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2524 I SÉRIE - NÚMERO 79

para desejar que riqueza, postos e empregos não fossem devidos à corrupção, que todas as honras fossem justificadas pelo merecimento daquele que as recebe!
(O orador reviu).

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo: Depois de algumas citações de bom recorte literário e de alguns apartes também de recorte literário, que tive ocasião de ouvir, não posso começar a minha intervenção sem lembrar...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vai citar Shakespeare!

A Oradora: - Não, não é Shakespeare, é mais antigo do que o fenómeno da corrupção. Bom, não sei exactamente se é mais antigo...
Mas uma vez que se aproxima o fim da tarde e, pelas 22 horas, Paço Ibanez cantará seguramente o Dom Dinero, de Francisco Quevedo, no Teatro Municipal de São Luís, gostaria de vincar, aqui, que o fenómeno da corrupção é de todas as épocas, embora haja algumas em que se acentua mais do que noutras.
E há algumas em que a discussão em tomo deste fenómeno se azeda mais. Estamos numa dessas épocas, porque, ultimamente, de facto, as relações entre o Governo e as magistraturas, a política do Executivo, na área da justiça, com o fio condutor da governamentalização, têm provocado descontentamento e afrontamentos, e elevou-se nesta área, e com razão, como irei demonstrar.
Esta é uma lei que aparece com um nome simpático, um nome até de fácil adesão na opinião pública, se, entretanto, essa opinião pública não estivesse devidamente precavida pelos avisos à navegação relativamente ao fenómeno que, escandalosamente, irrompeu, há muito, e foi denunciado nos órgãos de comunicação social.
Tendo a opinião pública tomado boa nota disso e também das recusas do PSD em votar a constituição de comissões de inquérito propostas pela oposição, nomeadamente pelo meu grupo parlamentar, com vista à averiguação de factos que indiciavam fenómenos de corrupção, esta cartada do Governo é jogada extemporaneamente num contexto que lhe é desfavorável tanto interna como externamente, pois a opinião pública, com certeza, não esquecerá o combate à corrupção que noutros países é conduzido pelo poder judicial.
Assim, é difícil ao Governo encontrar um autor que lhe reserve a personagem de São Jorge esmagando o Dragão.
A sábia figura do Zé-Povinho, retomará mestre Gil Vicente, mesmo sem o saber, pensando: «Sempre vi lá que matas pecados cá e deixas viver os teus.»
De facto, na nossa óptica, o que hoje está em causa, a pretexto do combate à corrupção, é mais um entorse no processo penal, um aleijão que visa menos aquele combate do que a criação dos meios adequados ao reforço dos poderes do Governo à custa do empobrecimento do poder judicial.
O que hoje está em causa, fazemos questão de vincar, não são pessoas, pois nem cuidamos de saber quem ocupa este ou aquele lugar, nem nos deteremos em afirmações menos felizes deste ou daquele protagonista, cujas declarações fazem mesmo sorrir a hierarquia da Polícia Judiciária. O direito à asneira é, sem dúvida, um direito milenário.
O que está hoje em causa é o sistema proposto pelo Governo para aquilo que verdadeiramente pode chamar-se instrução ou, pelo menos, investigação criminal. O debate não é novo entre nós, nem noutros países como a Espanha e a Itália, pois a estrutura do processo penal é, verdadeiramente, um teste de solidez das instituições democráticas, daí que encontremos similitudes entre o que, neste momento, se passa entre nós e o que já se passou noutros países.
Como escreveram os juizes de instrução espanhóis Andrés Ibanez e Cláudio Alvez, este magistrado do Contencioso Administrativo, ambos membros do Movimento Juizes para a Democracia, «o papel que, de facto, corresponde, dentro do processo penal, à polícia é o melhor indicador da qualidade ou da falta de qualidade democrática da justiça, que se administra através de um determinado sistema judicial, um índice de máxima fiabilidade para se determinar o nível ou o grau de independência dos magistrados numa dada realidade».
Se acompanharmos a marcha do processo penal entre nós, desde a aprovação da Constituição até ao momento presente, veremos que, a par da conquista de autonomia pelo Ministério Público, se foi desenhando, por parte do Executivo, uma resistência à judicialização de um segmento de actividade das polícias. Por outras palavras, a dependência funcional de efectivos policiais relativamente às autoridades judiciárias, sobressaltou o poder, que sentiu a perda de influência na definição do âmbito e projecção social da justiça, de que nunca quis, verdadeiramente, «largar mão». Daí até à extinção dos tribunais de instrução criminal, garantes dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, foi um passo, que até parecia natural, uma vez que nunca lhes foram concedidos meios.
Daí até à policialização da investigação e instrução criminal, através do reforço dos meios policiais e o empobrecimento dos meios do Ministério Público, consequentemente sem a necessária capacidade para fiscalizar a actuação policial, foi outro passo, e não de menor monta.
Assim, a actuação policial cresceu entre nós à custa da actividade jurisdicional, com custos para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Olhe que não, Sr.ª Deputada! Não tem observado a evolução das coisas!

A Oradora: - No debate da autorização legislativa, que deu origem ao actual Código de Processo Penal, que mereceu o nosso voto contra (fazemos questão de realçá-lo pela actualidade das críticas que então lhe fizemos), denunciámos, logo, as consequências que do mesmo resultariam e afirmámos que era um abanão grave no sistema democrático, uma vez que com ele se dava mais um passo na recuperação, por parte do poder, de uma estrutura policial que, invadida pelos ventos da democracia, perdera em grande parte as características adquiridas de tempos de antanho, de uma polícia que, nessa altura, se assegurava a segurança dos cidadãos perante a delinquência e, contraditoriamente, garantia também a segurança do poder constituído perante os cidadãos que ousassem criticá-lo.
As críticas ao sistema, com que o Governo pretendia, e pretende, criar um contrapeso à independência do poder