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4 DE JUNHO DE 1993 2521

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é possível encarar com indiferença inovações legislativas nos domínios em que vêm propostas, tendo embora consciência da escala limitada em que operam.
Por um lado, elas situam-se num terreno em que é muito matizada, e, por vezes, paradoxalmente débil, a estigmatização social que rodeia a criminalidade visada. Não só são clássicas as distinções entre corrupção branca, cinzenta e negra, como inquéritos realizados ainda recentemente dão resultados desconcertantes sobre o estado de opinião e as representações sociais acerca do fenómeno. O vulgar moralismo neste domínio conduz a oscilações, que vão desde a dissolvente generalização da suspeição a toda a classe política até um grau de complacência que leva alguns autores a falarem numa verdadeira e oculta socialização da conivência.
Ponto é que, nesta matéria em particular, inovações legislativas sejam factores de reforço de confiança dos cidadãos e da comunidade jurídica em tomo das instituições e dêem garantias de compatibilização de direitos e padrões fundamentais com o desiderato de eficácia dos mecanismos de investigação. É neste domínio um mau prenúncio que o conhecimento das soluções propostas tenha suscitado a desconfiança e a crítica das entidades representativas de todos os operadores judiciários relevantes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem excepção!

O Orador: - É também sintomático que se tenha a seu propósito suscitado uma contundente avaliação - repito, uma contundente avaliação - acerca das dificuldades de implantação do modelo processual, legalmente consagrado ao longo dos últimos cinco anos, com uma denúncia crua dos problemas que o Ministério Público tem enfrentado e que tem determinado a distância da prática em relação ao modelo.
Há uma realidade em que as inovações se enxertam, que é a realidade da crise do sistema de investigação, que tem a ver não apenas com as dificuldades de concretização das características do modelo mas também com uma situação de facto de ausência de condições elementares, com indicadores alarmantes: departamentos como o DIAP têm sofrido tratos de polé, distribuídos por quatro locais diferentes da cidades e sem meios; predomínio de pessoal auxiliar eventual impreparado; 80000 notificações por fazer; detecção de processos com quatro e cinco anos de polícia, sem diligências efectuadas; fenómenos de desvio e de obstrução de funções em relação ao Ministério Público, denunciados formalmente pelo Procurador-Geral da República; processos policiais de averiguações sumárias com dezenas de volumes, que só uma inspecção da Procuradoria permitiu detectar!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - É num contexto assim que ganham pleno sentido as preocupações geradas pelas soluções anunciadas e que não são, portanto, filhas artificiais de nenhum complot, mais ou menos, perfeito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não são filhas, são filhos!

O Orador: - Quando se está perante crimes que atingem a sua máxima danosidade nos níveis mais elevados de decisão pública e na elite económica, é mais lógico ainda que seja na autonomia e na independência das magistraturas que se procurem as garantias de isenção e não num alargamento de papéis de instâncias dependentes do Executivo.
É esse, Sr. Deputado Silva Marques, o reflexo inteligente, natural e consentâneo com o modelo do Estado de direito. É esse o reflexo aconselhado pela realidade que os operadores judiciários conhecem.
E o problema colocado é o de saber até que ponto podem hoje ser recuperadas ou mantidas, ainda que sob forma suavizada ou mitigada, soluções de informalismo, segredo e excepção, que, historicamente, se inspiram numa tradição contra a qual se estabeleceu o moderno Estado democrático.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Alberto Costa, agradecia que concluísse.

O Orador: - Termino rapidamente, Sr. Presidente.
Suspensões do processo, procedimentos excepcionais, sigilo acerca de confidentes, informadores e colaboradores, desconhecimento dos visados sobre se estão ou não a ser alvo de recolha de informações e acerca de quem lança sobre si acusações ou infamantes suspeitas foram técnicas afinadas pelo Tribunal do Santo Ofício e que se desenvolveram,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essas duas páginas foram escritas por ou trem!
O Orador: -... e que desenvolveram, Sr. Deputado Silva Marques, uma pedagogia do medo, que teve efeitos mais terríveis do que a tortura e o rigor das penas. Entre nós, a esta tradição somou-se ainda a de uma polícia que prosseguia uma pedagogia do medo, associando o tratamento da informação recolhida e as tarefas da investigação criminal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - A questão está hoje em saber até que ponto as democracias ganham, até que ponto é inteligente e justo, por parte das democracias, desenvolver soluções - repito, ainda que suavizadas e mitigadas - com essa linhagem histórica.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quer dizer, a democracia mais inteligente é a mais suave!

O Orador: - A previsão de averiguações, a recolha e o armazenamento de informações ordenadas para a fundamentação de suspeitas, em sede dita preventiva; a inclusão de mecanismos de autorização de medidas instrumentais ou de colaboração, com vista à obtenção de provas, no domínio do combate à corrupção; as garantias de manutenção de segredo acerca dos confidentes; a previsão de despachos genéricos em matéria de levantamento de sigilo profissional, são soluções que suscitam problemas de conformidade com padrões de confiança, de observância do princípio da justiça e de proporcionalidade, que integram o paradigma constitucional.
Se a corrupção envolve uma agressão qualificada à lógica da publicidade e do tratamento igualitário, que são, hoje, parte essencial da promessa democrática, tudo está em saber se uma estratégia de defesa da democracia deve fazer apelo central à própria técnica do segredo e da excepção.