19 DE DEZEMBRO DE 1992 901
O problema sobre o qual queremos alertar as vossas consciências é, no dizer do nosso Primeiro-Ministro, de importância bem mais pequena, de reduzida dimensão, sobretudo se compararmos com o número imenso de navios que cruzam esse oceano, também ele imenso. E que o problema de hoje nada tem de original, razão pela qual apresentamos as nossas desculpas a todos, por, uma vez mais, vás virmos maçar com um caso de crime ecológico, foi apenas mais um, de entre muitos outros de menor ou maior expressão.
É que, mais uma vez, um energúmeno qualquer, não se sabe e nem nunca se saberá quem foi, com a cobardia própria de quem se sabe imune e impune, resolveu, de acordo com a mais sábia lei financeira da poupança de custos de transporte, limpeza e segurança, lavar os tanques do seu navio em pleno oceano, ao arrepio das mais elementares regras de respeito.
Respeito não só pela Natureza mas também pelo seu semelhante indígena que, em época de estiagem, costuma demandar por aquelas paragens a procura do «El Dourado», vulgo bronze, e porque, por vezes, os discursos e os problemas suo como as cerejas, está hoje confirmado pela ciência que, em virtude do afamado «buraco no ozono», a exposição ao sol tomou-se perigosa. Por isso, talvez possa haver quem justifique que o demude de crude se fique a dever a alguma nova forniu de procurar evitar e combater o cancro de pele. Diz o povo: «Para grandes males, grandes remédios!»
O nosso Primeiro-Ministro teve o inconveniente azar de, em pleno périplo propagandista, gizado a pensar em desmistificar a cabala da oposição, segundo o qual o Governo se locupletou com muitos milhões de contos, que caberiam, inteirinhos, as autarquias, se deparar com uma atitude sem escrúpulos e com o inusitado espectáculo de várias praias de negro tingidas! Reacção do Primeiro-Ministro: «Anda alguém a querer tramar-me!» Jogando à defesa, não sabendo a quem deveria dirigir o seu ataque, proeurou, com douta presença de estadista, apostado em manter o povo sereno, minimizar o acontecimento. E considerou: que importância teve o derrame de toneladas de crude em comparação com o número de navios que transitam diariamente nas águas da nossa costa? E considerou ainda mais: o que são 25 quilómetros de praias tingidas em comparação com as centenas de quilómetros da nossa costa?
Não tendo tido acesso aos mesmos meios, perguntamos: desde quando a qualidade do meio ambiente se pode medir apenas e sempre pela quantidade? Desde quando - insistimos em perguntar- o Governo se pode aliviar das suas responsabilidades em acidentes deste tipo através de declarações, sempre amplamente divulgadas, menorizando os acontecimentos? Certamente, só o grande desrespeito pelos valores naturais o pode explicar, já que o acontecido bem se poderia intitular «Crónica de um atentado anunciado» e mil vezes repetido. Mas vamos aos factos.
Quatro dias após o espectacular acidente da Corunha, com os efeitos mediáticos à escala mundial, surgem na costa portuguesa manchas de crude que atingem as praias. Serão restos trazidos pela maré? Chegou-se a alvitrar. Tudo indica que não! Tudo indica que sejam descargas intencionais, lavagens de porões, absolutamente proibidas: um verdadeiro crime! E as consequências mais visíveis não se fizeram esperar. As praias tingem-se de negro, o ar fica impregnado de um cheiro pestilento e as gaivotas enroladas em crude.
Quem mereceria o alcatrão e as penas? Ficaram, assim, 25 km de praias afectadas, entre sul da praia de Mira e o norte do cabo Mondego. A fonte poluidora é desconhecida
A remoção do crude espalhado ao longo da costa é o folhetim do costume. A detecção foi feita na segunda-feira, mas só na quarta-feira e que começou a operação de limpeza, pois a deslocarão das entidades responsáveis pela operação demorou vinte e quatro horas. As criticas são mais que muitas e generalizadas: falta de pessoal e material; não existe equipamento especializado nem sofisticado; a recolha diária e lenta e penosa. As autarquias envolvidas queixam-se de que a limpeza é efectuada, sobretudo, à custa de mão-de-obra dos serviços de higiene e limpeza, não sendo possível manter por muito mais tempo esta situação. A intervenção da Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais limita-se a acompanhar de perto o evoluir da situação»
Não aparecem os meios de combate e há quem considere a situação incompreensível, uma vez que o Sr. Secretário de Estado afirmou garantir as verbas para aluguer do material necessário.
As promessas repetem-se, como, infelizmente, se repetem as situações!
De facto, este não foi o primeiro nem, certamente sei á o último acidente ecológico verificado na costa portuguesa. As estatísticas oficiais da Direcção-Geral de Marinha (Serviço de Combate a Poluição do Mar por Hidrocarbonetos) no ano de 1989 registaram 47 acidentes de poluição nos seus diversos departamentos marítimos, no ano de 1989 o número de registos aumentou para 71; e, segundo a mesma fonte no ano de 1990 ocorreram 105 acidentes, tendo-se verificado no 1.º semestre de 1992 precisamente 38 acidentes.
Mas porque a dimensão também impressiona, aqui deixamos a referência de alguns dos principais acidentes ocorridos na costa portuguesa, apenas desde 1986 que, segundo reza a história, foram o navio Mansfield encalha junto a Leiria em Fevereiro de 1986, tendo derramado cerca de 160 t de combustíveis e lubrificantes e as acções de prevenção e combate decorreram durante cerca de 20 dias e a limpeza das praias demorou cerca de 40 dias, tendo sido removidos cerca de 250 m de areias,, o navio Regin, no Douro, em Abril de 1988, derramou 429 t de combustível e lubrificantes, cujas operações decorreram durante 20 dias, o navio River Graana, acidente em Espichel, em 1989, derrama 900 t de combustíveis, lubrificantes e carga geral, cuja limpeza das praias levou 45 dias e foram afectadas mais de 25 km de praias, o navio Marão, em Sines, em 1989, derramou 4500 t de crude, cuja limpeza das praias, demorou 45 dias e foram atingidas mais de 35 km de praias, o navio Atwalida, acidente ocorrido em Dezembro de 1989, no Estoril, derrama 40 t de lubrificantes e combustíveis, o navio Aragon, acidente ocorrido em Janeiro de 1990, no Porto Santo, derramou 25 000 t de crude, cuja limpeza das praias demorou 60 dias e foram recolhidas mais de 15 000 t de crude, o navio Ihegennnor, em Maio de 1990, em Sines, derrama mais de 250 t de crude, a limpeza das praias foi feite em 15 dias, removidas cerca de 160 t e foram atingidas 10 quilómetros de praia.
A relação de material que dispõe a Direcção-Geral é exígua para fazer face a acidentes desta natureza - apenas conta com 3 embarcações, 10 000 m de barreiras flutuantes, 35 recuperadores diversos, 60 000 t de disper-