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4 DE JUNHO DE 1993 2509

me presto desde já -, particular atenção deverá merecer a opção do Governo em matéria de prevenção criminal.
Em primeiro lugar, cumpre afirmar que nenhuma polícia de investigação criminal prescinde, ou pode prescindir, de competências próprias em matéria de prevenção técnica como esta a que nos referimos. Admiti-lo seria aceitar desarmar o Estado na luta contra a criminalidade e, particularmente, como é o caso, no combate à criminalidade organizada.
Daí as competências já hoje reconhecidas à Polícia Judiciária nesta matéria não apenas na sua Lei Orgânica, mas também no Código de Processo Penal, diplomas que, até agora, não sofreram, aí, qualquer contestação. Ao legislar especialmente na área da prevenção em matéria de corrupção e criminalidade económica pretendeu o Governo, por um lado, restringir a actuação da Polícia, submetendo-a, relativamente ao regime actual, não apenas à obrigação de documentação dos actos como também ao controlo do Ministério Público, hoje inexistente.
Fê-lo, o Governo, com a consciência de que, não o fazendo, a Polícia Judiciária poderia, legalmente, actuar aqui distante de qualquer controlo directo e, como é óbvio, sem que tal circunstância viesse a suscitar alguma intervenção crítica.
Isto é, em nome de uma efectiva transparência, o Governo não se deixou seduzir pela facilidade política, preferindo assumir a crítica por fazer bem, em vez de uma tranquilidade que lhe estaria assegurada se nada tivesse feito.
Daí que tal atitude se não esgota numa opção simples de política legislativa, mas se eleve também à categoria de desafio, nomeadamente político. Queremos ou não a transparência? E, querendo-a, aceitamos o desafio, que nos remete para o plano da ética, de aplaudir o risco político que a transparência comporta, ou, pelo contrário, legitimamos a demagogia como entrave à própria transparência?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aos críticos valeria, então, perguntar o que fariam se, em vez de nós, fossem eles a legislar. Não fariam nada, passando incólumes no debate político? Então, com que direito e fundamento moral criticam a opção que assumimos com a coragem que não teriam? Retiravam à Polícia Judiciária as actuais competências? E perante quem assumiam a responsabilidade de uma polícia de investigação internacionalmente ridicularizada e, internamente, sem um instrumento essencial para o combate à criminalidade grave? Apertavam ainda mais o controlo que agora propomos? Então, uma vez mais, a lei aí estaria como ficção, incapaz de garantir a sua aplicação por absolutamente inexequível. Era, de novo, a aparência a ocupar o lugar da transparência efectiva.
É por isso, Srs. Deputados, que esta é uma proposta séria e rigorosa.
Para intervir no combate à criminalidade ela assume, a descoberto, sem hipocrisia que aqui sempre haverá cedências mínimas na expressão absoluta dos direitos fundamentais. O que importa não é fingir, facilmente, que não é assim, mas definir, com rigor, os limites inultrapassáveis da cedência e garantir o controlo eficaz do respeito de tais limites. E esta proposta de lei fá-lo inequivocamente.
Para o demonstrar, um cortejo de sistemas bem menos rigorosos e onde a afirmação inquestionável do Estado de direito é há muito adquirida, poderia fazer desfilar aqui.
Referirei, porém, apenas o exemplo alemão, onde o Ministério Público não aceita sequer iniciar qualquer inquérito sem que a matéria seu objecto lhe seja enviada pela polícia já previamente informada.
A questão, Srs. Deputados, - todos os sabemos - é bem outra. É atinai uma questão de regime e não vale a pena escamoteá-la.
Construiu Portugal um sistema ímpar na organização do Estado fazendo assentar na independência dos tribunais e na autonomia do Ministério Público um dos pilares do seu edifício constitucional. Nenhum outro foi tão longe. No quadro processual penal dele decorrente, e que a actual proposta de lei respeita integralmente, a investigação criminal organiza-se em três degraus bem definidos por força dos quais a Polícia Judiciária investiga, o Ministério Público dirige a investigação, o juiz controla a legalidade. A Polícia Judiciária, apenas organicamente dependente do Executivo, dependendo, funcionalmente, do Ministério Público e do juiz de instrução criminal.
Constituindo-as a relação da Polícia com o Governo numa situação de simples dependência orgânica, não pode, nomeadamente o Ministro da Justiça, dirigir-lhe quaisquer ordens ou instruções relativas à sua actividade de investigação criminal que apenas releva daquela dependência funcional estranha ao Governo.
Por outro lado, é a Polícia Judiciária inspeccionada pelo Ministério Público, podendo sê-lo também, aliás por sugestão por mim próprio expressa, pelo Provedor de Justiça, o que efectivamente acontece. Finalmente, são magistrados judiciais e do Ministério Público a preencher os quadros dirigentes da Polícia, ainda que por nomeação do Ministro da Justiça.
Neste quadro, também ele ímpar, apenas uma concepção patológica do Estado de direito e do sistema democrático permitirá um discurso de suspeição ou de desconfiança quanto às relações entre o Executivo, as magistraturas e a polícia.
Mas, mais, se de patologia se trata, o que diriam então os mesmos - que não eu -, de um Ministério Público, com estatuto de autonomia, mas não de independência; com nomeação política do Procurador-Geral da República; que dirige, fiscaliza e inspecciona a Polícia Judiciária, mas que se dirige, fiscaliza e inspecciona a si próprio; e que, tendo um estatuto de magistratura autónoma, exerce também funções de polícia de investigação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que outra base, que não seja a de uma visão saudável do sistema, pode fundamentar uma sólida confiança numa estrutura assim concebida e organizada? Com que legitimidade, então pode alguém duvidar do enquadramento da presente proposta de lei nas regras de um Estado de direito democrático moderno apenas porque a Polícia Judiciária depende organicamente do Governo e não daquele Ministério Público?
Será que, afinal, a questão não é ainda só de regime, mas pura e simplesmente da democracia?
No fundo, talvez tudo esteja em saber colocar nos lugares adequados do pensamento político-ideológico os conceitos de confiança e desconfiança, de vigilância e de controlo, levando o esforço de análise para lá do discurso, hoje comum, dos direitos fundamentais, até à profundidade cultural onde se formam as convicções. E aí é fácil distinguir. De um lado, aqueles para quem o sufrágio universal e a democracia representativa constituíram sem-