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898 I SÉRIE-NÚMERO 24

Quando se assiste à aparente confusão mental de um Chefe do Governo afamar que, no decurso da dominação filipina, Portugal perdeu a independência, mas reteve a soberania (se algo tem sentido, é precisamente o contrário); ou quando se ouve da sua boca que já reconheceu 50 vezes (não é que me escaparam tolas?) os defeitos do Tratado de Maastricht, que o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros acaba de reconhecer, é-se levado a admitir que possa haver em tudo isso falha de discernimento na concepção ou défice de escrúpulo mental na formulação das atitudes e dos fenómenos políticos.
Mas não! Quando tudo isso se inscreve no quadro de um sistemático propósito de desvalorização das ideologias, da política, em geral, e da classe política, em especial, radica-se a convicção de um propósito assumido de criação de vazio, para que o poder concentrado, sem resistência, o preencha.
Começa a ser inocultável o facto de, ao discurso político oficial, faltar aderência à realidade. É a visão panglossiana de um sector produtivo em ânsias; é a visão discursiva da justiça, cada vez mais inacessível, morosa e cara; da saúde, via sacra de infelizes; da educação, Prémio Nobel do caos; da habitação, lugar de onde o Estado se põe de fora, dando por si as harmonias espontâneas do mercado; do funcionalismo, onde campeiam a insegurança e o pavor, da própria segurança, que recua em determinação e em meios ante o avanço e a sofisticação do crime.
É uma vez mais - orçamento demonstravit - a visão tecnocrática e socialmente neutra de um Governo sem alma, impante de auto-satisfação estatística, ao jeito de «o que é bom para a General Motors (ou para a Ford/Wolkswagen, tanto faz!) é bom para o País».
Mas a validade está aí. Estão de volta as falências, o desemprego, o crédito mal parado, os salários em atraso. E o próprio sector financeiro, que o Governo privilegiou em detrimento do produtivo, começa a sentir desconforto enquanto terminal de tudo isso. É para aí que o País Converge!
Durante mais algum tempo o Governo poderá continuar a acusar de catastrofismo as oposições e a fazer inescrupulosas comparações com os indicadores de 1981 a 1985. Poderá ainda fazer algumas flores com o crescimento induzido pelo maná comunitário- agora reforçado- e com o adequado reforço das prestações da segurança social, quando chegar a hora do contraciclo eleitoralista.
Mas não pode continuar, por muito tempo, imune o seu autismo político e discursivo.
Ouvimos aqui o Primeiro-Ministro sobre o Tratado da União Europeia. Devo dizer que nunca lhe ouvi discurso mais frustrante e mais vazio.
Pensa do projecto europeu o quê? Será que se não sentiu na obrigação de nos dizer qual a sua ideia de Europa, escolhendo um modelo de entre os que ressaltam do mostruário da controvérsia?
Será que continua émulo da Sr.ª Thatcher, na sua visão de «uma Europa de Nações- Estados, aberta o mais depressa possível à participação dos países europeus que ainda não se integraram na Comunidade Europeia>, receosa - ela Thatcher- de que «uma superação europeia... venha a ter
interesses e atitudes divergentes dos da América»?

Ou será que o Pacote Delors II, tão rico em argumentos, o fez aderir à «Europa integrada», à ideia de uma «Comunidade fundada na união dos povos e na associação de Nações- Estados que busquem metas comuns e construam uma identidade europeia», na definição do próprio Jacques Delors?

Mais extensão ou mais aprofundamento? Até onde o limite, configurável neste agora, do principio federador? Cumprimentou o Freitas do Amaral federalista ou apertas o cristão-democrata dissidente? Não sabemos.

Como não sabemos o que pensa - se é que pensa alguma coisa - da nova ordem mundial emergente do fim da guerra fria, do novo modelo de equilíbrio a prosseguir. Se monopolar, com a América como gendarme da paz universal, se multipolar, nomeadamente com a Comunidade Europeia como segundo pilar da Aliança Atlântica.

Como não sabemos que significado atribui - se é que atribui algum - ao mandato da ONU para intervenção da América na Somália. Encara-o como peça daquela visão monopolar, logo com prejuízo da outra, ou como revelação de um propósito de revalorização da ONU, adequadamente reestruturada, como núcleo expansivo de um fenómeno, cada vez mais irresistível, de mundialização dos centros de decisão sobre interesses e salvaguarda de valores crescentemente universais? Neste caso, encara a união política europeia como um ponto de chegada ou como um mero estádio, u !afere de outros espaços intermédios, a caminho de uma geograficamente mais dilatada unidade política?

«Vai colocar-se,» armo perguntou alguém, «na mão ou na contra mão da história»? Eis a questão.

Enquanto pensa nessas altíssimas questões, que tanto condicionam o nosso devir colectivo e o futuro modelo da vida de cada um de nós, talvez nos pudesse ir informando como pensa resolver o pequeno constrangimento de sermos um país com preços de bens de consumo da ordem dos europeus e salários e pensões da ordem de um terço.

Oferecendo, em ano de vacas gordas, como é o que se aproxima, aumentos salariais inferiores à previsível taxa de inflação? Corrigindo excessos eleitoralistas pelo preço da morte da concertação social? Cunhando a moeda de factos políticos, como aqueles a que, ontem, assistimos aqui?

Desejo ao Sr. Presidente e a todos os Srs. Deputados um muito Feliz Natal. Que o Menino Jesus vos ponha no sapato tolas as bem-aventuranças, a começar por políticas menos fechadas, menos misteriosas, mais participadas, e, sobretudo, mais distanciadas da ponta do nariz. Uma República de homens livres não precisa de chefes providenciais.

Aplausos do PS, de pé, e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos,...

Vozes do PS: - Então, não estava de férias?!...

O Orador: - Não! Pensei que dobam entendido! Estava de férias no que diz respeito à classe operária, não no que diz respeito ao debate parlamentar.

Risos do PSD.

Um Deputado nunca tem férias, um operário, sim, tem! E os patrões raramente!...