4 DE JUNHO DE 1993 2523
São tantos os impecilhos que se vêm levantando, que, a dada altura, quem menos justificadamente os levante dificilmente se libertará da ideia de que oculta uma falta de vontade em dotar o Estado dos instrumentos e dos meios adequados a um efectivo combate à criminalidade económica em geral e à corrupção em particular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que fique claro perante o País, sob pena de estimularmos um clima de injustificada suspeição, que corrói a democracia e as instituições, que este é um combate de todos nós, do Governo e da oposição, da Assembleia da República e de todos os órgãos de soberania, dos Deputados e de todos os partidos. Este combate não pode ser comprometido por divergências ou reivindicações corporativas, por discussão de espaços ou de competências em que se desgastam energias tão necessárias a uma convergência de acções e de esforços.
A reflexão que, de uma forma alargada, foi possível fazer no âmbito da 1." Comissão, antecipando, pelas razões já referidas, o próprio debate na especialidade da proposta de lei ora em discussão, permitiu tomar claro, no meu entender, que nela se observa o princípio da separação de poderes e se salvaguardam os direitos fundamentais. Aliás, não é minimamente pensável, face à nossa Constituição e aos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade, legislar com defesa de tais direitos e princípios.
Não vejo que dela possa resultar o menor risco de a Polícia Judiciária, aliás dirigida por distintos e conscientes magistrados, instaurar pré-inquéritos ou praticar actos de investigação criminal à revelia da direcção do Ministério Público.
A obrigatoriedade de a Polícia Judiciária comunicar prontamente ao Ministério Público sempre que instaura o procedimento criminal, a imposição de documentar as acções de prevenção e de as remeter mensalmente ao Procurador-Geral da República, que avaliará da correcção de tais casos e ajuizará da necessidade de, em cada caso, proceder ou não criminalmente, constituem garantia bastante de que os direitos fundamentais serão sempre salvaguardados.
Os termos em que se regula a quebra do sigilo bancário com base em princípios de excepcionalidade e proporcionalidade e sempre sujeitos a prévio despacho fundamentado do juiz, constituem igualmente garantia de que se confere à investigação um instrumento indispensável, num quadro cautelar, que salvaguarda a reserva a que tais matérias devem estar sujeitas.
A possibilidade da prática de actos de colaboração ou instrumentais, precedidos de autorização da autoridade judiciária competente, a atenuação da pena do agente que auxilie a recolha de provas que conduzam à identificação e captura de outros responsáveis, bem com a suspensão provisória do processo por decisão articulada entre o Ministério Público e o juiz de instrução, subordinando-se o arguido a injunções e desde que este tenha prestado especial colaboração, sendo medidas discutíveis no plano ético, não podem, porém, deixar de ser adoptadas no combate a este tipo de criminalidade.
Como lembra o Dr. Manuel Lopes Rocha, em estudo relativo à criminalidade económica, estas são medidas que o direito comparado regista, pois que, um pouco por toda a parte, o legislador foi concluindo, pragmaticamente, que o carácter insidioso e oculto destas infracções impediam-no de sacrificar conveniências de política criminal a considerações de ordem moral (in Jornadas sobre o Fenómeno da Corrupção, textos de apoio, Lisboa, 1990).
Escusado será salientar ainda a importância de que se reveste o departamento de perícia financeira e contabilística, ora criado, no âmbito da Directoria-Geral da Polícia Judiciária, pois que era notória a falta de um corpo pericial de apoio à investigação deste tipo de crime, que envolve áreas técnicas e sem o que não é possível assegurar a necessária celeridade à instrução e o atempado julgamento dos responsáveis por crimes desta natureza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podem, porém, ficar por aqui as medidas de combate à corrupção.
A abertura da Administração, a transparência das instituições e da actividade política e partidária constituem imperativo inadiável de um correcto combate à corrupção. Uma Administração simplificadora e desburocratizada, a que os cidadãos tenham pleno acesso, é indispensável a eliminação de peias e entraves, que são, muitas vezes, cultivados como fertilizante do terreno propício ao florescimento da corrupção.
É justo realçar aqui o esforço que a Secretaria de Estado da Modernização Administrativa vem fazendo neste particular e o relevante papel que tem advindo da divulgação e execução do Código do Procedimento Administrativo.
Estamos certos de que o diploma do arquivo aberto, em que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias tem estado empenhadamente a trabalhar, constituirá também um importante contributo para a transparência da Administração.
Na mesma linha de preocupações se insere a proposta de lei de autorização legislativa, recentemente discutida em Plenário, ao abrigo da qual se pretende rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.
Ainda nesta sessão legislativa, o Grupo Parlamentar do PSD irá apresentar projectos de lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, de declaração de rendimentos dos titulares de cargos políticos, bem como um projecto respeitante às incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
A clarificação e actualização da legislação nestas áreas constitui uma correcta actuação no domínio das causas, que completa o quadro em que esta proposta de lei, ora em apreciação, se insere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenhamos, porém, a ilusão de que o combate à corrupção se esgota nos instrumentos legislativos e jurídicos ou mesmo nos meios humanos e materiais afectos aos órgãos de investigação e de instrução criminal.
Este problema, hoje, mais do que nunca, assume natureza cultural e tem a ver com os valores que, em cada momento, informam as colectividades e que cada um de nós facilmente possa descobrir em si.
Uma sociedade em que os valores do poder e do prestígio são ajuizados em termos monetários, patrimoniais e materiais, superando os valores da honestidade, da lealdade e da competência, é uma sociedade geradora de corrupção.
Significa isto que também aqui as nossas preocupações têm de se centrar na escola e nas famílias, que devem ser depositárias e transmissoras desses valores personalistas, de modo a que continuem a prevalecer sobre toda a espécie de materialismos sem alma.
Terminaria citando William Shakespeare quando, no Mercador de Veneza, lapidarmente refere:
Ninguém deve enganar a fortuna ou recolher as honras sem que tenha o cunho do mérito. Ninguém sonhe com dignidades que não mereça. Quanto seria