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1010 I SÉRIE - NÚMERO 28

ses económicos que nada têm a ver com os interesses públicos dos cidadãos, nessa altura, diremos que, em termos éticos, haverá que rever posições e dizer a verdade. Foi isso o que disse e direi sempre, aqui e em qualquer outro sitio. Por essa ética me baterei.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma curta interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, na minha história como Deputado nunca dirigi um único ataque pessoal fosse contra quem fosse.
Quero, através da presente interpelação, explicar ao Sr. Deputado Macário Correia que, quando aqui afirmei que este estatuto pretendia proteger certos lobbies, não estava, de forma alguma, a referir que era o Sr. Deputado que pretendia fazê-lo.
Não se tratou de uma referência pessoal, mas sim de uma referência genérica quanto ao conteúdo filosófico da lei e não qualquer referência à actuação do Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para a Mesa o assunto já estava esclarecido.
De qualquer maneira, agradeço ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu, em nome da Câmara, a elegância das suas palavras.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.

O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todos sabemos, existem na cultura duas vertentes - criação e fruição. Por outras palavras: o actor, no palco; o espectador, na plateia.
Muitas vezes, por feliz coincidência, coexistem o criador e o fruidor. É em muitas dessas situações que a cultura deixa de ser uma preocupação para o Estado, na medida em que se revela, indiscutivelmente, muito mais barata, compatível, assim, com restrições orçamentais.
Diz um provérbio, creio que inglês, que «as coisas mais belas da vida são de graça». 15so quase se pode aplicar à cultura dita popular e não erudita. Ela não é, em essência, inferior à cultura entendida no sentido latino, clássico, em que ressaltam as artes, as letras e a música. É diferente, apenas. Ressalvo, no entanto, que de modo nenhum quero apoucar as formas de cultura erudita.
As festas religiosas populares na minha terra não sobrecarregam, em nada, as autoridades - disso se encarregam as colectas feitas pelos próprios populares ou a vaidade do festeiro. Tirando os gastos com os sermões dos senhores priores, que alguns consideram soporíferos, e o ruído do foguetório, para outros demasiado estrepitoso, a festa é quase toda de graça. São os diferentes sítios que se organizam, em sã ou ciumenta rivalidade, no arranjo dos arcos e no deslumbrante tapete de flores por onde há-de passar a procissão.
Dou o seguinte exemplo: na viagem do Papa à Região Autónoma da Madeira, o Governo Regional, como lhe competia, chamou a sua organização do raro evento na história da ilha. Fê-lo muito bem no que se refere aos aspectos sociais da recepção, no impecável serviço de segurança e na própria missa campal. Infelizmente, o povo participou apenas com a sua presença Não foi actor, foi assistente. Não ornamentou os sítios por onde passou Sua Santidade. Não fez arcos, nem tapetes de flores. Deram às populações uma espécie de borlas de papel recortado figurando flores em amarelo e azul - as cores da região - que abanaram, entusiastas e inocentes. Em frente da sé catedral o Governo fez erigir uma gigantesca escultura ou arranjo de elementos naturais, imitando a típica charola madeirense - a estética do desmesurado, que sempre impressiona o parolo. E gastou-se dinheiro, talvez escusadamente.
Outro exemplo é o seguinte: em 1981, assisti a um congresso da OCDE, em Vila Real, no qual um velho participante inglês declarou, entusiasmado, que assistira, dias antes, à maior manifestação cultural que lhe fora dado presenciar na sua longa existência - o São João do Porto. Vira as populações, espontaneamente, a fazerem a decoração dos seus bairros e presenciara de 24 para 25 de Junho, deslumbrado, uma festa em que os actores eram a população de toda uma cidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O folclore, o teatro das humildes agremiações populares, as bandas de música, o artesanato e a protecção de práticas e costumes do nosso povo são formas em que esse mesmo povo é simultaneamente criador e espectador. Se, numa operação matemática, fizermos a divisão entre o número de participantes - criadores e fruidores - e as despesas que essas actividades implicam, pensamos que as despesas do Governo central quase se podem reduzir a perto de zero.
É por isso que neste momento apelo à Secretaria de Estado da Cultura para este aspecto que, no fundo, reveste a grande importância da cultura, no seu sentido de descentralização cultural e autonomia.
Não afirmo que nada esteja a ser feito neste aspecto nem que não haja câmaras municipais que se interessem pelo problema e o estejam a tratar com profundo saber, mas seria desejável, dado o volume de encargos que incorrem sobre os nossos municípios, que fosse a própria Secretaria de Estado da Cultura a inscrever uma verba necessariamente vultuosa, visto vir a reproduzir-se em milhares de actividades culturais, a ser entregue às várias câmaras.
Haveria, também - dando às manifestações culturais a devida autonomia, que exercer discreta e, quando necessária, eficaz tutela, porque certos vereadores de cultura ou secções de animação das câmaras se preocupam mais em criar burocracias e mordomias e, frequentemente, em inventar e macaquear os «tipicismos» folclóricos que o turista quer ver.
Não transijamos. Conservemos as raízes populares da nossa cultura em toda a sua pureza e genuinidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agora, que as fronteiras da Europa se diluem, será essa cultura que, na sua autenticidade, poderá colocar um travão a uma identidade geral, a uma padronização que não se deseja, reafirmando a existência das nações, que não morrem, que não podem morrer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.