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2520 I SÉRIE - NÚMERO 79

coes pudessem fornecer campo mais propício para o desenvolvimento de inquietações, tensões, desconfianças, indesejáveis reacções de corpo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As tempestades não podem surpreender os que se constituem semeadores de ventos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Legislar hoje em matéria de combate à corrupção implica um conhecimento actualizado do fenómeno e uma perspectiva de fundo sobre a natureza das respostas que ele reclama nas sociedades modernas.
Nem um nem outro desses requisitos ficaram, neste percurso, evidenciados.
Os estudos sobre a corrupção e o combate à corrupção evoluíram muito nas últimas décadas.
Do funcionalismo triunfante dos anos 60 ao economic approach dos anos 70 e aos estudos económico-políticos dos anos 80 e 90, estes fazendo apelo a uma gama mais variada de padrões motivacionais, vai um longo caminho. Conceitos como «ocasiões de corrupção», «aversão à corrupção», «propensão à corrupção», «custos da corrupção», «custos morais da corrupção», tomaram-se, nas últimas décadas, instrumentos indispensáveis para a compreensão da dimensão social e política do fenómeno e do seu significado.
Desses estudos resulta explicitado que a vulnerabilidade à corrupção e o desenvolvimento das práticas de corrupção são, hoje, estreitamente correlacionáveis, por exemplo, com os tipos de carreiras dos titulares de cargos públicos e dos decisores públicos, o capital social, profissional, intelectual e moral, com que são iniciadas as carreiras, os chamados círculos de reconhecimento moral dos políticos, o funcionamento ou não da alternância política e a presença partidária na Administração - para só citar alguns dos domínios mais estudados.
De tais estudos resultam também quadros para a compreensão do que a corrupção tem de particular nas sociedades modernas e do que há de específica e perigosamente antidemocrático, hoje, nas práticas de corrupção. É que o programa da democracia moderna é um programa de publicidade e de igualdade de tratamento dos cidadãos. E as práticas de corrupção são, nos antípodas desse programa, operações através das quais, na clandestinidade e na ocultação, se adquirem situações de privilégio.
Para invocar o título de uma obra recente, são trocas ocultas através das quais se subverte, em simultâneo, a publicidade e a igualdade de tratamento, em que a democracia hoje deve e tem de assentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí que possa dizer-se que a corrupção envolve «uma forma de participação oculta no processo de decisão, que modifica a estrutura das alternativas políticas, alternativa ou cumulativamente, em relação à exercida pelos grupos de interesses ou dos partidos políticos»; e representa uma «troca clandestina» entre os mercados económico, político e social, para obter influência sobre o processo de decisão pública, em termos diversos dos que resultariam do exercício aberto das oportunidades.
A corrupção, em democracia, tem, pois, um significado e envolve uma ameaça e um risco diferentes do que tem em outros sistemas: ela representa um regresso clandestino do dinheiro a um papel de supremacia, através da viciação das regras e dos resultados da participação dos cidadãos. É por isso que ela acaba por afectar o recurso fundamental da democracia, que é a legitimidade, ao favorecer a criação, ao redor dos titulares de cargos públicos, de uma atmosfera de suspeição e desconfiança, susceptível de reduzir o cidadão à apatia eleitoral e à resistência fiscal. E é por isso também que é essencial que a defesa da democracia da corrupção e dos seus efeitos assente numa perspectiva que situe a ameaça na sua real dimensão.
De facto, não basta, aqui, partir da ideia vulgar de que o direito penal apenas lida com uma fracção limitada do problema de que não há apenas a parte imersa do iceberg, de que imperam as cifras negras, etc.
Como é notado na literatura, dada a natureza desta troca oculta, a relação entre a corrupção formalmente detectada e a socialmente existente é, com maior probabilidade, equivalente à relação entre uma miniatura e o seu original.
Encarar o problema nestes termos implica a escolha de uma perspectiva em que a resposta se situe à escala do original e não à escala da miniatura.
Um programa anticorrupção à medida do problema tem de desenrolar-se à escala das instituições, tem de, agindo à escala real dessas instituições, diminuir as ocasiões de corrupção e aumentar os custos da corrupção. E aí radica a diferença cultural, que já esteve presente no debate de Março.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A uma perspectiva limitada, contrapusemos, então, uma linha de reforma institucional, em que ganhavam sentido as nossas propostas sobre o acesso do público às declarações de património, rendimentos e interesses dos políticos, a publicidade das decisões de atribuição de benefícios, o controlo do financiamento da actividade política, o recurso a auditorias independentes, a melhoria das condições de competição política.
Mantemos esta orientação fundamental.
A questão não se coloca em termos de saber se Portugal é ou não é um país de corruptos. A questão não se coloca em termos de saber se é válida a proclamação de Aníbal de Portugal ou a de Filipe da Macedónia, que dizia estar em condições de conquistar qualquer cidade ou país onde conseguisse fazer entrar um burro carregado de ouro.
A questão põe-se, ultrapassando o âmbito de análise do moralismo vulgar, em avançar decididamente para reformas institucionais inovadoras, que levem mais visibilidade e controlo público à vista política. Verdade seja dita, de Março para cá, o discurso do Sr. Primeiro-Ministro alterou-se e parece vir agora de encontro às preocupações de alargamento de perspectivas, que, em alternativa às suas, o PS aqui sustentou em Março.

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - É uma viragem que registamos, aguardando a concretização das propostas anunciadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aguardando...! Exacto!