesa da legalidade democrática? Ou com o Tribunal de Contas preocupado com o acerto dela? Ou com o Tribunal Constitucional mais amigo da Constituição do que do Governo? Ou com o provedor de Justiça a prover a ela? Ou com um Presidente da República não confinado ao papel decorativo das folclóricas majestades? Ou com as autarquias locais a tentarem subir acima da chinela, incómodas ao ponto de quererem saber para que serve o Centro Cultural de Belém - paradigma de despojamento franciscano! -, que custou mais do que pedem e que, ao que se diz, tem inundado o fosso da sala de ópera, que, assim, só teria préstimo para a representação do Lago cios Cisnes?!

Aplausos do PS.

E não é que levam a ousadia ao ponto de afirmar, através da sua associação representativa, que gerem a mais magra fatia dos orçamentos europeus?
E não venham os sofistas do direito constitucional com argumentos de texto! Para lhes fazer frente o Governo dispõe, tal como Napoleão dizia, de «alguns autómatos juristas».
O Governo depende, constitucionalmente, da Assembleia? Passa esta a depender do Governo!
Quer a Constituição que a Assembleia fiscalize o Governo? Passa a ser fiscalizada por ele!
Quer a Constituição que o Presidente da República seja o vértice e o garante do equilíbrio de poderes? Acha o Primeiro-Ministro que o vértice é ele! Deixe-se, por isso, o Presidente da República à margem da negociação do Tratado de Maastricht e, em geral, da construção da Unidade Europeia (de que foi arauto no que respeita a Portugal).
Marginalize-se na reestruturação das Forças Armadas (apesar de ser o comandante supremo dela). Emitam-se juízos sobre o regular exercício das suas competências, incluindo o veto (como se competisse ao Governo, e não ao Presidente, zelar pelo regular funcionamento das instituições). Emitam-se juízos críticos sobre as opiniões que o Presidente expende, confundindo «magistratura de influência» com «magistratura de interferência».
O Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República e o provedor de Justiça levantam constitucionalmente a grimpa? Desossem-se. Intimidem-se. Se preciso, cortem-se-lhes os vencimentos, como se fez aos magistrados. É preciso que nenhum agente político ou administrativo - além dos Presidentes da República e da Assembleia da República, já que tem de ser! - ganhe mais do que o Primeiro-Ministro!