904 I SÉRIE-NÚMERO 24
O Sr Fernando Amaral (PSD):- Srs. Presidentes, Meus caros Colegas. Venho falar-vos, de novo, sobre a reforma do Parlamento. Sem pretender proceder à analise
das questões pontuais que preencheram o trabalho da Comissão da Reforma do Parlamento, sinto-me, porém, na obrigação de prestar o meu testemunho quanto aos aspectos globais do seu desenvolvimento.
Foram longas horas de trabalho distribuídas por 49 reuniões, onde a inteligência dos mais responsáveis se lançou em voos surpreendentes de saber jurídico e de intuição política.
Por razões de vária ordem, onde o imprevisto andou aliado às conveniências, o programa de trabalho, no que respeita aos tempos minimamente previstos, não fora integralmente cumprido. A força daquelas razões fora maior do que a nossa vontade. Mas, para além deste desconforto, importa referir que se desenvolvera por alinhamentos que se me afiguram dignos de nota.
A Comissão analisou, cuidadosa e aprofundadamente, os projectos de lei respeitantes às comissões de inquérito, ao direito de petição, ao Estatuto dos Deputados e os projectos de resolução respeitantes ao Regimento. Foi um trabalho moroso e delicado mas muito gratificante, segundo penso, para quem nele participou ou nele marcou presença. Teve, então, uma excelente oportunidade de alargar o ramo dos seus conhecimentos sobre questões importantes, porque intimamente ligadas à natureza e exercício do seu mandato.
Se é certo que, entre nós, o «direito parlamentar» não tem merecido por parte dos investigadores, professores e criadores do direito, uma atenção mobilizadora, porventura pela falsa concepção de que se trata de um direito menor, já outros, especialmente em Espanha, Itália e França, lhe têm dedicado um particular interesse por o reconhecerem como um direito fundamental. Muito particularmente no que respeita ao Regimento, já que ele é o filtro por onde passa grande parte, e seguramente a mais importante, da iniciativa legislativa e política do País. O tempo, o modo e os meios de a realizar são por vezes tão relevantes como a parte substantiva prosseguida por tais iniciativas
Porém, apesar daquele, quadro estreito e difuso, tive a feliz oportunidade de me congratular e admirar a desenvoltura do pensamento jurídico e político, a competência técnica e doutrinária com que foram abordadas as várias decisões que constituíram o cerne das propostas apresentadas, no contexto dos diplomas sujeitos às alterações sugeridas. Mas, sem menosprezo pelas muitas contribuições avulsas que foram adiantadas por vários membros da Comissão, importa salientar que o fio condutor da consensualidade procurada passou, necessariamente, pela clarividente competência e pelo bem estruturado saber dos Srs. Deputados Carlos Coelho, Guilherme Oliveira Martins, Fernando Condesso, José Vera Jardim, Ana Paula Barros, José Manuel Maia Marques Júnior, João Amaral, Alberto Martins e Miguel Macedo. Os contributos que deram, as exposições que fizeram e as conclusões que todos aprovaram foram indicadores do «sentido de Estado» que perpassou pelas soluções encontradas e onde o pendor partidário cedeu lugar ao desejo comum de se encontrarem as soluções que melhor correspondessem aos planos de dignidade e prestígio que, justamente, se reivindicam para a Assembleia da República.
Só tarde, no desenvolvimento daquele excelente trabalho me dei conta da omissão comenda de não ter pedido a gravação das intervenções produzidas. É uma perda
irreparável de que me penitencio. A sua transcrição constituiria um documento do maior interesse para a história do nosso direito parlamentar Ele daria nota dos diferendos que se esbateram, dos radicalismos que se ultrapassaram, das cedências que se acolheram, das posições que se respeitaram, das conclusões que se aceitaram Ele daria nota das interessantes discussões que se abriram, marcadas por uma cordialidade e uma elegância que fez realçar o valor do respeito que nos devemos, no relacionamento pessoal que esmeradamente se cultivou, sem prejuízo do reconhecimento das diferenças que, partidariamente, nos dividem.
Essa linha de cordialidade e elegância foi traço forte que delimitou o trabalho da Comissão e permitiu, no jogo dos interesses e dos valores manifestados, a compreensão, a tolerância e a transigência possíveis, sempre úteis e necessárias na realização de tarefas comuns.
Quero salientar essas notas porque elas se identificam com os propósitos que me animaram quando acedi ao honroso convite para assumir a responsabilidade de presidir aos trabalhos da Comissão para a Reforma do Parlamento. Honroso e aliciante. É que concorrer para uma maior afirmação do Parlamento na vida política, económica, social e cultural do povo que legitimamente representamos é uma tareia empolgante e sedutora, ainda que correndo o risco de sonhos não realizados, de propostas não conseguidas, de sugestões não perfilhadas. Mas sempre se releva a boa-fé dos propósitos e a disponibilidade manifestada por todos os membros da Comissão e, em especial, daqueles que referi, na trabalhosa tarefa de debater, sugerir, aditar, contrariar e defender pontos de vista que foram auxiliares preciosos para a formulação dos consensos que atingissem ou se aproximassem daqueles intentos.
E certo que surgiram alguns fenómenos políticos, exteriores ao trabalho da Comissão, que terão crispado o posicionamento partidário, face à reforma do Parlamento. Contudo, se se sentiu uma certa e natural tensão, ela não ultrapassou o plano normal das contingências que lhe deram causa e, por isso, não lhe daremos qualquer relevo para além daquele que os meios de comunicação já transportaram, com os naturais traços caricaturais com que foram empolados.
Pela nossa parte, não desejamos alimentá-los nem promovê-los, já que sempre se traduziria num despropositado aproveitamento político que não serviria a democracia nem os partidos e, muito especialmente, as coordenadas que permitiram o excelente trabalho produzido por aqueles Srs. Deputados no propósito da defesa e afirmação do papel do Parlamento Ultrapassar a demagogia das afirmações, que lerão sido produto de equívocos ou do desconhecimento daquele trabalho, é um imperativo de consciência para todos quantos deram o seu contributo sério e bem fundamentado para as soluções julgadas democraticamente mais ajustadas as pretensões de um Parlamento mais dinâmico, mais participativo, mais consciente, mais responsável e mais moderno. Este foi o admirável esforço de que deram testemunho os Srs. Deputados que citei e que são o rosto bem perfilado da Comissão a que tenho o prazer de presidir.
Esta é mais uma nota que não deveria guardar sem vo-la participar e, por isso, aqui vo-la deixo expressa, ainda que de forma demasiado sintética, porque me temo dos limites do tempo de que disponho. É que desejo ainda fazer algumas considerações, necessariamente breves, sobre os principais diplomas que a Comissão empenhada e demoradamente analisou Todos eles revelam a preocupação de concorrerem para a afirmação do Parlamento como